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Pontifícia Universidade Católica de São Paulo PUC-SP. Thiago de Carvalho e Silva e Silva

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Thiago de Carvalho e Silva e Silva

A intervenção do Estado no domínio econômico e a participação dos empregados por produtividade nas empresas inovadoras

DOUTORADO EM DIREITO

São Paulo 2018

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A intervenção do Estado no domínio econômico e a participação dos empregados por produtividade nas empresas inovadoras

Tese apresentada à Banca Examinadora da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, PUC-SP, como exigência parcial para a obtenção do título de DOUTOR em Direito, na área de concentração Efetividade do Direito, sob a orientação do Professor Doutor Nelson Nazar.

São Paulo 2018

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Banca Examinadora

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Dedico esta Tese à minha esposa Aline e nossas filhas Julia e Maria, por tudo o que estamos, cotidiana e harmonicamente, alcançando juntos neste processo de evolução do Ser que é a Vida.

Dedico este trabalho e tudo o mais que tenho realizado a vocês três, que formam nossa pequena esfera familiar. Que possamos juntos contribuir para a construção de um mundo bem melhor. Lembrando as palavras de Antoine de Saint-Exupéry, “o amor não é olhar nos olhos, mas olhar juntos na mesma direção.”

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Agradeço à Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES) pelo apoio financeiro que me foi concedido durante os anos de pesquisa na pós-graduação, período em que fui bolsista.

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Agradeço a Deus pela oportunidade de me manifestar, uma vez mais, de forma livre com os meus pensamentos. Isto sim é uma verdadeira oportunidade.

Agradeço ao meu orientador, Prof. Doutor Nelson Nazar, pela paciência em continuar me ensinando e orientando após quase 10 anos de pesquisas sob a sua orientação no Programa de Estudos Pós-Graduados em Direito da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo, tanto no nível de mestrado quanto no doutoramento. As lições dessa agradável convivência serão sempre lembradas com profundo respeito e imensa gratidão.

Agradeço também aos Professores Doutor Ricardo Hasson Sayeg e Doutor Paulo Sergio João pela disponibilidade em participar deste momento crucial no processo de doutoramento. Consigno minha alegria em poder contar com o conhecimento desses notáveis professores e pesquisadores que contribuíram concretamente para que eu pudesse olhar a questão central da Tese sob outro enfoque, depreendendo outra faceta do problema e, assim, chegando a uma melhor conclusão. Espero que as sugestões e orientações tenham sido compreendidas por mim.

Agradeço às professoras Doutora Denise Poiani Delboni e Doutora Erotilde Ribeiro dos Santos Minharro por terem aceitado o convite e enriquecido a composição da banca examinadora, sobremaneira, com suas luzes acadêmicas. De forma especial, agradeço também aos professores Doutora Camila Castanhato e Doutor João Carlos Azuma, pela composição da banca e, principalmente, pela amizade ao longo desses anos.

Aos bons amigos, Professores Doutora Juliana Ferreira Antunes Duarte, Mestre Fabio Lemos Cury, Mestre Marcelo Romão Marineli e Mestre Nicodemos Victor Dantas da Cunha, vai o meu abraço e agradecimento pelo apoio de sempre.

Por fim, agradeço aos muitos bons amigos que fiz durante mais de 22 anos de convívio nos corredores, ou melhor, nas rampas da PUC-SP, tanto na graduação quanto na pós-graduação. Não poderia deixar de agradecer, em conjunto porque são muitos, todos os amigos da turma MG do ano 2000. Agradeço, finalmente, ao Rui e ao Rafael pelas instruções obtidas na Secretaria do Programa. Com imenso orgulho, sou mais um filho desta acolhedora casa do saber que é a nossa PUC-P. Viva a nossa comunidade acadêmica!

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Grande milagre, ó Asclepio, é o homem. Hermes Trimegisto

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Por expressa disposição normativa prevista na Constituição Federal de 1988, o Estado deve promover e incentivar a inovação nas empresas. A ação estatal neste processo configura intervenção do Estado no domínio econômico, por indução, mediante o uso dos instrumentos jurídicos específicos de apoio e estímulo à inovação previstos em lei. Essa ação estatal, de caráter excepcional, deve ser sempre direcionada para o alcance de certos objetivos fundamentais devidamente inscritos no próprio ordenamento jurídico. No tocante ao desenvolvimento científico, tecnológico e inovação há norma constitucional determinando que a lei apoiará e estimulará as empresas que invistam em pesquisa, criação de tecnologia adequada ao país, formação e aperfeiçoamento de recursos humanos e que pratiquem sistemas de remuneração que permitam o compartilhamento dos ganhos econômicos resultantes da produtividade dos empregados envolvidos no processo de inovação. Portanto, a fruição pelas empresas dos estímulos legalmente previstos à inovação implica constituição de direito de participação dos empregados nos frutos da inovação, o que deve ser feito mediante pagamento de participação por produtividade em inovação (PPI). Os pagamentos feitos a esse título terão tratamento fiscal e previdenciário favorecido, nos termos da lei.

Palavras-chave: inovação, intervenção do Estado no domínio econômico, participação dos empregados, prêmio por produtividade.

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Due to a specific normative provision stipulated by the 1988 Federal Constitution, it is incumbent on the State to foster the promotion and encouragement of innovation in the companies. The state action in this procedure is tantamount to State intervention in the economic domain, through induction, through the use of tools that stimulate company innovation. This intervention must be of an exceptional character and always directed to reaching certain fundamental goals duly stipulated in the legal system. As for the scientific, technological and innovative development, there is also a constitutional norm stipulating that the legislation shall support and stimulate companies that invest in research, in the creation of a technology appropriate to the country and in the training and improvement of human resources, and that they set in place remuneration systems allowing the sharing of economic gains resulting from employees´ productivity who is working in the area. Therefore, as legally stipulated, the sharing of incentives to innovation by companies necessarily depends on establishing the participation of employees in the profits deriving from such innovation, which must be done by means of payment of innovation productivity premium (IPP). Payments to employees made as a result of this participation shall deserve a favorable treatment by the tax and social welfare systems, according to the legislation.

Keywords: innovation, state intervention in the economic domain, employee participation, productivity premium.

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ABDI Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial

BNDES Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social

CESCR Committee on Economic, Social and Cultural Rights

CF/88 Constituição Federal de 1988

CIDE Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico

CLT Consolidação das Leis do Trabalho

COFINS Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social

COSIT Coordenação-Geral de Tributação

CPEIS Centros de Pesquisa e de Inovação de Empresas

CSLL Contribuição Social sobre o Lucro Líquido

CT&I Ciência, Tecnologia e Inovação

CVM Comissão de Valores Mobiliários

DUDH Declaração Universal dos Direitos Humanos

EC 85/15 Emenda Constitucional n. 85

ECOSOC Economic and Social Council

ENCTI Estratégia Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação

FINEP Financiadora de Estudos e Projetos

FIP Fundos de Investimento em Participações

FNDCT Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico FUNTTEL Fundo para o Desenvolvimento Tecnológico das Telecomunicações

HRC Human Rights Council

ICT Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação

IES Instituição de Ensino Superior

IFES Instituições Federais de Ensino Superior

ILO International Labor Organization

INPI Indicadores de Propriedade Industrial

INSS Instituto Nacional do Seguro Social

IPI Imposto sobre Produtos Industrializados

IR Imposto de Renda

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MP Medida Provisória

NCM Nomenclatura Comum do Mercosul

OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OECD Organization for Economic Co-operation and Development

OIT Organização Internacional do Trabalho

OMPI Organização Mundial da Propriedade Industrial

ONU Organização das Nações Unidas

P&D Pesquisa e Desenvolvimento

PADIS Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores

PDTA Programas de Desenvolvimento Tecnológico Agropecuário

PDTI Programas de Desenvolvimento Tecnológico Industrial

PEC Projeto de Emenda à Constituição

PEI Plano Estratégico de Inovação

PGNU Pacto Global das Nações Unidas

PIDCP Pacto de Direitos Civis e Políticos

PIDESC Pacto de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais

PIDH Pactos Internacionais sobre Direitos Humanos

PIS/PASEP Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público

PLR Participação nos Lucros e Resultados

PNUD Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento

PPB Processo Produtivo Básico

PPI Participação por Produtividade em Inovação

RECAP Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras

SNCTI Sistema Nacional de Ciência, Tecnologia e Inovação

STF Supremo Tribunal Federal

SUDAM Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia

SUDENE Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste

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UNDP United Nations Development Programme

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INTRODUÇÃO ... 15

PARTE I – O TRABALHO, A INOVAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL ... 19

1 O SER HUMANO E O PROCESSO DE INOVAÇÃO ... 19

1.1 O ESPÍRITO INVENTIVO E O VALOR DO CAPITAL INTELECTUAL ... 19

1.2 O CRITÉRIO JURÍDICO DE APROPRIAÇÃO DO ESPÍRITO INVENTIVO ... 29

1.3 AS FORMAS DE PARTICIPAÇÃO DO SER HUMANO NO PROCESSO DE INOVAÇÃO ... 41

1.3.1 Como pesquisador público ... 41

1.3.2 Como inventor independente ... 46

1.3.3 Como pesquisador-empregado... 47

2 A CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO FEDERAL ... 51

2.1 O PRIMADO DO TRABALHO COMO BASE DA ORDEM SOCIAL CONSTITUCIONAL ... 51

2.2 A REGRA-MATRIZ DA CIÊNCIA, TECNOLOGIA E INOVAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DE 1988 ... 62

2.2.1 Breve histórico sobre o tema Ciência nas Constituições brasileiras ... 63

2.2.2 A Ciência, Tecnologia e Inovação na Constituição Federal de 1988 ... 67

2.2.3 A norma jurídica sobre a participação dos empregados nos ganhos econômicos da inovação ... 75

PARTE II – OS PESQUISADORES-EMPREGADOS, AS EMPRESAS INOVADORAS E O ESTADO ... 83

3 OS INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE APOIO E ESTIMULO À INOVAÇÃO NAS EMPRESAS ... 83

3.1 A INTERVENÇÃO INDIRETA DO ESTADO NO DOMÍNIO ECONÔMICO ... 83

3.2 OS INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE APOIO E ESTÍMULO À INOVAÇÃO NAS EMPRESAS ... 95

3.2.1 Os incentivos fiscais ... 101

3.2.2 A subvenção econômica, o bônus tecnológico e o financiamento ... 108

3.2.3 A participação societária e os fundos de investimentos e de participação ... 113

3.2.4 O uso do poder de compra do Estado e a encomenda tecnológica ... 116

4 A PARTICIPAÇÃO DOS PESQUISADORES-EMPREGADOS POR PRODUTIVIDADE EM INOVAÇÃO ... 119

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4.1.1 A participação dos empregados nos lucros e resultados ... 125

4.1.2 O prêmio por produtividade ... 134

4.2 A PARTICIPAÇÃO POR PRODUTIVIDADE EM INOVAÇÃO (PPI) ... 139

4.2.1 As formas de negociação e celebração da PPI ... 140

4.2.2 A obrigatoriedade de implementação da PPI pelas empresas inovadoras ... 143

CONCLUSÃO ... 147

REFERÊNCIAS ... 150

ANEXO – PROPOSTA DE PROJETO DE ALTERAÇÃO DA LEI FEDERAL N. 10.101/2000 ... 163

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INTRODUÇÃO

A evolução do ser humano é meta universal. Desde os mais longínquos primórdios, o ser humano vem enfrentando múltiplas dificuldades e desafios nesse processo. Com o passar do tempo, milênios, o ser humano dominou aspectos da natureza e técnicas específicas, motivado por seu forte instinto de sobrevivência. A partir dos recursos naturais disponíveis e da criatividade inata, o atual estágio de evolução científica e tecnológica se fez possível ao longo do processo histórico.

A fonte primordial da evolução é a ideia humana. Transformada em pensamento e, a partir dele, pode-se concretizar no Planeta Terra aquilo que o homem tinha antes apenas no nível mental. Tudo que existe no plano terrestre um dia esteve no plano mental de alguém, na forma de ideia, exceto o próprio homem e os bens da natureza.

A invenção da roda, do tear, do motor a vapor, do automóvel, do avião, do computador e igualmente do complexo e moderno acelerador de partículas CERN1, instalado próximo à Genebra e que tem trazido à tona novos conhecimentos da matéria, energia e do Universo, além de tudo o mais que existe na Terra, sempre respeitou essa regra absoluta.

Ou seja, o espírito inventivo do homem tem criado todas as coisas que existem nesta dimensão terrena, à exceção dele próprio e da natureza, cuja responsabilidade pela criação supera os limites específicos deste trabalho de pesquisa, porque então estar-se-ia adentrando ao plano metafísico da própria origem do homem e do Universo.

Aqui, no Planeta Terra, com a capacidade de ter ideias de forma consciente, o homem usa sua energia para a concretização de seus pensamentos. Nas palavras objetivas de Goffredo Telles Junior, “energia é o poder de efetuar trabalho.”2

1 Têm-se que: “At CERN, the European Organization for Nuclear Research, physicists and engineers are probing

the fundamental structure of the universe. They use the world's largest and most complex scientific instruments to study the basic constituents of matter – the fundamental particles. The particles are made to collide together at close to the speed of light. The process gives the physicists clues about how the particles interact, and provides insights into the fundamental laws of nature. The instruments used at CERN are purpose-built particle accelerators and detectors. Accelerators boost beams of particles to high energies before the beams are made to collide with each other or with stationary targets. Detectors observe and record the results of these collisions. Founded in 1954, the CERN laboratory sits astride the Franco-Swiss border near Geneva. It was one of Europe's first joint ventures and now has 22 member states.” Disponível em: <https://home.cern/about>. Acesso em: 25 set. 2017.

2 TELLES JUNIOR, Goffredo. Direito quântico: ensaios sobre o fundamento da ordem jurídica. 8. ed., rev. São

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Portanto, a ideia e a energia humanas são os elementos imprescindíveis a qualquer evolução que se possa imaginar neste processo de inovação, o que será abordado no Capítulo 1, a partir da verificação do critério jurídico de apropriação do espírito inventivo na legislação brasileira acerca da propriedade imaterial e das formas pelas quais o ser humano pode atuar neste processo, ou seja, vinculando-se ao Estado, às empresas ou trabalhando de forma independente.

No plano jurídico, o valor social do trabalho humano foi elevado ao patamar de fundamentos da República Federativa do Brasil, configurando também, o trabalho, como a base da Ordem Social brasileira. Nesse cenário, no qual devem ser prestigiados esses princípios constitucionais, e tendo a República brasileira como um de seus objetivos o desenvolvimento nacional, a Constituição Federal de 5 de outubro de 1988 (CF/88) prestigia o regime capitalista de mercado, notadamente ao garantir como direitos individuais a propriedade e o direito de herança.

Coloca-se, então, como ponto central da pesquisa a regra-matriz da Ciência, Tecnologia e Inovação (CT&I) na CF/88, qual seja, a norma jurídica que se extrai dos artigos 218 e 219 da Carta Política, alterado pela Emenda Constitucional n. 85 de 26 de fevereiro de 2015. Neste ponto, a CF/88 impõe ao Estado uma série de obrigações no sentido de promover e incentivar o desenvolvimento científico, a pesquisa, a capacitação científica e tecnológica e a inovação. Esses aspectos serão abordados no Capítulo 2, inclusive para se extrair a norma jurídica específica do § 4º do artigo 218 da CF/88 que trata da participação dos empregados por produtividade de seu trabalho em atividades de inovação.

O papel do Estado no processo de apoiar e estimular as empresas que invistam no desenvolvimento científico e tecnológico passa a ser de relevância ímpar neste cenário, com o uso dos instrumentos de apoio e estímulo previstos na legislação. No Capítulo 3, serão apreciados esses instrumentos de ação do Estado no domínio econômico, especificamente em favor das empresas inovadoras.

Ao normatizar e regular a atividade econômica nesta matéria, então, ganha relevância a referida norma jurídica sobre a participação dos pesquisadores-empregados por produtividade em inovação, ao indicar expressamente o texto constitucional a prática pelas empresas inovadoras de sistemas de remuneração que assegurem ao empregado, desvinculada do salário, participação nos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho.

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Surge, nesse ponto, a indagação secundária da pesquisa: é possível compatibilizar o exercício do direito de propriedade imaterial, assegurado no regime capitalista ao empregador, a partir do critério de apropriação do conhecimento humano na legislação sobre a matéria, com o estabelecimento de sistemas de remuneração que assegurem ao empregado participação nos ganhos econômicos derivados do processo de inovação? E, então, a indagação principal da pesquisa, qual seja, seria o estabelecimento desses sistemas de remuneração obrigatório para as empresas que usufruam dos estímulos à inovação concedidos pelo Estado?

Por fim, a partir das respostas às perguntas formuladas, será analisada a estrutura jurídica desses sistemas de remuneração para tentar se depreender qual seria a forma de estabelecimento, negociação e celebração dessas participações, utilizando-se para tanto as estruturas da participação nos lucros e resultados nas empresas prevista na CF/88 e na Lei n. 10.101/2000 e o prêmio por produtividade, previsto recentemente na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) de forma expressa.

Essas questões serão abordadas no Capítulo 4 deste trabalho, com a apresentação, ao final, de uma proposta de Projeto de Lei para alteração da Lei Federal n. 10.101/2000, que consta no Anexo desta Tese.

Com o objetivo de desenvolver essa pesquisa nos limites da prática científica e que possa abordar diretamente a problemática e fornecer respostas satisfatórias às perguntas formuladas acima, adotaremos os seguintes métodos:

a) Método dialético: analisaremos as posições da doutrina que se apresentem de forma divergente e, eventualmente, contrárias quanto ao critério jurídico de apropriação do espírito inventivo para definir quem é o titular dos direitos sobre a propriedade imaterial constituída pela conjugação da força de trabalho e do capital investido pela empresa;

b) Método de comparação: análise dos institutos jurídicos da participação dos empregados nos lucros e resultados nas empresas, previsto na Lei n. 10/101/2000, e do prêmio por produtividade estabelecido na CLT para se verificar, comparativamente, a partir da norma jurídica prevista no § 4º do artigo 218 da CF/88, quais desses institutos melhor se adequaria no tocante à participação prevista no dispositivo constitucional ou, porventura, se se trata de instituto sui generis;

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d) Método indutivo: após o estabelecimento do papel das normas que estabelecem a ação do Estado no domínio econômico, com a verificação das modalidades de intervenção indireta do Estado no domínio econômico para apoiar e estimular o desenvolvimento científico e tecnológico e a inovação nas empresas, deseja-se fundamentar e confirmar a tese de que os pesquisadores-empregados devem receber participação por produtividade em inovação das empresas que gozam dos instrumentos de apoio e estímulo à inovação, sendo esta forma de participação específica e disposta na regra-matriz da CT&I da CF/88.

Vale dizer que as lições de Boaventura de Souza Santos não serão esquecidas em relação à necessidade de se dar respostas às perguntas simples em relação à inovação tecnológica e à vida dos seres humanos em geral; e, neste trabalho, dos pesquisadores-empregados que trabalham para empresas inovadoras que usufruem incentivos concedidos pelo Estado.3

3 SANTOS, Boaventura de Sousa. A crítica da razão indolente: contra o desperdício da experiência. 8. ed. São

Paulo: Cortez, 2011, p. 59-60. Segundo o doutrinador: “Tal como noutros períodos de transição, difíceis de entender e de percorrer, é necessário voltar às coisas simples, à capacidade de formular perguntas simples, perguntas que, como Einstein costumava dizer, só uma criança pode fazer mais que, depois de feitas, são capazes de trazer uma luz nova à nossa perplexidade. A minha criança preferida viveu há mais de duzentos anos e fez algumas perguntas simples sobre as ciências e os cientistas. Fê-las no início de um ciclo de produção científica que muitos de nós julgam estar agora a chegar ao fim. Essa criança é Jean-Jacques Rousseau. No seu célebre Discurso sobre as Ciências e as Artes (1750), Rousseau formula várias questões enquanto responde à questão, também razoavelmente infantil, que lhe fora posta pela Academia de Dijon (Rousseau, 1971: 52). Esta última questão rezava assim: o progresso das ciências e das artes contribuirá para purificar ou para corromper os nossos costumes? Trata-se de uma pergunta elementar, ao mesmo tempo profunda e fácil de entender. Para lhe dar resposta - de modo eloquente que lhe mereceu o primeiro prêmio e algumas inimizades - Rousseau fez as seguintes perguntas não menos elementares: há alguma relação entre a ciência e a virtude? Há alguma razão de peso para substituirmos o conhecimento vulgar que temos da natureza e da vida e que partilhamos com os homens e mulheres da nossa sociedade pelo conhecimento científico produzido por poucos e inacessível à maioria? Contribuirá a ciência para diminuir o fosso crescente na nossa sociedade entre o que se é e o que se aparenta ser, o saber dizer e o saber fazer, entre a teoria e a prática? Perguntas simples a que Rousseau responde, de modo igualmente simples, com um redondo não. [...] Daí também a ideia, hoje partilhada por muitos, de estarmos numa fase de transição. Daí, finalmente, a urgência de dar resposta a perguntas simples, elementares, inteligíveis. Uma pergunta elementar é uma pergunta que atinge o magma mais profundo da nossa perplexidade individual e colectiva com a transparência técnica de uma fisga. Foram assim as perguntas de Rousseau; terão de ser assim as nossas. Mais do que isso, duzentos e tal anos depois, as nossas perguntas continuam a ser as de Rousseau.”

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PARTE I – O TRABALHO, A INOVAÇÃO E A CONSTITUIÇÃO FEDERAL

1 O SER HUMANO E O PROCESSO DE INOVAÇÃO

1.1 O ESPÍRITO INVENTIVO E O VALOR DO CAPITAL INTELECTUAL

A participação do ser humano em todo processo de desenvolvimento científico, tecnológico e inovação é fundamental. Ainda não se alcançou um dado patamar de evolução tecnológica que permita o avanço da ciência pela atuação isolada e independente da própria criação tecnológica, seja na área da robótica, da nanotecnologia ou da computação. Exceto em filmes de ficção científica, as máquinas ainda não conseguem desenvolver novas tecnologias de forma independente. A condução e supervisão humana se faz necessária, ao menos, por enquanto.

É evidente que muitas partes do processo de inovação dependem da ajuda de ferramentas tecnológicas já desenvolvidas, especialmente da computação. Mas é o ser humano quem comanda esse processo. A geração de novas ideias a partir da curiosidade, criatividade e imaginação do homem e sua dedicação ao observar a natureza têm permitido a própria evolução da ciência e da tecnologia. A ação experimental conjugada com a reflexão abstrata, com destaque para a matemática, tem contribuído para a evolução das ciências em geral ao longo dos séculos.

A teoria da gravitação universal desenvolvida por Isaac Newton, por exemplo, jamais teria sido desenvolvida se o notável cientista não dispusesse de alta dose de criatividade e imaginação4. Em certo sentido também Newton contava com um pensamento fantasioso para

4 David Bohm, físico americano da Universidade da Califórnia e da Universidade de Princeton, consigna que “o

movimento de percepção pelo qual Newton compreendeu que a Lua estava caindo, mesmo que nunca atingisse a Terra, foi diferente, evidentemente, do processo comum de pensamento discursivo no qual um passo se segue a outro de maneira lógica, durante um período. Foi um exemplo extremo de algo que todos experimentam quando estão pensando sobre um problema que contém muitos fatores contraditórios ou confusos. De repente, em um momento de compreensão que não envolve tempo, uma nova totalidade surge na mente, e a contradição e a confusão desaparecem. Essa totalidade é, a princípio, implícita (isto é, desdobrada) em alguma imagem mental que, por assim dizer, contém as principais características da nova percepção propagadas em face de nossas visões mentais. A percepção que envolve essa demonstração inseparável do ato da percepção mais importante em si é o

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estabelecer uma primeira hipótese a ser testada, qual seja: a Lua também cai em direção ao centro da Terra como todos os outros objetos terrenos?

Pergunta que se mostrou fundamental. O desenvolvimento dessa hipótese por Newton, à primeira vista absurda, até as conclusões mais profundas que permitiram a apresentação da teoria da gravitação universal, dependeram da percepção imaginativa ou, em outras palavras, da imaginação criativa que é própria e exclusiva do ser humano. Nesse exemplo abordado, a imaginação criativa representa algo até anterior ao próprio espírito inventivo, porque este se expressa na criação de algo concretamente útil. O pensamento de Newton não tinha, num primeiro momento, aplicação prática nenhuma: consistia na capacidade do homem de ter ideias especulativas em estado puro, no uso exclusivo da razão humana.

A importância dessa capacidade humana de extrapolar o pensamento básico, para o desenrolar da própria história do Homem na Terra, foi indicada de forma clara por Immanuel Kant, em passagem que não se pode evitar em trabalhos sobre o tema, quando o filósofo vaticinou que:

[...] enquanto o homem inexperiente obedecia à voz da natureza, encontrava-se bem. Mas logo a razão começa a instigá-lo e estabelece um paralelo entre o que ele havia consumido e os dados de outro sentido independente do instinto, a visão talvez, desencadeando uma analogia entre esses dados e as impressões anteriores; ela buscará estender seus conhecimentos relativos aos alimentos além dos limites do instinto (Gênesis, 3:6). Eventualmente, essa tentativa poderia ter sido bastante bem-sucedida, mesmo sem o instinto, à condição de não tê-lo contrariado. No entanto, resulta ser uma qualidade

da razão poder, com ajuda da imaginação, provocar, de modo artificial, novos desejos que, além de não se fundarem numa necessidade natural, estão com ela em contraste direto; desejos que, se no princípio merecem o

nome de concupiscência, pouco a pouco se convertem num enxame de inclinações supérfluas, e mesmo antinaturais, que recebe o nome de voluptuosidade. A ocasião de abandonar o impulso natural pode ser apenas insignificante; porém, o êxito das primeiras tentativas, o fato de ter-se dado

conta de que sua razão (VIII, 112) tinha a faculdade de transpor os limites em que são mantidos todos os animais, foi muito importante, e, para o modo de vida, decisivo.5

que pode ser chamado de percepção imaginativa (ou imaginação criativa). Tal demonstração exerce um papel necessário, pois, com sua ajuda, a mente pode apreender o significado do que foi criado em um momento de entendimento. A partir dessa apreensão, a mente pode continuar a pensar e racionalizar a respeito das consequências decorrentes de tal nova percepção (BOHM, David. Sobre a criatividade. São Paulo: Unesp, 2011, p. 51).”

5 KANT, Immanuel. Começo conjectural da história humana. Trad. Edmilson Menezes. São Paulo: Unesp, 2010,

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Essa imaginação inspiradora que permite ao homem transpor os limites dos demais animais decorre da capacidade exclusivamente humana de se ter ideias de modo consciente. Contudo, essa capacidade humana não é igual para todos, por evidente, expressando categoricamente a multiplicidade e as diferenças entre os homens. É comum, por exemplo, uma dada situação no mundo da natureza não ser percebida por certo cientista e, desta feita, não acarretar ideia alguma acerca daquela situação específica. Todavia, na mente de outra pessoa, usando sua capacidade inventiva e criatividade próprias, aquela situação da natureza desperta uma forma exclusiva de pensar que, ao final, gera uma hipótese suficientemente complexa e uma conclusão muitas vezes inovadora.

Reside aí uma potencial inovação na forma de pensar sobre certo aspecto da natureza que poderá se tornar uma inovação derivada, única e exclusivamente, da ideia humana. Um exemplo salutar com relação ao tema é encontrado na história de Galileu Galilei, conforme explicado por Thomas S. Kuhn, que o fez nas seguintes palavras:

Desde a Antiguidade remota muitas pessoas haviam visto um ou outro objeto pesado oscilando de um lado para outro em uma corda ou corrente até chegar ao estado de repouso. Para os aristotélicos – que acreditavam que um corpo pesado é movido pela sua própria natureza de uma posição mais elevada para um mais baixa, onde alcança um estado de repouso natural – o corpo oscilante estava simplesmente caindo com dificuldade. Preso pela corrente, somente poderia alcançar o repouso no ponto mais baixo de sua oscilação após um movimento tortuoso e um tempo considerável. Galileu, por outro lado, ao olhar o corpo oscilante viu um pêndulo, um corpo que por pouco não conseguia repetir indefinidamente o mesmo movimento. Tendo visto este tanto, Galileu observou ao mesmo tempo outras propriedades do pêndulo e construiu muitas das partes mais significativas e originais de sua nova dinâmica a partir delas. Por exemplo, derivou das propriedades do pêndulo seus únicos argumentos sólidos e completos a favor da independência do peso com relação à velocidade da queda, bem como a favor da relação entre o peso vertical e a velocidade final dos movimentos descendentes nos planos inclinados. Galileu viu todos esses fenômenos naturais de uma maneira diferente daquela pela qual tinham sido vistos anteriormente.6

Resta demonstrada, dessa forma, que a diversidade humana é responsável pela tomada consciente de diferentes ideias a partir dos mesmos fenômenos naturais, mas que, independentemente de quem tenha sido o responsável pela própria ideia, é ela e sempre ela o elemento original indispensável à evolução das ciências básicas ou aplicadas.

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Essa capacidade de se ter ideias de forma consciente e reflexiva para aplicação na solução de algum aspecto da vida cotidiana denomina-se espírito inventivo. Não se poderia imaginar a evolução paulatina da ciência no decorrer dos milênios sem esse espírito inventivo, usado normalmente com objetivo de proteção, sobrevivência e melhoria da vida humana nesse planeta.7

Se, por um lado, a diversidade humana induz uma multiplicidade de ideias, enriquecendo todo o processo de desenvolvimento humano, por outro, não se pode olvidar que essa capacidade exclusivamente da espécie tenha sido utilizada em múltiplos fins. Isto é, tanto na melhoria da condição humana no planeta quanto para a tentativa de sua total destruição.

A Primeira e a Segunda Guerra Mundial representam tristes exemplos da aplicação concentrada da percepção imaginativa do homem em prol do desenvolvimento científico aplicado à criação e ao aperfeiçoamento de armas, de uso pessoal ou de destruição em massa. O exemplo infeliz do desenvolvimento da bomba atômica é ilustrativo ao demonstrar a capacidade imaginativa humana e sua mortal aplicação.8

Aliás, nada mais atual e triste do que a ameaça atômica, em meados de 2017, advinda do ditador da Coreia do Norte e respondida pelo atual presidente dos Estados Unidos da

7 Segundo já tive a oportunidade de consignar, o espírito inventivo foi fundamental porque “o desenvolvimento

das formas rudimentares de ferramentas e armas para caça e proteção, o domínio completo sobre o fogo, a invenção da roda e, séculos depois, da roca e do tear manual, da locomotiva à vapor e da estrada de ferro são exemplos de aplicação prática deste espírito inventivo na defesa da própria sobrevivência e da melhoria das condições de vida na Terra (além, é claro, da busca incessante pelo lucro, que será abordado a seguir), processo que foi fortalecido pelo desenvolvimento intelectual teórico decorrente das obras clássicas dos autores acima mencionados (SILVA, Thiago de Carvalho e Silva e. A Inovação tecnológica no ambiente de trabalho: o critério jurídico de apropriação

do conhecimento humano. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2015.).”

8 Tratando Yuval Noah Harari acerca do desenvolvimento do homem no planeta, consignou severamente a respeito

da aplicação da ciência nas guerras: “Quando a Primeira Guerra Mundial se transformou em uma guerra de trincheiras interminável, ambos os lados convocaram cientistas para sair do impasse e salvar a nação. Os homens de branco atenderam o chamado, e dos laboratórios saiu um fluxo constante de novas superarmas: aeronaves de combate, gás venenoso, tanques, submarinos, metralhadoras, peças de artilharia, rifles e bombas cada vez mais eficazes. A ciência exerceu papel ainda maior na Segunda Guerra Mundial. No fim de 1944, a Alemanha estava perdendo a guerra, e a derrota era iminente. Um ano antes, os italianos, aliados da Alemanha, haviam derrubado Mussolini e se rendido aos Aliados. Mas a Alemanha continuou lutando, embora os exércitos britânicos, norte-americano e soviético estivessem se aproximando. Uma razão pela qual os soldados e civis alemães acharam que nem tudo estava perdido é que eles acreditaram que os cientistas alemães estavam prestes a virar o jogo com as chamadas armas milagrosas, como o foguete V2 e o avião a jato. Enquanto os alemães estavam trabalhando em foguetes e jatos, nos Estados Unidos o Projeto Manhattan conseguiu desenvolver bombas atômicas. Quando a bomba ficou pronta, no início de agosto de 1945, a Alemanha já havia se rendido, mas o Japão continuava lutando. As forças norte-americanas estavam prontas para invadir suas ilhas. Os japoneses juravam resistir à invasão e lutar até a morte, e havia todas as razões para acreditar que essa não era uma ameaça vazia. Os generais norte-americanos disseram ao presidente Harry S. Truman que uma invasão ao Japão custaria a vida de 1 milhão de soldados norte-americanos e estenderia a guerra pelo menos até 1946. Truman decidiu usar a nova bomba. Duas semanas e duas bombas atômicas depois, o Japão se rendeu incondicionalmente, e a guerra chegou ao fim (HARARI, Yuval Noah.

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América. É interessante notar, neste ponto, como as questões política e científica sempre estiveram intimamente ligadas nos últimos 100 anos.

E, justamente por esse motivo, a questão da ciência merece orientação e direcionamento estatal, pelos estímulos que serão mencionados nesta Tese, mas sempre com constante e sistemática fiscalização dos objetivos das partes envolvidas e respeito absoluto à dignidade de todos os seres humanos, sob risco de que os resultados da ciência saiam do controle e caminhem em direção contrária à preservação da espécie humana no Planeta, como bem indicou, em artigo específico sobre o tema, Eric Hobsbawm.9

No entanto, de outra banda, não podem ser esquecidos os exemplos nos quais uma ideia humana, até singela a alguns, produz efeitos tão abrangentes e notáveis na reafirmação da esperança do homem no próprio homem. Por exemplo, o discurso da pequena Malala Yousafzai na Organização das Nações Unidas (ONU) em prol da não violência e do direito à educação para todos e, em especial, às mulheres. As ideias da pequena Malala, compartilhadas por milhões ao redor do mundo, contagiam a todos.10

Essa polarização quanto ao uso das ideias humanas tem origem na premissa de que o próprio homem não dispõe de conhecimento absoluto a respeito de todas as coisas, mesmo em seu atual estado evolutivo no Planeta Terra. Ou seja, é a ignorância sobre muitos aspectos da vivência humana no planeta que tem impulsionado o próprio progresso científico. Esse aspecto peculiar ao desenvolvimento humano – qual seja, a sua própria ignorância –, figurou no marco da Revolução Científica, conforme bem indicado por Yuval Noah Harari:

[...] a hipótese de que o padre local ou algum clérigo mais versado nas sagradas escrituras poderiam responder a todas as perguntas foi sendo deixada de lado

9 Como bem indicado por Hobsbawm, que, ao comentar a respeito da ciência e sua função social, disse: “a Segunda

Guerra Mundial fundiu decisões políticas e científicas e transformou ficção científica em realidade, por vezes em realidade de pesadelo. A bomba atômica foi a aplicação social de um julgamento político contra Hitler feito em 1939 pelos mais puros teóricos e experimentadores nucleares. O conflito não apenas justificou as previsões de Bernal sobre a necessidade de uma “grande ciência” planejada que lhe permitisse penetrar em novos domínios de compreensão e utilidade social, mas ele também teria de concretizá-los. Não havia outra maneira de construir uma arma nuclear. A guerra e só a guerra daria à ciência e à tecnologia – nuclear, espacial, gerada por computador – os recursos e a estrutura de apoio que propeliram as duas disciplinas para a segunda metade do século. E, como pôs novos e ilimitadores poderes em mãos humanas, a guerra fugiu de controle e inverteu a relação entre feiticeiro e aprendiz. Os feiticeiros, que tinham criado esses poderes, conscientes do perigo, viram-se impotentes diante dos aprendizes que justificavam seu uso, e sentiam prazer e orgulho nisso. Os fabricantes da bomba passaram a fazer campanha antinuclear e, na Guerra Fria, tornaram-se motivo de suspeita e desdém dos usuários da bomba (HOBSBAWM, Eric. Tempos fraturados. Cultura e sociedade no século XX. 1. ed. São Paulo: Companhia das letras, 2013, p. 211).”

10 Disponível em: <http://www.un.org/News/dh/infocus/malala_speach.pdf>. Acesso em: 02 nov. 2017. Em vídeo

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por parte substancial da população, com o passar do tempo. Admitir que as respostas para todas as perguntas fundamentais não estão todas escritas nos livros sagrados das religiões ao redor do mundo foi o aspecto principal da Revolução Científica, ao ter o homem constatado que não tem disponível todas as respostas e que precisaria, então, observar os fenômenos naturais com critérios determinados.11

Assim, essa dose de ignorância, atrelada à curiosidade inata do homem por encontrar respostas às perguntas fundamentais, além da adoção de métodos de pesquisa, permitiu a evolução científica até nossos dias, mas sempre a partir da inspiração genuinamente humana. Logo, o acúmulo sistemático de conhecimento pelo homem permitiu um salto de qualidade no desenvolvimento tecnológico.

E esse trabalho evolutivo intencional remonta a um passado muito distante. O homem transforma e adapta o seu habitat há milhares de anos atendendo ao seu próprio interesse em suprir suas necessidades vitais.12 Atua o homem dessa mesma forma quando direciona e amadurece algumas de suas próprias reflexões mentais, as quais, posteriormente, acarretam evolução de técnicas, ofícios ou a criação efetiva de uma nova tecnologia.

Partindo-se da premissa de que o desenvolvimento das ciências é parte do processo de evolução integral do próprio homem, torna-se claro que este progresso não poderia mesmo ser constante, duradouro e linear. É notório que o desenvolvimento humano tem contado com reveses e percalços de toda ordem, merecendo constante reflexão acerca dos objetivos e limites.

11 HARARI, Yuval Noah. Sapiens. 2017, p. 261.

12 ROBERTS, Patrick (Coord). The deep human prehistory of global tropical forests and its relevance for modern

conservation. Nature Plants, 3, 17093, 2017. Disponível em: <http://www.readcube.com/articles/10.1038/nplants.2017.93?no_publisher_access=1&r3_referer=nature&referr er_host=www.nature.com>. Acesso em: 3 set. 2017. Em recente pesquisa realizada sob a coordenação de Patrick Roberts, do Max Planck Institute for the Science of Human History, da Alemanha, com participação de outros pesquisadores da Liverpool John Moores University, University College London e École Française d’Extrême-Orient, de Paris, ficou comprovado que o ser humano realiza manipulação de florestas tropicais há pelo menos 45 mil anos para a promoção de culturas favoráveis à alimentação e proteção de áreas para habitação das populações, conforme exposto no artigo publicado na revista Nature Plants de agosto de 2017, a saber: “Significant human impacts on tropical forests have been considered the preserve of recent societies, linked to large-scale deforestation, extensive and intensive agriculture, resource mining, livestock grazing and urban settlement. Cumulative archaeological evidence now demonstrates, however, that Homo sapiens has actively manipulated tropical forest ecologies for at least 45,000 years. It is clear that these millennia of impacts need to be taken into account when studying and con-serving tropical forest ecosystems today. Nevertheless, archaeology has so far provided only limited practical insight into contemporary human–tropical forest interactions. Here, we review significant archaeological evidence for the impacts of past hunter-gatherers, agriculturalists and urban settlements on global tropical forests. We compare the challenges faced, as well as the solutions adopted, by these groups with those confronting present-day societies, which also rely on tropical forests for a variety of ecosystem services. We emphasize archaeology’s importance not only in promoting natural and cultural heritage in tropical forests, but also in taking an active role to inform modern conservation and policy-making.”

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Segundo alerta de Edgar Morin, não se pode negligenciar que a própria ideia de progresso é complexa e cheia de incertezas, merecendo, por isso mesmo, uma revisão.13

De qualquer forma, não obstante as críticas ao progresso e da necessidade de constante reflexão de seus limites e alcances, o fato é que os avanços nesse caminho sempre derivaram dessa atividade inventiva humana, em múltiplas formas. Independentemente da aplicação escolhida para uso da tecnologia pela humanidade em cada momento específico da história, sempre foi o espírito inventivo do homem o responsável por esta evolução.

Não há dúvidas de que a ideia humana permite ao homem ter imaginação criativa e, desta, gerar imagens mentais e concretizá-las na medida das possibilidades físicas do meio, atendendo a um desejo genuinamente humano de descobrir coisas novas em prol, inicialmente, de seu bem-estar. É o homem e apenas o homem que tem ideias e, destas, a realização de atividade inventiva indispensável à concretização de invenções, modelos de utilidade e inovação em geral.14

Logo, apenas o homem dispõe de condições, atualmente, de promover o desenvolvimento científico, tecnológico e a inovação, ainda que dependa e use, das mais variadas formas, a tecnologia já existente. E a acumulação sistemática de novas ideias e desse conhecimento humano, com o passar dos séculos, permitiu um dia a conceituação de “capital intelectual”. Isto é, a potencialidade de pessoas específicas ou de grupos de seres humanos com a finalidade de raciocinar, obter novas ideias e criar novos bens e produtos com valor de mercado a partir da capacidade inventiva desses agrupamentos.

É a somatória, por exemplo, da capacidade mental dos pesquisadores de determinada empresa que perfaz o capital intelectual dessa empresa;15 ou o conjunto de pesquisadores de

13 Edgar Morin consigna diretamente que: “no universo físico, biológico, sociológico e antropológico, há uma

problemática complexa do progresso. Complexidade significa que a ideia de progresso, aqui empregada, comporta incerteza, comporta sua negação e sua degradação potencial e, ao mesmo tempo, a luta contra essa degradação. Em outras palavras, há que fazer um progresso na ideia de progresso, que deve deixar de ser noção linear, simples, segura e irreversível para tornar-se complexa e problemática. A noção de progresso deve comportar auto-crítica e reflexividade (MORIN, Edgar. Ciência com consciência. 16. ed. Rio de Janeiro: Bertrand Brasil, 2014, p. 87).”

14 Cf.: a Lei Federal n. 9.279/1996, que regula os direitos e obrigações da Propriedade Industrial no Brasil, que

aduz em seus artigos 8, 13 e 14: “Art. 8º É patenteável a invenção que atenda aos requisitos de novidade, atividade inventiva e aplicação industrial. [...] Art. 13. A invenção é dotada de atividade inventiva sempre que, para um técnico no assunto, não decorra de maneira evidente ou óbvia do estado da técnica. [...] Art. 14. O modelo de utilidade é dotado de ato inventivo sempre que, para um técnico no assunto, não decorra de maneira comum ou vulgar do estado da técnica.”

15 Não é por outro motivo que há vários anos os principais administradores das grandes empresas já indicam a

gestão e o desenvolvimento do capital humano, juntamente com a criação de novas tecnologias, como os principais motores da própria inovação. Em entrevista realizada com altos executivos pela Fesa, 25% deles consignaram que a gestão e desenvolvimento do capital humano irá impulsionar a inovação nas empresas (VALENTE, Edson.

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certa Instituição de Ensino é que perfaz o capital intelectual dessa universidade. É óbvio que esse capital intelectual, inclusive, pode ser quantificado e, até, precificado. Mas não é disso que se deseja aqui tratar. A intenção é maior, a fim de demonstrar que há um elo universal entre todos os seres da espécie humana que reside na origem comum e na capacidade de se ter ideias próprias.

Assim, o grande capital intelectual a ser considerado deve ser aquele conjunto, uno, da potencialidade de toda a humanidade, em sua multiplicidade. É uma espécie de conscientização coletiva de que chegamos até aqui, juntos, com nossas ideias humanas. Algo como uma noção acurada de fraternidade com o próximo e com todos os outros seres humanos.

Marc Halévy van Keymeulen, doutor em ciências aplicadas e aluno do vencedor do prêmio Nobel de 1977, Ilya Prigogine, afirma, de modo inspirador, que “a ideia central nessa perspectiva de fraternidade e de amor é a comunhão viva de todos os seres vivos dentro do projeto de vida universal, cada um com sua partitura na sinfonia comum.”16

Essa imagem de que cada ser humano possui sua partitura na sinfonia comum é reveladora. Demonstra uma interdependência entre todos os seres humanos que, por vezes, permanece esquecida por aqueles que estão menos atentos. A capacidade de se ter ideias une toda a humanidade. Tal imagem faz lembrar a origem comum de tudo que há no Universo e sua ordenação, em linha com o pensamento de Goffredo Telles Junior, que aduz com maestria:

Que é, em suma, o Universo, senão a diversidade das coisas na unidade do Todo?

Etimologicamente, a palavra Universo, provida de versus unum, significa a unidade

feita com o diverso. Esta definição nominal tem a virtude de um raio de luz. Ela revela

que o Universo é diversidade, mas não apenas diversidade. Realmente, o Universo é a unidade total feita da diversidade dos seres.

Eu lembrava que o Universo tem recebido outros nomes. Os gregos o chamavam de kosmos, e os romanos, de mundu. Essas duas palavras significam ordem. De acordo com esses nomes, o Universo seria o conjunto

ordenado de todas as coisas. Isto parece significar que tanto os gregos como

os romanos queriam dizer que todas as coisas, apesar de sua essencial diversidade, se achavam sujeitas a uma ordem.

Inovação e desenvolvimento de pessoas na pauta dos CEOs. Valor Econômico. São Paulo, 20 nov. 2013. Caderno D, p. 3).

16 HALÉVY, Marc. A era do conhecimento: princípios e reflexões sobre a noética no século XXI. São Paulo:

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E é, realmente, o que acontece. Tudo é ordem no Universo. Tudo se acha disposto convenientemente para a consecução de um fim comum.17

Ora, tendo todos os homens sua responsabilidade na construção ordenada de tudo que existe no Universo e dependendo qualquer espécie de inovação do espírito inventivo do homem, a origem comum de todos nós impõe um pensamento fraterno, em especial no compartilhamento adequado dos ganhos econômicos derivados desse processo de inovação, harmonizando, ao menos no aspecto material, a distribuição equitativa dos frutos desse trabalho humano que é, essencialmente, de construção coletiva.

Essa visão humanista tem acolhida substancial no ordenamento jurídico brasileiro, como bem ministram os professores Ricardo Sayeg e Wagner Balera, no desenvolvimento do marco teórico do Capitalismo Humanista, nos seguintes termos:

Em face desse humanismo antropofilíaco culturalista, um capitalismo humanista tridimensionalista quanto aos direitos humanos de primeira, de segunda e de terceira dimensão em correspondência objetiva com a satisfatividade da dignidade de toda pessoa humana, e, portanto, proponho que seja reconhecida e promovida uma economia humanista de mercado regida juridicamente pelo Direito Econômico humano tridimensional: para, de um lado, consagrar o direito subjetivo natural de propriedade, dando vazão às características humanas primitivas do estado de natureza, porém, de outro lado, as evoluir mediante a consagração simultânea do direito subjetivo natural de fraternidade que impõe o dever jurídico de concretização dos direitos humanos em todas as suas dimensões, via de consequência, da satisfatividade do correspondente direito objetivo de dignidade de toda pessoa humana.18

A partir desses aspectos como marcos teóricos da tese estruturada a partir deste primeiro capítulo, resta, no momento subsequente, verificar como as ideias humanas estão sendo tratadas sob o prisma da apropriação desse conhecimento pela legislação nacional, ou seja, responder à pergunta: qual é o critério jurídico de apropriação do espírito inventivo do homem quando inserido em seu ambiente de trabalho?

17 TELLES JUNIOR, Goffredo. A folha dobrada: lembranças de um estudante. Rio de Janeiro: Nova Fronteira,

1999, p. 700.

18 BALERA, Wagner; SAYEG, Ricardo Hasson. O Capitalismo Humanista: Filosofia Humanista de Direito

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Desse modo, o objetivo será constatar quem é o titular do direito subjetivo natural de propriedade, no tocante aos frutos da inovação, a partir da análise das disposições legais existentes a respeito do assunto.

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1.2 O CRITÉRIO JURÍDICO DE APROPRIAÇÃO DO ESPÍRITO INVENTIVO

O processo de inovação é complexo, não linear e com múltipla aplicação prática, partindo-se de um elemento comum a todos os homens – a capacidade de se ter ideias – e percorrendo longo caminho até que algo de novo possa ser apresentado como produto ou processo novo ao mercado consumidor. A consequência desejada de se lançar um novo produto ou processo no mercado, frequentemente, não acontece, mesmo com a realização de altos investimentos na área de P&D. A atividade de inovação é de alto risco.

Há sondagens feitas sistematicamente na indústria brasileira que comprovam essa dificuldade de se lançar novos produtos e processos no mercado, independentemente do investimento em pesquisa que se tenha realizado no mesmo período. 19

É claro que a aplicação de vultosos recursos financeiros é medida indispensável para a concretização do processo de inovação. Não se pode realizar pesquisa científica, básica ou aplicada, sem o investimento constante e maciço de recursos financeiros.20 Todavia, essa dificuldade de se obter novos produtos e processos, que impõe um alto grau de incerteza no processo de inovação, é natural.

19 Cf. a Sondagem de Inovação realizada pela Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial (ABDI) em

relação ao 2º trimestre de 2017, “a proporção de empresas industriais que realizaram algum tipo de inovação tecnológica, seja em produto ou processo, internamente ou direcionado ao mercado nacional, voltou a piorar e atingiu o segundo menor nível da série histórica, iniciada em 2010. Os quesitos contínuos da Sondagem de Inovação relacionados à quantificação da atividade inovadora dão sinais de maior dificuldade das empresas em inovar em processos, mas há uma recuperação na inovação de produtos. A Tabela 3 mostra uma queda de 44,1% para 41,5% entre o 1º e o 2º trimestres de 2017, respectivamente, na proporção de empresas que afirmam ter realizado algum tipo de inovação tecnológica, internamente ou direcionada ao mercado nacional, no trimestre de referência (ABDI – Agência Brasileira de Desenvolvimento Industrial. Sondagem de Inovação. abr./maio./jun. 2º trimestre de 2017, São Paulo: ABDI; FGV. Disponível em: <http://www.abdi.com.br/Estudo/Sondagem201702TRIM.pdf>. Acesso em: 4 nov. 2017).”

20 Cf. ABDI (2º trimestre de 2017): “os gastos das empresas com P&D, após atingirem o menor nível no 1º trimestre

de 2016 (80,8 pontos), voltaram a subir no 2º trimestre de 2017 (Gráfico 12). O Indicador de Gastos com Inovação – medido pela diferença entre a proporção de respostas favoráveis (aumento de gastos com inovação) e respostas desfavoráveis (diminuição de gastos e não realização de gastos com inovação) mais 100 – subiu de 91,5 pontos no 1º trimestre de 2017 para 100,6 pontos no 2º trimestre de 2017, o maior nível desde o 3º trimestre de 2014 (108,9 pontos). O indicador, que oscila entre 0 e 200, pela primeira vez desde o 3º trimestre de 2014 passou a ter proporção de respostas favoráveis maior do que desfavoráveis, ou seja, maior número de empresas dizendo que irão aumentar seus gastos em relação às que planejam diminuir ou não realizar. A parcela das empresas que aumentaram os gastos com inovação diminuiu de 18,5% para 17,6% enquanto as que diminuíram seus dispêndios com inovação reduziram de 15,6% para 12,4%, no mesmo período. O destaque positivo ficou por conta da redução no percentual de empresas que dizem que não fizeram gastos de 11,4% no 1º trimestre de 2017 para 4,6% no 2º trimestre de 2017.”

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O ponto relevante está em que parece ser também natural imaginar que a ideia constitui algo fortuito, irrelevante, impossível de se precificar, ao passo que a produção subsequente, decorrente de alguma ideia original, consome altos recursos financeiros. Reside no foco totalmente na produção do bem e não na ideia que deu origem a todo o processo. Talvez seja por esse motivo que o critério jurídico de apropriação do conhecimento humano não esteja relacionado com o fato de se ter ideias criativas e transformadoras, mas sim com o investimento de recursos materiais na pesquisa. Em outras palavras, em regra, quem traz a ideia original a esse plano, base de toda evolução tecnológica, não se afigura como titular dos direitos ou partícipe dos frutos derivados de sua própria ideia inovadora.

A legislação vigente acerca da matéria, seja no tocante à propriedade industrial, à proteção de cultivares, softwares ou de topografia e circuitos integrados, prestigia a aplicação de recursos financeiros, em regra, como critério de apropriação da titularidade de tais bens imateriais. A propriedade sobre os recursos, informações tecnológicas, segredos industriais ou de negócios, materiais, instalações e equipamentos utilizados no processo de pesquisa figura como o elemento determinante para a apropriação do conhecimento humano como um bem, favorecendo os empregadores, por exemplo, como os efetivos titulares dos direitos sobre as invenções dos empregados. De forma simplista, talvez, pode-se dizer que quem é o dono do laboratório e dos recursos é o dono de todas as ideias ali dentro originadas.

Especificamente a respeito do tema, tratando de patentes, já tivemos a chance de consignar que:

A constituição do liame jurídico contratual, cujo objeto seja o desenvolvimento de pesquisa ou que venha a acarretar atividade inventiva ou ato inventivo, por si só e automaticamente, estabelece a titularidade da patente em favor do empregador. O mesmo acontece na hipótese de a natureza dos serviços impingirem a realização de atividade inventiva. Depreende-se, portanto, que a titularidade da patente não está relacionada diretamente com o detentor do espírito inventivo, ainda que a pessoa seja o elemento indispensável para a própria existência da atividade inventiva, dada a sua capacidade intelectual ímpar. O princípio da apropriação dos frutos do trabalho em favor do empregador, mediante contraprestação salarial, rege esta questão de forma absoluta.21

21 Complementando com o seguinte resumo a respeito do tema, ao aduzir que “é bastante clara a diretriz axiológica

inserida na norma em comento, qual seja: a proteção dos proprietários dos recursos financeiros e dos equipamentos e materiais aplicados no desenvolvimento científico, pesquisa e capacitação tecnológica, desprestigiando o detentor da capacidade mental, ímpar, que tem disposição para estabelecer uma concatenação de ideias passíveis de ser considerada atividade inventiva ou ato inventivo. Qualquer utilização de recursos materiais atrai a

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A rigor, essa apropriação integral do fruto do trabalho humano, mediante contraprestação exclusivamente salarial, nem sempre foi prestigiada na legislação sobre o tema. O art. 454 da CLT previa que as invenções do empregado derivadas de sua contribuição pessoal, com o uso dos recursos disponibilizados pelo empregador, seria propriedade comum entre o empregado e o empregador em partes iguais.

A exceção se dava quando o objeto do próprio contrato de trabalho fosse a realização de pesquisa científica. Vê-se que a CLT estabelecia um critério que prestigiava a edificação compartilhada da propriedade em matéria de inovação, aplicando o empregado sua capacidade cognitiva e inventiva e o empregador, os recursos financeiros necessários à própria inovação. Era a apropriação do espírito inventivo a partir daquilo que havia sido previsto em contrato, como se pode comparar com a contratação de alguém cujo objeto do contrato é a própria exposição física da pessoa, com o uso, evidentemente, de sua imagem. Outra situação, claro, quando o contrato não prevê esse objeto, como bem ministra Paulo Sergio João, ao consignar que

No cumprimento do contrato de trabalho, embora pareça irrelevante, cabe a distinção entre os empregados cujo objeto contratual se resume na exposição física do contratado, tal como modelos, artistas e mesmo atletas. Nestes casos a imagem é o próprio objeto do contrato, sendo possível a afirmação de que a reprodução da imagem não teria caráter invasivo da intimidade do prestador de serviços. Ao contrário, poderia ser objeto de violação contratual e ofensa ao direito de imagem caso ocorresse a omissão do contratante na divulgação na forma contratual. Seria como se fosse a negação do direito assegurado pelo contrato à divulgação da imagem. 22

Portanto, a regra prevista na CLT era de invenção mista, respeitando-se o objeto do contrato de trabalho, ou seja, salvo se o trabalho do empregado fosse especificamente a própria pesquisa científica e os recursos utilizados pertencessem ao empregador, quando, então, ter-se-ia a hipótese de invenção de serviço. Tratava-se de uma previsão equilibrada sobre o tema, ainda que o assunto sempre tenha sido complexo.

titularidade do invento ao detentor de tais recursos, quase a permitir discussão sobre ser ou não atributo pessoal o conhecimento do empregado, como se fosse objeto capaz de apreensão a própria capacidade intelectual do empregado. Esse aspecto de apropriação absoluta e total do conhecimento do empregado é destacado na parca doutrina existente sobre o tema (SILVA, Thiago de Carvalho e Silva e. A inovação tecnológica... 2015, p. 197).”

22 JOAO, Paulo Sergio. O direito de imagem e o contrato de trabalho na Lei n. 13.467/17. In: Reforma trabalhista:

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Todavia, a partir de 1945, com a edição do Decreto-lei n. 7.903, de 27 de agosto, o assunto passou a ser regido pela legislação de propriedade industrial. Ou seja, após pouco mais de dois anos de vigência da CLT, a questão da invenção desenvolvida por empregado passou a ser regida por norma específica. O art. 2 do Decreto-lei já destacava a importância do poder de criação e de invenção do indivíduo, ao dizer:

Art. 2º A proteção da propriedade industrial, em sua função econômica e jurídica, visa reconhecer e garantir os direitos daqueles que contribuem para o melhor aproveitamento e distribuição de riqueza, mantendo a lealdade de concorrência no comércio e na indústria e estimulando a iniciativa individual, o poder de criação, de organização e de invenção do indivíduo.

Não se negligencia, outrossim, que há entendimento doutrinário no sentido de que o Decreto-lei acima mencionado não poderia revogar a legislação específica com relação ao tema, veiculada na CLT.23 Todavia, o fato consiste em que o entendimento dominante se dá no sentido de que a CLT foi revogada pelo referido Decreto-lei, deixando aquele interessante e, de certa forma, moderno art. 454 da CLT, de produzir efeitos jurídicos.

De qualquer forma, é curial notar que este primeiro Código da Propriedade Industrial no Brasil trazia a questão da invenção do empregado em capítulo próprio, denominado “Da desapropriação da patente de incontrato de trabalho”. Torna-se evidente, pela nomenclatura usada pela legislação (desapropriação)24, de qual era a premissa inicial, ou seja, que a criação é originalmente de titularidade daquele que trouxe a ideia inicial para este plano, de forma que as

23 VIVEIROS, Luciano. Contraprestação salarial do empregado na invenção. São Paulo: LTr, 2010, p. 57: “é

cristalino que a legislação do trabalho já tratou do tema em seu art. 454 da CLT, revogado com o advento da lei de propriedade industrial. Mas, sabe-se que o decreto-lei que trouxe a legislação trabalhista ao mundo jurídico em 1943 por Getúlio Vargas é uma lei especial que, também, criou uma Justiça Especial e que, na lição de Miguel Reale, propulsores dos institutos jurídicos ligados à introdução ao estudo do Direito, enfim, das obras-primas que recheiam nossas bibliotecas, uma lei geral não é capaz de revogar uma lei especial. Se tivermos a lei de propriedade industrial como uma lei de caráter geral e, sem sombra de dúvida, é – por outro lado – temos a Consolidação das Leis do Trabalho como lei especial, que é. Se a “revogada” CLT antes asseverava prerrogativas ao empregado inventor, por que a legislação “atual” de propriedade industrial haveria por revogá-la? Esta será uma pergunta que não se calará por muitos e muitos anos, mas que antemão já nos causa espécie e, de qualquer sorte, incompreensão pela capacidade de “furtar” direitos antes adquiridos em troca de proteções a produtos e objetos em detrimento da capacidade humana. Quem vale mais, o homem ou sua criação? Criador ou criatura?”

24 CRETELLA JR, José. Tratado Geral da Desapropriação. Rio de Janeiro: Forense, 1980, v. I, p. 11. Quanto ao

instituto da desapropriação, o autor ministra que a “desapropriação é o procedimento complexo de direito público, pelo qual a Administração, fundamentada na necessidade pública, na utilidade pública ou no interesse social, obriga o titular de bem, móvel ou imóvel, a desfazer-se desse bem, mediante justa indenização paga ao proprietário.”

(33)

apropriações subsequentes são todas derivadas de ficções jurídicas impostas pela lei em decorrência de questões econômicas e capacidade de exploração útil daquela ideia original.

A linguagem tratava de desapropriação, em verdade, de uma patente originada pela ideia do empregado. É também reveladora essa estrutura de linguagem. Não há dúvida de que a base subjacente a esses dispositivos legais reside no entendimento de que a ideia era do homem e, portanto, ele era detentor originário da titularidade sobre o invento.

O Decreto-lei n. 7.903/45 previa regramento semelhante, no art. 65, a respeito da invenção mista que a CLT trazia no art. 454, porém acrescentou a questão da “adjudicação” em favor do empregador em caso de controvérsia entre as partes sobre a exploração da patente, mediante indenização ao empregado. O uso da nomenclatura “adjudicação” também diz muito com relação ao tema. (Já tivemos a oportunidade de destacar tanto esse aspecto do Decreto em comento quanto o uso da expressão “adjudicação” da titularidade da patente em caso de desacordo entre empregado e empregador).25

A partir da legislação inicial, as alterações subsequentes acerca do assunto sempre foram veiculadas nas legislações específicas sobre propriedade industrial, pelo Decreto-lei n. 254/46; Decreto-lei n. 1.005/69; Lei n. 5.772/71; e, finalmente, a Lei n. 9.279, de 14 de maio de 1996, atualmente em vigor.

O Capítulo XIV da Lei n. 9.279/96 regulamenta esse assunto específico sob a denominação “Da Invenção e do Modelo de Utilidade Realizado por Empregado ou Prestador de Serviço”, entre os arts. 88 e 93. De início, o primeiro dispositivo já veicula que a invenção e o modelo de utilidade desenvolvido pelo empregado pertencem exclusivamente ao empregador quando o objeto do contrato for a pesquisa ou a atividade inventiva, ou quando “resulta esta da natureza dos serviços para os quais foi o empregado contratado.”

Ampliando o entendimento de que a titularidade era do empregador quando o objeto do contrato, ainda que implicitamente, fosse a pesquisa científica, pela legislação em vigor a mera realização de tarefas cuja natureza possa implicar atividade inventiva também acarreta a titularidade do invento em favor do empregador. Situação que induz à conclusão de que qualquer atividade que exija alguma reflexão mental que possa ser considerada atividade

25 SILVA, Thiago de Carvalho e Silva e. A inovação tecnológica, 2015, p. 186: Já consignamos que: “O artigo 66

de referido Decreto faz menção ao instituto da ‘adjudicação’ em favor do empregador, no caso de desacordo entre empregador e empregado, com a respectiva indenização ao empregado. Uma vez mais, a legislação da época fez alusão à transferência da titularidade do invento em favor do empregador, partindo-se da premissa de que, naturalmente, existe um liame – verdadeiramente de cunho axiológico – que liga o empregado à sua inovação."

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