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PARTE II – OS PESQUISADORES-EMPREGADOS, AS EMPRESAS INOVADORAS

3 OS INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE APOIO E ESTIMULO À INOVAÇÃO NAS

3.2 OS INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE APOIO E ESTÍMULO À INOVAÇÃO NAS

3.2.1 Os incentivos fiscais

Tradicionalmente, os incentivos fiscais constituem os principais instrumentos de intervenção do Estado para estimular determinadas atividades econômicas que acarretem efeitos positivos desejáveis pelo Estado em favor da sociedade em geral. Segundo André Ramos Tavares,

[...] fala-se de incentivo para denominar o implemento de determinada atividade econômica pelo Estado. Esta continua sendo exercida pela iniciativa privada, mas benefícios ou vantagens concedidas pelo Estado incidem na autonomia dos particulares, guiando-a ao interesse público. Por isso, o incentivo não pode redundar em impedimento para outras atividades ou para determinado grupo de agentes econômicos. O benefício de uns não pode provocar a derrocada de outros.103

É inquestionável, então, que o incentivo configura forma de intervenção indireta do Estado no domínio econômico que estimula certa conduta dos agentes econômicos na área desejada, sendo o incentivo fiscal, espécie daquele, o instrumento específico que altera o padrão geral da tributação para reduzir a carga tributária do contribuinte, o que é, claro, desejável na perspectiva empresarial de redução direta dos custos de produção.

Por evidente, o uso de leis de incentivos fiscais tem relação direta com o papel modernamente assumido pelo Estado, conforme delineado com precisão por Norberto Bobbio, ao consignar que:

[...] desde que o Estado assume a tarefa, não só de controlar o desenvolvimento econômico, mas também de dirigi-lo, o instrumento idôneo para essa função não é mais a norma reforçada por uma sanção negativa contra aqueles que a transgridem, mas a diretriz econômica que, com frequência, é reforçada por uma sanção positiva em favor daqueles que a ela se conformam,

103 TAVARES, André Ramos. Direito constitucional econômico. 3. ed. rev. atual. São Paulo: Método, 2011, p.

como acontece, por exemplo, nas chamadas leis de incentivo, que começam a ser estudadas com atenção pelos juristas.104

Assim, o caráter extrafiscal105 quando da instituição do tributo torna-se preponderante especificamente em relação a determinadas tarefas cujo desempenho pelos entes privados é esperada pelo Estado. A presença da extrafiscalidade na composição da norma jurídica tributária foi apresentada com categoria por Alfredo Augusto Becker, indicando exatamente a situação em que uma característica se sobrepõe à outra.106 Roque Antonio Carrazza entende que os incentivos fiscais podem assumir uma vertente de estímulo ou de desestímulo, a depender do objetivo imposto pelo legislador, na tentativa de evitar certa conduta dos entes particulares, mesmo que tais sejam permitidas pela lei.107

Nesse sentido, a Lei Federal n. 10.973/2004 previa, desde a sua redação originária no art. 28, que “a União fomentará a inovação na empresa mediante a concessão de incentivos fiscais com vistas na consecução dos objetivos estabelecidos nesta Lei.” Verifica-se, portanto, que o fomento à inovação nas empresas seria realizado mediante a concessão de incentivos fiscais, ao passo que o desenvolvimento científico e tecnológico nas entidades públicas, fossem Universidades ou Instituição Científica, Tecnológica e de Inovação (ICT), poderia se dar por outros instrumentos, dada a possibilidade de o Estado agir, nelas, de forma direta.

Entretanto, repita-se que a concessão de incentivos fiscais em áreas correlatas à inovação tecnológica é prática anterior à própria Lei Federal n. 10.973/2004. A Lei Federal n. 8.248, de 23 de outubro de 1991, que dispunha acerca da capacitação e competitividade do setor de informática e automação, conhecida como Lei de Informática, já previa incentivos fiscais a empresas que investissem em atividades de pesquisa e desenvolvimento em tecnologia da informação, além da produção de bens e serviços de informática e automação, fazendo

104 BOBBIO, Norberto. Direito e poder. São Paulo: Unesp, 2008, p. 119.

105 OLIVEIRA, Régis Fernandes de; HORVATH, Estevão. Manual de direito financeiro. 4. ed. rev., atual. e ampl.

São Paulo: Revista dos Tribunais, 2001, p. 59. Segundo Regis de Oliveira e Estevão Horvath, “ a extrafiscalidade (...) ocorre quando a legislação de um tributo é elaborada com providências no sentido de prestigiar certas situações (ou, ao contrário, desprestigiar outras), tidas como social, política ou economicamente valiosas, às quais o legislador dispensa tratamento mais confortável ou menos gravoso (ou, em outras situações, mais gravoso). Em suma, utiliza-se do tributo com fins diversos dos meramente arrecadatórios.”

106 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria geral do direito tributário. São Paulo: Saraiva, 1963, p. 545. Segundo

Becker, “na construção da norma jurídica de todos e de cada tributo, nunca mais estará ausente o finalismo extrafiscal, nem será esquecido o fiscal. Ambos coexistirão sempre – agora de um modo consciente e desejado – na construção jurídica de cada tributo; apenas haverá maior ou menor prevalência neste ou naquele sentido [...].”

107 CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 27. ed. rev. ampl. e atual. São Paulo:

referência à Lei Federal n. 8.191, de 11 de junho de 1991, que previa a isenção do IPI para essas mesmas atividades.

Essa legislação estabelecia que bens e serviços de informática e automação seriam os componentes eletrônicos, tais como semicondutor, optoeletrônicos, máquinas, equipamentos e dispositivos baseados em técnica digital, programas de computador, máquinas, equipamentos e dispositivos de tratamento da informação. Por fim, até serviços técnicos associados aos bens e serviços descritos acima seriam beneficiados.

Após o período inicial de completa isenção, o benefício foi convertido em redução do IPI em percentuais variáveis e decrescentes entre 95% até 70%, sendo certo que esta última faixa terá vigência entre janeiro de 2027 e dezembro de 2029, segundo a redação da Lei Federal n. 13.023/2014. Esses percentuais de redução do IPI são ainda maiores quando a produção se realizar na região Centro-Oeste ou nas regiões de influência da Superintendência do Desenvolvimento da Amazônia (SUDAM) e da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (SUDENE), em evidente benefício ao desenvolvimento de atividade industrial específica na área tecnológica em referidas regiões.

Tais benefícios incidem nos bens produzidos de acordo com o Processo Produtivo Básico (PPB), definido pela alínea “b” do § 8º do art. 7º do Decreto-lei n. 1.435/75, com a redação dada pela Lei Federal n. 8.387, de 30 de dezembro de 1991, como sendo “o conjunto mínimo de operações, no estabelecimento fabril, que caracteriza a efetiva industrialização de determinado produto.”

Verifica-se, portanto, que os benefícios fiscais mencionados acima referem-se à produção no país dos bens de informática indicados pelo Poder Executivo e conforme o PPB estabelecido, o que, não necessariamente, implica alguma concreta inovação. Por isso que para os bens desenvolvidos no país os incentivos chegarão à redução de 100% do IPI até dezembro de 2024.

Na sequência, a Lei Federal n. 8.661, de 2 de junho de 1993, trazia os incentivos fiscais para a capacitação tecnológica da indústria e da agropecuária, com a previsão de criação dos Programas de Desenvolvimento Tecnológico Industrial (PDTI) e Programas de Desenvolvimento Tecnológico Agropecuário (PDTA). Os benefícios a empresas que realizassem tais programas consistiram em dedução, como: despesa para apuração do Imposto de Renda (IR) dos dispêndios em pesquisa e desenvolvimento; isenção do IPI na aquisição de máquinas e equipamentos utilizados em pesquisa e desenvolvimento; depreciação acelerada de

máquinas e equipamentos utilizados nessas atividades; amortização acelerada dos dispêndios relativos à aquisição de bens intangíveis; dedução como despesa operacional dos pagamentos feitos a título de royalties; assistência técnica ou científica em caso de contrato de transferência de tecnologia etc.

No entanto, essa lei foi integralmente revogada pela Lei Federal n. 11.196, de 21 de novembro de 2005, que trata, após diversas alterações, até a presente data, dos incentivos fiscais para a inovação nas empresas. Dentre uma infinidade de matérias não correlatas tratadas na lei, que vai desde a criação do Regime Especial de Aquisição de Bens de Capital para Empresas Exportadoras (RECAP), passando por legislação referente ao IRPJ e Contribuição Social sobre o Lucro Líquido (CSLL), até a Desoneração Tributária da Bovinocultura, (o aspecto importante para o tema tratado aqui consiste no Capítulo 3, que trata dos incentivos à inovação tecnológica).

Os benefícios fiscais previstos na Lei são, basicamente, de cinco espécies, as quais já vinham sendo utilizadas tradicionalmente nesta seara, desde a Lei Federal n. 8.661/1993, a saber: a) dedução dos valores investidos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico como despesa operacional para apuração do lucro líquido, inclusive quando os investimentos forem feitos em acordos com Universidades, institutos de pesquisa ou inventores independentes; b) redução de 50% do IPI sobre máquinas e equipamentos utilizados nas pesquisas e desenvolvimento tecnológico; c) depreciação integral de máquinas e equipamentos destinados às pesquisas para apuração do IRPJ e CSLL; d) amortização acelerada dos valores de aquisição de bens intangíveis vinculados às pesquisas, mediante dedução como custo ou despesa operacional desses valores para cálculo do IRPJ; e) redução a zero da alíquota do imposto de renda retido na fonte nas remessas feitas ao exterior para pagamento de despesas com registro e manutenção de marcas, patentes e cultivares.

Objetivamente, verifica-se que os benefícios estão centrados na redução do IRPJ e CSLL, do IPI sobre máquinas e equipamentos utilizados em pesquisas e IR retido na fonte nas remessas ao exterior para pagamento de despesas vinculadas à inovação. Até aqui, portanto, não há benefício fiscal nenhum que estimule ou se relacione com a formação de recursos humanos na área de ciência, pesquisa, tecnologia ou inovação, nos termos dos §§ 3º e 4º do art. 218 da CF/88.

Em adição aos benefícios acima indicados, a Lei Federal n. 11.196/2005 prevê que até 60% dos investimentos em pesquisa e desenvolvimento tecnológico realizados pela empresa podem ser excluídos diretamente do lucro líquido para apuração do lucro real e pagamento do

IRPJ. Nesse sentido, portanto, a redução é direta entre o aporte financeiro em pesquisa e o valor da base de cálculo do IRPJ, o que pode reduzir sensivelmente o imposto a ser pago.

O § 1º do artigo 19 da Lei Federal n. 11.196/2005, que estabelece a previsão acima comentada, aduz o seguinte:

Art. 19. [...]

§ 1º A exclusão de que trata o caput deste artigo poderá chegar a até 80% (oitenta por cento) dos dispêndios em função do número de empregados pesquisadores contratados pela pessoa jurídica, na forma a ser definida em regulamento.

Pela primeira vez, em matéria de incentivos fiscais e demais instrumentos de estímulo à inovação tecnológica, a questão dos empregados-pesquisadores foi tratada de algum modo, produzindo certo reflexo nessa seara, ainda que indireto. Isso porque a exigência legal é tão somente de contratação de pesquisadores-empregados, sem se abordar a formação ou o aperfeiçoamento desta mão de obra, tampouco a remuneração devida a tais empregados.

É verdade que o ato de induzir à contratação de pesquisadores-empregados mostra-se favorável ao desenvolvimento de recursos humanos na área, em linhas gerais. O aumento de vagas de emprego específicas no setor, por certo, impacta na valorização dos profissionais existentes no mercado, pela antiga lei da oferta e da procura.

A regulamentação deste dispositivo veio também pelo Decreto n. 5.798, de 7 de junho de 2006, que estabeleceu, no art. 8 e § 1º, a gradação prevista na Lei acima em função do número de pesquisadores-empregados contratados, o que o fez nos seguintes termos:

Art. 8º Sem prejuízo do disposto no art. 3º, a partir do ano-calendário de 2006, a pessoa jurídica poderá excluir do lucro líquido, na determinação do lucro real e da base de cálculo da CSLL, o valor corresponde a até sessenta por cento da soma dos dispêndios realizados no período de apuração com pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, classificáveis como despesas pela legislação do IRPJ, na forma do inciso I do caput do art. 3º. § 1º A exclusão de que trata o caput deste artigo poderá chegar a:

I - até oitenta por cento, no caso de a pessoa jurídica incrementar o número de pesquisadores contratados no ano-calendário de gozo do incentivo em percentual acima de cinco por cento, em relação à média de pesquisadores com contratos em vigor no ano-calendário anterior ao de gozo do incentivo; e

II - até setenta por cento, no caso de a pessoa jurídica incrementar o número de pesquisadores contratados no ano-calendário de gozo do incentivo até cinco por cento, em relação à média de pesquisadores com contratos em vigor no ano-calendário anterior ao de gozo do incentivo.

§ 2º Excepcionalmente, para os anos-calendário de 2006 a 2008, os percentuais referidos no § 1º deste artigo poderão ser aplicados com base no incremento do número de pesquisadores contratados no ano-calendário de gozo do incentivo, em relação à média de pesquisadores com contratos em vigor no ano-calendário de 2005.

§ 3º Na hipótese de pessoa jurídica que se dedica exclusivamente à pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica, para o cálculo dos percentuais de que trata este artigo, também poderão ser considerados os sócios que atuem com dedicação de pelo menos vinte horas semanais na atividade de pesquisa tecnológica e desenvolvimento de inovação tecnológica explorada pela própria pessoa jurídica.

Verifica-se que o incentivo objetiva aumentar o número de empregados contratados pela empresa em relação ao ano anterior, solicitando um aumento da ordem de 5% para que o benefício seja auferido no percentual máximo de 80% do valor investido, quando da dedução deste valor do lucro líquido para apuração do lucro real no cálculo do IRPJ.

Evidencia-se que o disposto no § 4º do artigo 218 da CF/88 não foi respeitado na instituição deste incentivo fiscal, que exige das empresas a contratação de pesquisadores- empregados sem se manifestar, exigindo atitude concreta, acerca dos sistemas de remuneração que permitam o compartilhamento dos ganhos econômicos derivados da produtividade do trabalho desses mesmos empregados.

Por seu turno, a Lei Federal n. 11.484/2007 instituiu o Programa de Apoio ao Desenvolvimento Tecnológico da Indústria de Semicondutores (PADIS), com benefícios fiscais às atividades de concepção, desenvolvimento e projeto (design), difusão ou processamento físico-químico ou, ainda, corte, encapsulamento e teste de dispositivos eletrônicos semicondutores, cuja Nomenclatura Comum do Mercosul (NCM) indica se tratar de diodos, transistores e dispositivos semelhantes, semicondutores, dispositivos fotossensíveis, incluindo-se as células fotovoltaicas, diodos emissores de luz (LED) e cristais piezelétricos montados.

Além disso, os benefícios fiscais previstos nesta lei também favorecem as atividades vinculadas a mostradores de informações (displays) com tecnologia baseada em componentes de cristal líquido (LCD), fotoluminescentes (painel mostrador de plasma (PDP)), LED e diodos emissores de luz orgânicos (OLED) ou displays eletroluminescentes a filme fino (TFEL).

Em resumo, os benefícios fiscais reduzem a zero a alíquota da Contribuição para o Programa de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público (PIS/PASEP) e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social (COFINS) incidentes sobre a receita de venda de máquinas, aparelhos, equipamentos destinados às atividades acima mencionadas, em relação aos produtos listados quando a empresa adquirente das máquinas for beneficiária do PADIS.

Além disso, há benefício de redução a zero da alíquota da Contribuição para o PIS/PASEP, da COFINS e do IPI, em caso de importação efetuada por empresa beneficiária do PADIS.

Por fim, houve redução a zero da alíquota da Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico (CIDE) destinada a financiar o Programa de Estímulo à Interação Universidade- Empresa para o Apoio à Inovação, previsto no art. 2 da Lei Federal n. 10.168, de 29 de dezembro de 2000. Esse benefício abrange as remessas ao exterior para pagamento de contratos relativos à exploração de patentes ou ao uso de marcas e de fornecimento de tecnologia e prestação de serviços de assistência técnica, quando tais remessas forem realizadas por empresas beneficiárias do PADIS.

Nos benefícios igualmente não foram veiculados dispositivos atinentes aos pesquisadores-empregados envolvidos nessas atividades. Ao tratar da forma pela qual incentivos fiscais influenciam na conduta dos particulares, Celso de Barros Correia Neto afirma:

[...] trata-se, portanto, de aproveitar o potencial indutor da regra tributária pela eliminação ou redução do efeito de desencorajamento que a incidência tributária ordinariamente produz em relação a situações predeterminadas, tendo em vista a concreção de objetivos igualmente preestabelecidos.108

Logo, ao que tudo indica, a legislação infraconstitucional atinente aos incentivos fiscais a inovação nas empresas não está devidamente posta na “concreção de objetivos igualmente preestabelecidos”, porque se olvidou dos demais elementos que compõem a regra-matriz da CT&I na CF/88.

108 CORREIA NETO, Celso de Barros. O avesso do tributo: incentivos e renúncias fiscais no direito brasileiro. 2.

De qualquer forma, o ponto central aqui abordado não reside na constitucionalidade da legislação que trata dos incentivos fiscais à inovação nas empresas, mas sim no direito dos pesquisadores-empregados a compartilharem dos ganhos econômicos resultantes da produtividade de seu trabalho em inovação (conforme será abordado, a seguir, no capítulo 4).