• Nenhum resultado encontrado

O uso do poder de compra do Estado e a encomenda tecnológica

PARTE II – OS PESQUISADORES-EMPREGADOS, AS EMPRESAS INOVADORAS

3 OS INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE APOIO E ESTIMULO À INOVAÇÃO NAS

3.2 OS INSTRUMENTOS JURÍDICOS DE APOIO E ESTÍMULO À INOVAÇÃO NAS

3.2.4 O uso do poder de compra do Estado e a encomenda tecnológica

A participação direta do Estado no mercado como consumidor de produtos e serviços mostra-se importantíssima ao desenvolvimento econômico nacional. O Estado é o maior consumidor do Brasil. As compras públicas representam parte substancial de todas as operações comerciais no país, de sorte que sua atuação como adquirente de produtos e serviços vinculados às atividades de inovação não poderia deixar de ser usada como instrumento de estímulo à inovação. E expressamente, os incisos V e VIII do § 2-A do art. 19 da Lei Federal n. 10.973/2004 tratam da encomenda tecnológica e do uso do poder de compra do Estado como instrumentos de estímulo à inovação nas empresas.

Como se sabe, as obras, serviços, compras e alienações feitas pelo Estado serão contratadas por meio de licitação pública, nos termos do inciso XXI do art. 37 da CF/88. A Lei Federal n. 8.666, de 21 de junho de 1993, regulamenta referido dispositivo constitucional, consubstanciando o que ficou conhecida como “Lei de Licitações”. Em seu art. 3, a Lei dispõe:

Art. 3º A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos.

Verifica-se diretamente da leitura deste dispositivo básico sobre licitações públicas que o objetivo consiste em estabelecer a proposta mais vantajosa à administração pública bem como promover o desenvolvimento nacional e sustentável. Não por outro motivo, a Lei de Licitações estabelece a possibilidade de constituição da chamada “margem de preferência”, justamente para direcionar o resultado da licitação ao atingimento dos objetivos acima mencionados e não se restringir exclusivamente na questão econômica do processo, ou seja, no menor preço. O § 6º do art. 3 da Lei em comento determina que a margem de preferência levará em consideração, dentre outros, o desenvolvimento e a inovação tecnológica realizados no País.

Torna-se relevante destacar a existência de uma margem de preferência específica a produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais decorrentes de desenvolvimento e inovação tecnológica ocorrida no Brasil, nos termos do art. 2 do Decreto n. 7.546, de 2 de agosto de 2011, que preceitua:

Art. 2º Para os fins deste Decreto, considera-se:

I - Margem de preferência normal - diferencial de preços entre os produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais e os produtos manufaturados estrangeiros e serviços estrangeiros, que permite assegurar preferência à contratação de produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais; II - Margem de preferência adicional - margem de preferência cumulativa com a prevista no inciso I do caput, assim entendida como o diferencial de preços entre produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais, resultantes de desenvolvimento e inovação tecnológica realizados no País, e produtos manufaturados estrangeiros e serviços estrangeiros, que permite assegurar preferência à contratação de produtos manufaturados nacionais e serviços nacionais [...].

A preferência conferida aos produtos e serviços nacionais, que tenham atividades vinculadas ao desenvolvimento e à inovação tecnológica no País, mostra-se determinante para o melhor posicionamento de empresas em certames licitatórios atinentes a produtos com tecnologia agregada, afigurando-se como importante diferencial competitivo a empresas nacionais dedicadas à inovação. É claro, então, que o uso do poder de compra do Estado pode constituir relevante instrumento de estímulo à inovação nas empresas.

O fato de vencer uma licitação e poder contar com a aquisição de produtos ou serviços pelo Estado, pela própria dimensão das compras públicas, deve ser compreendido como vantagem relevante a merecer, ademais, compartilhamento dos frutos dos ganhos econômicos aos pesquisadores-empregados envolvidos neste processo de desenvolvimento científico e tecnológico, nos termos do § 4º do art. 218 da CF/88 (conforme mencionado no capítulo 2 acima).

No entanto, o desenvolvimento científico e tecnológico configura aspecto de tamanha relevância ao desenvolvimento econômico e social do País que a própria Lei de Licitações franqueia a excepcional possibilidade de ser dispensado o certame licitatório nas contratações que objetivem o cumprimento dos art. 3, 4, 5 e 20 da Lei Federal n. 10.973/2004.

Ou seja, a constituição de alianças estratégicas e desenvolvimento de projetos de cooperação entre ICT’s públicas e entidades privadas sem fins lucrativos não exige licitação, assim como não se faz necessário o certame licitatório no procedimento de uma ICT pública compartilhar laboratório, equipamentos, instrumentos, materiais e instalações com outras ICTs ou empresas. Além disso, a participação da União e dos demais entes federativos no capital social de empresas, com propósito de desenvolver produtos ou processos inovadores, não exige licitação.

Da mesma forma, a encomenda tecnológica não exige processo licitatório. Os órgãos da administração pública poderão contratar diretamente ICT ou empresas de reconhecida capacidade tecnológica no setor, a fim de realizar atividades de pesquisa, desenvolvimento e inovação que envolvam risco tecnológico na solução de um problema específico ou obtenção de produtos, serviço ou processo inovador, nos termos do art. 20 da Lei Federal n. 10.973/2004. Além do mais, a encomenda tecnológica mencionada acima tem notável capacidade de afetar o mercado interno na área de inovação, considerando a escala de grande dimensão utilizada em qualquer compra do Estado. A realização de uma encomenda tecnológica, dispensada inclusive de licitação, deve induzir à oferta de adequada contrapartida em favor dos empregados envolvidos nesse trabalho.

A existência de todas essas hipóteses em que o certame licitatório é dispensado demonstra claramente o nível de importância para o Estado do efetivo exercício da intervenção no domínio econômico, visando apoiar e estimular as empresas inovadoras. A dispensa de licitação é medida excepcional, reservada aos casos muito especiais.

E a gama de possibilidades atualmente existentes para que as empresas, em matéria de inovação, contem com apoio e estímulo estatal é ampla, como visto. Assim, na sequência, merece ser apreciada a forma pela qual os pesquisadores-empregados devem usufruir dos sistemas de remuneração que garantam a participação desses nos ganhos econômicos da inovação nas empresas, em razão da norma jurídica que se extrai da regra-matriz da CT&I existente no plano constitucional, em especial quanto ao disposto no § 4º do artigo 218 da CF/88.

4 A PARTICIPAÇÃO DOS PESQUISADORES-EMPREGADOS POR