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BREVE RESGATE DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO

4 AMBIGÜIDADE NO PROCESSO DE FORMAÇÃO DE GRUPOS NA SOCIEDADE

5.3 BREVE RESGATE DA INSTITUCIONALIZAÇÃO DA ECONOMIA SOLIDÁRIA COMO

A Economia Solidária aparece entre as décadas de 80 e 90 no Brasil em virtude de uma grande crise no mercado de trabalho, com um desemprego em massa decorrente da perda de milhões de postos de trabalho. Assim, surgiram duas categorias principais na Economia Solidária: o grupo de trabalhadores que desenvolvem atividades produtivas e econômicas com uma proposta de organização democrática; e as instituições de fomento, com apoio tanto direto quanto indireto aos empreendimentos.361 Atualmente o Fórum Brasileiro de Economia Solidária refere-se a uma terceira categoria: os gestores.

359 CORAGGIO, Jose Luis. Economia do trabalho. In : CATTANI, David Antônio (Org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz, 2003.

360 Secretário da Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), vinculada ao Ministério do Trabalho e Emprego (MTE) do governo federal brasileiro. Cf.: SINGER, Paul. Economia Solidária. In: CATTANI, David Antônio (Org.). A outra

economia. Porto Alegre: Veraz, 2003. p. 116.

361 SINGER, Paul. Economia Solidária. In: CATTANI, David Antônio (Org.). A outra economia. Porto Alegre: Veraz, 2003. p. 116-124.

Segundo Paul Singer,362 a economia solidária “se desenvolve em resposta às crises do

capitalismo e, na medida em que expande e robustece, demonstra que a democracia na produção e distribuição não é utopia e nem se opõe ao desenvolvimento das forças produtivas”. É uma forma de organização que tanto está por vir quanto pretende colocar a serviço do trabalhador as forças produtivas. E neste contexto, estas três categorias buscam estabelecer relações onde os vínculos sociais solidários são a base do processo produtivo.

Foi também na década de 1980 que a Cáritas Brasileira363 financiou o que foi denominado de Projetos Alternativos Comunitários (PACs) com o objetivo de estimular a geração de renda de forma associativa com moradores das comunidades mais pobres, tanto no espaço urbano quanto no espaço rural.

Outra experiência de organização autogestionária surgiu a partir de empresas falidas ou que estavam em vias de ir à falência. Uma organização de produção que se origina desta mudança na forma de organização vive, segundo Holzmann364 intensamente as contradições entre trabalho e capital e nesse lócus é visível “o jogo de resistências e estratégias que se dá no interior da fábrica, recolocando-a como espaço político”. Ou seja, nesse ambiente é possível se construir ações coletivas de enfrentamento e conseqüentemente identidades de resistência. Estas experiências surgem principalmente na década de 90.

A criação da Associação Nacional dos Trabalhadores em Empresas de Autogestão e Participação Acionária (ANTEAG) em 1994 e a União e Solidariedade das Cooperativas do Estado de São Paulo (UNISOL) atuaram na busca de impulsionar e fortalecer as iniciativas autogestionárias. Em 2000 a ANTEAG possuía 50 empreendimentos associados, com aproximadamente 20 mil trabalhadores sócios.

No Paraná, o sistema de cooperativa de crédito, CRESOL,365 reúne aproximadamente 28 cooperativas, com mais de 6 mil sócios. O sistema nasceu de uma iniciativa local de crédito em 1989 e se tornou um sistema de crédito regulamentado pelo banco Central em 1995. Atualmente o CRESOL é dividido em cooperativas singulares (as propriamente de crédito aos agricultores), bases regionais de serviço (destinadas à prestação de serviços e de formação às cooperativas), cooperativas centrais (responsável pelas parcerias e fomento do sistema).

Em 1996 sai um artigo na Folha de São Paulo intitulado “Economia Solidária contra o desemprego”, escrito pelo Professor Paul Singer. A partir de então este foi considerado o momento da criação da Economia Solidária no Brasil. Desde então a Economia Solidária se tornou um tema de pesquisa para os acadêmicos e envolveu muitas universidades como formadoras e sensibilizadoras das comunidades para a proposta da Economia Solidária.

362 SINGER, Paul. Economia solidária versus economia capitalista. Revista Sociedade e Estado: dádivas e solidariedades urbanas, v. 16, n. 1/2, jan./dez. 2001. p. 12.

363 Entidade ligada à Conferência Nacional dos Bispos do Brasil (CNBB), da Igreja Católica.

364 HOLZMANN, L. Operários sem patrão: gestão cooperativa e dilemas da democracia. São Carlos: EdUFSCar, 2001. 365 Sistema Cre$ol de Cooperativas de Crédito Rural. Cf.: SISTEMA DE COOPERATIVA DE CRÉDITO RURAL COM

Em 1995 é consolidado um primeiro espaço na Universidade Federal do Rio de Janeiro, com a criação da Incubadora Tecnológica de Cooperativas Populares. A partir de então, as universidades, através das Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares (INCUBADORA IESs), passam a atuar na sensibilização, formação e acompanhamento dos grupos associativos e cooperativos. Neste trabalho, docentes, técnicos, acadêmicos da graduação e da pós-graduação atendem e assessoram os grupos sensibilizados nas comunidades populares, fazendo reuniões de formação, prestando assessoria técnica, oferecendo assessoramento logístico e jurídico e buscando capacitar o grupo para que tenha autonomia na organização e gerenciamento do empreendimento, de forma autogestionária. Atualmente existem mais de 60 Incubadoras nas Universidades brasileiras, que se reúnem desde 1999 na Rede Unitrabalho366 e/ou na Rede

Nacional de INCUBADORA IESs.

Também em 1999, a Central Única dos Trabalhadores367 (CUT) criou a Agência de Desenvolvimento Solidário (ADS) com o objetivo de divulgar a economia solidária entre as lideranças sindicais, priorizando a criação de cooperativas de crédito. Além destas iniciativas, as prefeituras também vêm estimulando projetos de Economia Solidária nos seus municípios. Em 2201 foi lançado no primeiro Fórum Social Mundial, a Rede Brasileira de Sócio-Economia Solidária, buscando integrar as diversas entidades de fomento à economia solidária de todo o Brasil.

Em 2003, na 3ª Plenária Nacional de Economia Solidária, foi criada a Secretaria Nacional de Economia Solidária (SENAES), ligada ao Ministério do Trabalho, sob a coordenação do professor Paul Singer. Segundo o documento de apresentação da Senaes,368 o “Programa Economia Solidária em Desenvolvimento tem como objetivo promover o fortalecimento e a divulgação da economia solidária, mediante políticas integradas, visando à geração de trabalho e renda, a inclusão social e a promoção do desenvolvimento justo e solidário”. Ela reconhece e pontua o aspecto estrutural da exclusão, sem individualizar a pobreza e sem desmerecer o contexto social no qual a exclusão é produzida e mantida.

A SENAES369 estabeleceu como objetivo traçar e direcionar a política de economia solidária em todo o país. No mesmo momento da criação da SENAES foi criado o Fórum Brasileiro de Economia Solidária, cujo objetivo é apresentar as demandas dos grupos, sugerir e acompanhar políticas públicas em Economia Solidária. Atualmente existem várias instituições que desenvolvem trabalhos de formação e de pesquisa nos temas relacionados, assim como existe uma diversidade

366 Rede universitária nacional que agrega 92 universidades e instituições de ensino superior de todo o Brasil. Cf.: REDE UNITRABALHO. Disponível em: <http://www.unitrabalho.org.br>. Acesso em: 02 fev. 2010.

367 Agência de Desenvolvimento Solidário - ADS criada pela CUT com a Unitrabalho, DIEESE, FASE e outras organizações da sociedade. Cf.: AGÊNCIA DE DESENVOLVIMENTO SOLIDÁRIO. Disponível em:

<http://www.ads.org.br/>. Acesso em: 02 fev. 2010.

368 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria Nacional de Economia Solidária. Programa Economia

Solidária em Desenvolvimento. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/prog_apresentacao.pdf>. Acesso

em: 02 fev. 2010.

369 BRASIL. Ministério do Trabalho e Emprego. Secretaria Nacional de Economia Solidária. Disponível em: <www.mte.gov.br/ecosolidaria/secretaria_nacional.asp>. Acesso em: 02 fev. 2010.

de iniciativas de empreendimentos solidários que se organizam nas redes e nos fóruns estaduais e regionais de Economia Solidária.

A Economia Solidária faz parte hoje do PPA370 2008-11, e na Conferência Nacional de Economia Solidária foi elaborado um documento que busca integrar um consenso entre as diferentes categorias que participam do movimento da Economia Solidária, definindo como um dos objetivos principais o “Crescimento com geração de trabalho, emprego e renda, ambientalmente sustentável e redutor das desigualdades sociais”. Segundo Paul Singer371 o desafio desta

proposta é conseguir que o governo crie medidas para “incentivar e fortalecer as micro, pequenas e médias empresas com o desenvolvimento da capacidade empreendedora” pois a falta de financiamento inviabiliza muitos grupos de continuarem trabalhando. Para o autor “além da queda de juros e de aumento de financiamento, o governo buscará a organização de cooperativas de crédito de livre admissão, de tal forma que populações com acesso restrito a serviços financeiros tenham dinheiro para pequenos empreendimentos rurais e urbanos geradores de emprego”.372 Ao final do texto síntese acerca deste documento Paul Singer fala sobre a necessidade de estabelecer alianças entre os movimentos sociais e não competir entre si por espaço (e por financiamento). Esta afirmação revela as fragilidades de um movimento social que depende do financiamento público. E esta é uma das críticas sofridas pelo movimento pois sua institucionalização gera impasses como proposta política que visa uma transformação na forma como se estabelecem as relações sociais. Estando no Estado, a Economia Solidária estaria subordinada às regras e normas de um sistema que ela busca combater, se uma lógica que ela busca superar.

Para Paul Singer,373 a economia solidária “substituirá o capitalismo se for capaz de dar autenticidade à autogestão e fazer da cooperação (mais do que da competição) o novo motor do progresso social e econômico”. Entretanto, para Abreu:374

é importante que não “se caia, porém, na tentação ou na ilusão de pensar que é possível multiplicar “ilhas” autogestionárias no interior do sistema capitalista até se chegar à sociedade socialista autogestionária. (...pois elas sofrem) o estrangulamento a que os poderes públicos os submetem, submetidos como estão às leis da concorrência capitalista, em que os mais débeis ou morrem ou se integram.

A polêmica em torno da Economia Solidária causa muitos debates acadêmicos e análises que por vezes levam ao antagonismo entre os acadêmicos que pesquisam as experiências

370 SINGER, Paul. A economia solidária no PPA de 2008-11. Disponível em: <http://www.Incubadora IES.usp.br/drupal/files/Incubadora

IES.usp.br/A%20ECONOMIA%20SOLID%C3%81RIA%20NO%20PPA%20DE%202008.doc>. Acesso em: 02 fev. 2010. 371 SINGER, Paul. A economia solidária no PPA de 2008-11. Disponível em: <http://www.Incubadora

IES.usp.br/drupal/files/Incubadora

IES.usp.br/A%20ECONOMIA%20SOLID%C3%81RIA%20NO%20PPA%20DE%202008.doc>. Acesso em: 02 fev. 2010. 372 SINGER, Paul. A economia solidária no PPA de 2008-11. Disponível em: <http://www.Incubadora

IES.usp.br/drupal/files/Incubadora

IES.usp.br/A%20ECONOMIA%20SOLID%C3%81RIA%20NO%20PPA%20DE%202008.doc>. Acesso em: 02 fev. 2010. 373 SINGER, Paul. Economia solidária versus economia capitalista. Revista Sociedade e Estado: dádivas e

solidariedades urbanas, v. 16, n. 1/2, jan./dez. 2001. p.12.

374 ABREU, F. Socialismo autogestionário: uma aspiração e um projecto. In: PELO socialismo autogestionário. Portugal: Base, 1979. p. 23-24.

desenvolvidas na Economia Solidária.375 A busca constante, da Rede de Incubadoras, por garantir

seu sentido, seus valores e objetivos, a partir de sua identidade inicial é um dos desafios para o fortalecimento da Economia Solidária. Do ponto de vista da transformação social, muitos economistas acreditam que são experiências marginais e que não tem estratégias, recursos e nem mesmo uma proposta política e econômica que possa dar uma resposta para os problemas macroestruturais na complexidade atual da sociedade capitalista. Pochmann376 apresenta alguns questionamentos sobre aos limites e possibilidades do projeto se concretizar, para o autor, é preciso se perguntar se a Economia Solidária permanecerá como “reprodutora de uma fase primária, a se reproduzir intensivamente diante da crise do desenvolvimento capitalista no país? [...] Ou, ainda e por fim, seriam estimulados os caminhos de constituição de um sistema de empreendimentos abertos com disputa de hegemonia com a sociedade capitalista?”.

Este processo de construção da prática da Economia Solidária e sua articulação como política pública se dá também na história da articulação teórica e metodológica da Economia Solidária, com diferentes correntes teóricas, sendo separadas por Araújo e Silva377 em duas visões: a utilitarista e a solidarista. A concepção utilitarista está mais ligada ao pensamento da Economia Solidária como política obrigatória do Estado no intento de estimular a inclusão social, ampliando a cidadania social, por meio do empreendedorismo e a formalização das iniciativas no mercado.

Nessa interpretação, cabe ao Estado garantir os recursos estratégicos (financeiros, tecnológicos, humanos etc.) adequados à melhoria das condições de vida das pessoas e necessários à promoção de seu bem-estar. Portanto, a economia solidária seria uma espécie do gênero de iniciativas que o Estado utiliza para alcançar os fins de uma política de bem-estar em comunidades carentes.378

Por outro lado, a concepção definida como solidarista pelos autores, estaria mais de acordo com os princípios da Economia Solidária, pois a proposta seria mediar um espaço entre o Estado, o mercado e a comunidade para construir sua autonomia. Ou seja, ao mesmo tempo em que está buscando o acesso a direitos sociais e proteção mínima do Estado e do mercado, está também buscando desenvolver apoio na própria comunidade por meio da solidariedade entre seus membros. Nesta perspectiva, ela não poderia ser identificada com “políticas estatais de cunho compensatório, nem com a inclusão pelo assalariamento ou pelo mercado. A economia solidária teria como fundamento as iniciativas de base local e promoção comunitária do bem-estar, sendo

375 RAMPONE, Bruno Mesquita et al. Caracterização da economia solidária a partir dos conceitos de marginalidade

e superexploração. Campinas: INCUBADORA IES, Unicamp, [200?]. Disponível em: <http://www.Incubadora

IES.unicamp.br/drupal/files/Artigo%20GEPES%20de%20PE.pdf>. Acesso em: jul. 2009.

376 POCHMANN, M. Economia solidária: possibilidades e limites. Mercado de Trabalho, n. 24, p. 23-34, ago. 2004. 377 ARAÚJO, Herton Ellery; SILVA, Frederico A. Barbosa da. Economia solidária: um novo paradigma de política pública?

Mercado de trabalho, n. 28, p. 29-37, set. 2005. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/pub/bcmt/mt_28f.pdf>. Acesso

em: jan. 2010.

378 ARAÚJO, Herton Ellery; SILVA, Frederico A. Barbosa da. Economia solidária: um novo paradigma de política pública?

Mercado de trabalho, n. 28, p. 29-37, set. 2005. p. 04. Disponível em: <http://www.ipea.gov.br/pub/bcmt/mt_28f.pdf>.

Estado e mercado, subsidiários das dinâmicas comunitárias”.379 Portanto, segundo estes autores,

a proposta da Economia Solidária não é de cunho compensatório ou inclusão pelo assalariamento ou pelo mercado.

Assim, a autonomia das comunidades aparece no entrecruzamento de relações entre grupos e instituições que compartilham desta busca de autonomia pelas comunidades, propondo uma outra lógica, que não seja dicotômica entre “dependência” em relação ao Estado ou total desvinculação, do projeto da comunidade, dos recursos públicos e da busca pela garantia de direitos sociais do Estado. Pelo contrário, a proposta da Economia Solidária busca, nos diferentes espaços o fortalecimento de sua autonomia e das redes de solidariedade.

A Incubadora que forma os grupos na comunidade teria como função mediar e facilitar espaços de articulação entre as instituições do estado, as políticas públicas, as comunidades e o mercado, oscilando ambiguamente nestes diferentes espaços, priorizando ora alguns objetivos ora outros. A ambigüidade em relação à Economia Solidária se reflete na proposta de trabalho da Incubadora pois por um lado parece não compartilhar com a visão utilitarista de inclusão no mercado pelo assalariamento e por outro também não apóia projetos que não possam ter sustentação econômica, se diferenciando de projetos com objetivos de interação social de seus membros. Assim, os conceitos que envolvem a proposta da Economia Solidária são definidos conforme as concepções teóricas e de políticas públicas para a atuação dos formadores das incubadoras nas comunidades.

5.4 A ECONOMIA SOLIDÁRIA: ALGUNS CONCEITOS E SUAS MULTIPLICIDADES DE