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Contextualização teórica do estudo da ambigüidade no contexto da Economia

2 A PESQUISA DA AMBIGÜIDADE EM UMA COOPERATIVA POPULAR: CONCEPÇÕES

2.3 CONSIDERAÇÕES DA PESQUISADORA PARA A REALIZAÇÃO DA PESQUISA

2.3.3 Contextualização teórica do estudo da ambigüidade no contexto da Economia

multiplicidade de sentidos para a unificação da proposta. Espero que este trabalho venha a contribuir para a valorização dos aspectos psíquicos na dinâmica grupal e que de alguma forma possa contribuir para as iniciativas solidárias. Minha perspectiva teórico-política é de busca de uma construção coletiva de uma sociedade mais justa e humana; e de crítica à sociedade capitalista e individualista por acarretar desigualdade social, exploração do homem e da natureza, por gerar esvaziamento do político e dos vínculos sociais.

Se a Economia Solidária não tem ainda os suportes discursivos ou organizacionais, nem os recursos econômicos e estruturais para se materializar, isto não tira sua razão de existir, pelo contrário, mostra o quanto é uma luta árdua diante das adversidades colocadas pelo capitalismo, tanto no seu sentido econômico, quanto social e subjetivo.

Este projeto de pesquisa se concretiza em um esforço de análise dos discursos dos membros de dois grupos que se dispuseram a relatar suas experiências. A análise da ambigüidade como fenômeno que se articula às expectativas individuais, aos processos grupais e a um discurso mais amplo e abstrato, pode oferecer um campo amplo de investigação para outros pesquisadores.

2.3.3 Contextualização teórica do estudo da ambigüidade no contexto da Economia Solidária

O capitalismo é o maior responsável pela homogeneização e disseminação das relações de exploração, competição e dominação, pois, fixa as relações de forma hierárquica politicamente e extremamente desigual economicamente. O Brasil é um dos países onde a desigualdade é alarmante, exigindo da população diferentes estratégias de sobrevivência e de tentativa de inclusão nos direitos sociais de moradia, saúde, educação, justiça social entre outros.

Na tentativa de enfrentar e mudar esta realidade surge a proposta da Economia Solidária. Seu surgimento se dá inicialmente em alguns livros que resgatam os valores sociais de democracia e equidade, de emancipação política, social e econômica presentes no socialismo. Atualmente, a Economia Solidária reconhece diferentes práticas sociais solidárias como os mutirões, as associações de bairro, cooperativas de trabalhadores, e outras experiências solidárias que são incluídas no projeto como um todo.

As primeiras experiências que se autodenominavam de Economia Solidária começaram na década de 80, estavam ligadas freqüentemente à Igreja Católica, à organização Cáritas

Brasileira, e outros movimentos como a "Ação da Cidadania contra a Fome a Miséria e pela Vida" (1992 a 1994) e as “Incubadoras Tecnológicas de Cooperativas Populares” (1990 até hoje).

Atualmente, na avaliação da Senaes, considera-se como grupo solidário aqueles que apresentam “quatro importantes características: cooperação, autogestão, viabilidade econômica e solidariedade”.94

Considerando as características acima, os Empreendimentos Econômicos Solidários compreendem as organizações:

a) coletivas - organizações suprafamiliares, singulares e complexas, tais como: associações, cooperativas, empresas autogestionárias, grupos de produção, clubes de trocas, redes e centrais etc;

b) cujos participantes ou sócios (as) são trabalhadores (as) dos meios urbano e rural que exercem coletivamente a gestão das atividades, assim como a alocação dos resultados;

c) permanentes, incluindo os empreendimentos que estão em funcionamento e aqueles que estão em processo de implantação, com o grupo de participantes constituído e as atividades econômicas definidas;

d) com diversos graus de formalização, prevalecendo a existência real sobre o registro legal e;

e) que realizam atividades econômicas de produção de bens, de prestação de serviços, de fundos de crédito (cooperativas de crédito e os fundos rotativos populares), de comercialização (compra, venda e troca de insumos, produtos e serviços) e de consumo solidário”.95

Embora a proposta da Economia Solidária seja em longo prazo uma proposta de transformação social, a expectativa é que ela possa gerar dois efeitos emancipatórios mais imediatos: melhore as condições de vida dos trabalhadores e possibilite uma experiência de organização autogestionária, existindo e organizando-se dentro de uma sociedade efetivamente capitalista. A proposta da organização autogestionária pressupõe a busca de uma unidade interna que dê coesão ao projeto coletivo em torno de objetivos comuns.

Na pesquisa de mestrado, em uma cooperativa popular na Economia Solidária, percebi que a busca de uma unidade de pensamento e de projeto gera um crescente conflito nas relações entre os membros da cooperativa. Este conflito se refere à tensão presente entre diferentes valores que tendem a coexistir dentro do mesmo projeto da cooperativa, causando a dificuldade para os seus membros de estabelecerem uma concepção única, do projeto da Economia Solidária que rege suas práticas.

A cooperativa é um espaço que comporta uma diversidade de valores e de ideais, e pode potencializar as expectativas por emancipação individual e vínculos solidários. O convívio dos valores capitalistas e cooperativistas dentro de um mesmo projeto gera uma ambigüidade que, por não apresentar uma solução de integração entre estes diferentes ideais, resulta em conflitos e

94 ATLAS da economia solidária no Brasil: 2005. Brasília: MTE; SENAES, 2006. p. 11. Disponível em: <http://www.mte.gov.br/ecosolidaria/sies_ATLAS_PARTE_1.pdf>. Acesso em: 01 fev. 2010. 95 ATLAS da economia solidária no Brasil: 2005. Brasília: MTE; SENAES, 2006. p. 11. Disponível em:

contradições para os membros da cooperativa. Esta tentativa de integração e os conflitos tendem a ser negociados nos processos de tomada de decisões, nas práticas internas da cooperativa, no estabelecimento de regras e normas, no discurso em relação ao projeto e na representação dos sentimentos em relação à cooperativa.

A ambigüidade resulta desta tentativa de integração entre as expectativas de sucesso da cooperativa no mercado e as expectativas de eqüidade interna no grupo, na valorização do trabalho e das diferenças de todos os cooperados. Esta ambigüidade vivida pelos membros da cooperativa constitui uma dinâmica própria para as relações de trabalho e passa a ser a base a partir da qual os cooperativados estabelecem um discurso sobre a cooperativa e a organização do trabalho.

Apesar de observarmos no nível conjuntural as incompatibilidades entre esses dois modelos econômicos, é no nível grupal onde se encontra o desafio central da proposta de transformação social. Observa-se aí, no grupo, a necessidade de um estudo que procure compreender o fenômeno da ambigüidade no contexto dos conflitos e tensões grupais na dinâmica da mudança e da reprodução social, e nas estratégias presentes na busca de dar unidade e sentido ao grupo. Algumas estratégias apresentam ambigüidade porque buscam conciliar as contradições entre os ideais de competitividade e os ideais de solidariedade dentro de um projeto cooperativo.

Bornhein96 enfatiza que “a complementaridade não é inconciliável com a idéia de conflito, ela é até mesmo a condição da própria possibilidade de conflito. Digamos então que todo problema se concentra no modo como se verifica a complementaridade, ou no modo como se verifica o conflito”. Esta indiferenciação, portanto, garante uma homogeneidade que oferece elementos para o grupo se assegurar de que há uma coesão interna que garantiria o sucesso do projeto.

O mal-estar causado pela indiferenciação entre os princípios de solidariedade e competitividade pode ser tencionado a ponto do grupo optar por outras formas de organização interna na resolução deste conflito, como a dicotomia entre os grupos, a exclusão daqueles que são minoria e divergem do grupo, e a permanente negação da diferença. Estas estratégias colocam em risco algumas práticas de auto-gestão pois não dá conta de trabalhar os conflitos e não oferecem sustentação ao grupo, causando desagregação e fragmentações. A ambigüidade gerada é suportada pelo grupo enquanto seus membros parecem acreditar ser necessário minimizar as diferenças entre os cooperados para garantir a coesão interna.

Os ideais de solidariedade e competitividade na Economia Solidária, embora conflitantes, podem ser articulados dentro de uma complementaridade, que pode ser verificada na forma de uma ambigüidade que opere para dar coesão e unidade por meio de uma indiferenciação entre estes princípios opostos. O estudo das indiferenciações presentes nos elementos ambíguos dos discursos dos cooperativados pode se constituir uma abordagem analítica das estratégias de

96 BORNHEIN, Gerd Alberto. Tecnologia e política. Revista Universidade e Sociedade, Brasília, ano 1, n. 1, p.08-12, 1991. p. 10.

negociação de conflitos e paradoxos inerentes a uma proposta desafiadora como a Economia Solidária. O estudo da ambigüidade pode revelar a forma como a complementaridade e o conflito operam na dinâmica do grupo que busca construir uma proposta pautada nos princípios da Economia Solidária.

Se a Economia Solidária por um lado propõe uma transformação social e econômica, operando dentro de um novo paradigma que busca superar o capitalismo e a injustiça social, ela pressupõe, por outro, a necessidade de adaptação da cooperativa ao mercado porque busca se inserir no sistema capitalista para gerar trabalho e renda.

Esta dupla tarefa da Economia Solidária a diferecia do capitalismo, e é neste contexto de duplicidade que os membros da cooperativa constroem suas práticas e seus discursos para realizar seus objetivos no projeto.

A atividade política da autogestão requer a conscientização das contradições inerentes a um projeto que se quer transformador das relações de trabalho na sociedade. Este processo de conscientização é necessário para que os discursos e as práticas que estão surgindo neste contexto de trabalho não reproduzam práticas de dominação e exploração e dêem possibilidade de criar novos sentidos para os cooperados, caso contrário podem gerar alienação e aumentar o sofrimento e dilemas no convívio social. Este processo dialético de conscientização pressupõe a distinção dos fatores e argumentos entre os princípios da Economia Solidária e do capitalismo.

A Economia Solidária surge como proposta de transformação das relações de trabalho, visando a emancipação dos trabalhadores e a superação da concepção capitalista de desenvolvimento econômico, social e político. Portanto, a Economia Solidária está envolta no debate acerca das políticas públicas, da questão social e das concepções de desenvolvimento econômico no Brasil. Visando analisar a proposta da Economia Solidária neste contexto, este trabalho procura pontuar algumas questões referentes às diferentes concepções de política social para pensar o significado da Economia Solidária no debate das concepções teóricas de política pública no Brasil.

As contradições e dualidades presentes no regulamento da democracia nos mostram como o Estado e o mercado atuam de forma conjunta na manutenção da ideologia capitalista, assim como legitimam as práticas de manutenção do sistema democrático da forma como está instituído: representativo, privilegiando grupos com maior poder econômico e imersa em contradições sociais. O ponto de vista liberal acerca da questão “social” revela a ideologia que mantém o atual retrato das políticas públicas no Brasil. Por outro lado, existem resistências que se consolidam por meio de propostas de ação social, alguns visando a minimização da desigualdade, das condições de pobreza e de alternativas de trabalho; e outros visando ainda a transformação do sistema capitalista e a consolidação de um Estado Democrático com valores mais coletivos.

O Estado não é um espaço homogêneo, pelo contrário, suas contradições, lutas de poder e ideologias estão sempre atuantes. Estas contradições também estão presentes na forma como são planejadas, executadas e avaliadas as políticas sociais no Brasil. Por exemplo, por um lado, a democracia se consolida por meio de políticas públicas que visam universalizar direitos e de outro,

decisões políticas que privilegiam sistemas financeiros e grandes empresas combinando com políticas sociais isoladas, fragmentadas ou assistencialistas.

Desde a constituinte é demandado do Estado que assuma e desenvolva de maneira mais eficiente políticas públicas que visem a redução das desigualdades e a promoção de políticas de desenvolvimento social e econômico. A novidade na década de 90 foi ter tornado os projetos de políticas públicas em projetos descentralizados e organizados por uma esfera pública não-estatal, como as organizações não governamentais, com propostas de participação cidadã, de voluntariado contemporâneo, de movimentos de responsabilidade social, assim como as redes sociais para indução e estímulo ao desenvolvimento.

Podemos perceber, principalmente por meio da Constituição Federal de 88, que o sistema jurídico prima por um discurso formal universalista, entretanto esta proposta não se concretiza de forma substancial em nossa sociedade, profundamente desigual e politicamente plural. É neste contexto contraditório que a Economia Solidária se institucionaliza como política pública, defendendo a proposta de transformação social e econômica por meio de uma nova forma de organizar as relações de trabalho. Assim, a Economia Solidária procura disseminar sua proposta por meio de projetos que tenham como forma de organização a autogestão, apoiados nos princípios de solidariedade, para alcançar a emancipação dos trabalhadores. E neste contexto múltiplo, esta proposta se complexifica nas experiências concretas dos trabalhadores.

Este trabalho enfoca o estudo de uma experiência cooperativista, suas dinâmicas e conflitos para instituir um projeto comum. Portanto, a fundamentação teórica deste trabalho procurou integrar os estudos das micro-relações grupais às questões teóricas acerca da Economia Solidária enquanto proposta política. Assim, a fundamentação teórica aborda a definição do conceito de ambigüidade (capítulo 1), sua presença nos estudos sociológicos e psicossociológicos (capítulo 2), e na multiplicidade de sentidos na Economia Solidária com um breve histórico da proposta (capítulo 3).

3 DISCUSSÃO TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICA INTERDISCIPLINAR DO CONCEITO DE