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CATEGORIZAÇÕES DA AMBIGUIDADE NA LINGUISTICA E NA FILOSOFIA

3 DISCUSSÃO TEÓRICO-EPISTEMOLÓGICA INTERDISCIPLINAR DO CONCEITO DE

3.2 CATEGORIZAÇÕES DA AMBIGUIDADE NA LINGUISTICA E NA FILOSOFIA

No estudo da linguagem, as ambigüidades aparecem como construções discursivas que buscam dar unidade e coerência a conteúdos políticos, sociais, afetivos e emocionais díspares. As

104 SILVA, T. T. da; HALL, S.; WOODWARD, K. (Orgs.). Identidade e diferença: a perspectiva dos estudos culturais. Petrópolis: Vozes, 2000.

descrições de Empson106 e Kris & Kaplan ajudam a compreender e discriminar este fenômeno nos

primeiros estudos sobre a ambigüidade nas análises lingüísticas.

Para Empson107 a “ambigüidade significa uma indecisão a respeito do que se quer dizer, uma intenção de querer comunicar várias coisas, uma probabilidade de que se queira expressar uma ou outra ou ambas as coisas, e de que a declaração tem vários significados”. Na opinião do autor pode ser útil querer separar e diferenciar os pontos ambíguos, mas é provável que esta tarefa traga mais problemas do que soluções para o pesquisador pois a ambigüidade é em si mesma uma expressão do sujeito que produz a ambigüidade.

Empsonfoi um dos primeiros autores a categorizar a ambigüidade, separando-a em sete tipos de acordo com sua função lingüística: no primeiro considera a ambigüidade como a presença na frase de alguns detalhes que possibilitam vários caminhos pois são acompanhadas de diversas possibilidades, antíteses com diversos pontos de diferença no texto, adjetivos comparativos e metáforas implícitas e outros; o segundo tipo é quando a ambigüidade possibilita dois ou mais significados bem resolvidos em uma mesma frase ou termo; no terceiro tipo dois ou mais significados desconectados são dados simultaneamente, fazendo referência a mais de um universo discursivo; no quarto, significados alternados se combinam para esclarecer um estado complicado da mente do autor; no quinto é a criação criativa, quando o autor descobre sua idéia no ato da escrita ou não esperava por ela; no sexto o que é dito é contraditório ou irrelevante e fica a cargo do leitor fazer uma interpretação; e finalmente, no sétimo, é uma imensa contradição, marcando uma divisão na mente do autor.

O autor enfatiza alguns aspectos, pois para ele a ambigüidade tem diferentes funções na linguagem poética: 1) Uma função multidirecional de um termo ou de uma estrutura gramatical. Ocorre quando alguns detalhes da frase possibilitam diferentes interpretações, podem ser comparadas com diversas possibilidades, antíteses, com diversos pontos de diferença, assim como com adjetivos comparativos, metáforas implícitas e outros significados sugeridos pelo autor no texto; 2) Uma fusão de dois ou mais sentidos em um só sentido, estes dois ou mais significados são bem resolvidos em um único termo; 3) Uma paronomásia, ela permite que dois sentidos aparentemente desconexos ocorram simultaneamente. São formações de generalização quando existem referências para mais de um universo discursivo; 4) quando existe uma discordância entre dois ou mais sentidos que se combinam, mas que servem para tornar claro o estado de espírito do autor; 5) É uma descoberta criativa que o autor faz das suas idéias enquanto escreve, ele não tem consciência imediata dessas idéias; 6) Uma produção contraditória ou irrelevante de enunciados que deixam ao leitor a tarefa de inventar uma interpretação, correndo o risco de fazê-lo de forma contraditória; 7) Uma contradição ampla que marca uma divisão na mente do autor.

Empson108 enfatiza o papel do autor da ambigüidade, o sujeito que produz o discurso, pois para ele a linguagem deve ser unitária por ser formada por unidades e portanto em si mesma a

106 EMPSON, William. Seven types of ambiguity. London: Peregrine, 1963. p. 5. (Tradução nossa). 107 EMPSON, William. Seven types of ambiguity. London: Peregrine, 1963. p. 5. (Tradução nossa). 108 EMPSON, William. Seven types of ambiguity. London: Peregrine, 1963.

linguagem é unívoca, mas o sujeito interpreta, e a relação entre as unidades que cada sujeito constrói que possibilita interpretações diversas.

A ênfase de Empson109 é o estudo da forma poética da ambigüidade. As relações entre as unidades possibilitam interpretações e conformações coesas diversas. Mesmo que exista uma unidade de sentido, não significa que exista uma única possibilidade de interpretação. Assim como a poesia, o humor se produz a partir deste mecanismo, principalmente do duplo sentido. Portanto, a ambigüidade é a possibilidade lingüística de criação poética e humorística.

Para Kris e Kaplan110 o que caracteriza a ambigüidade é sua falta de rigidez na produção de sentidos. Como não há rigidez de significado na ambigüidade, não há uma constância na resposta, portanto a interpretação dada pelo sujeito pode ser imprevisível. A multiplicidade de significados entra em relação variada entre si, pois os significados podem se diferenciar, podem ser conflitantes, como podem se complementar. Porém, na ambigüidade, a capacidade de discriminação está diminuída, mesmo que o intérprete tenha certeza de que sua interpretação está “correta”, existem outras possibilidades que ele não considerou.

Kris e Kaplan111 categorizam a ambigüidade de acordo com esta categorização:

Disjuntiva: “quando separamos significados como alternativos, excludentes entre si e reciprocamente inibidores”. Mesmo podendo ser interpretada de duas maneiras, estas são excludentes entre si. É também usado em discursos político para iludir a censura, e na interpretação dos sonhos pois o significado latente muitas vezes exclui o significado manifesto. Por exemplo a frase “as mulheres trabalham melhor do que os homens”, pode ser interpretada como uma certeza entre as mulheres, porém, analisando o contexto percebe-se como um esforço para o reconhecimento do trabalho feminino na cooperativa, expressando a busca deste reconhecimento.

Aditiva: um significado inclui o outro, eles se sobrepõe. Por exemplo, o termo sucesso na cooperativa pode significar: ter crescimento econômico, ter abundância, estar funcionando bem, deixar algo para os filhos e para a comunidade, ter ⁄ receber cada vez mais associados, ficar “rico”, conseguir se manter no mercado, se tornar conhecido ⁄ reconhecido na sociedade, provar que é capaz.

Conjuntiva: “quando dois significados estão efetivamente juntos na interpretação. A ambivalência é uma ambigüidade conjuntiva quando respostas antitéticas são evocadas simultaneamente”.112 Por exemplo, na frase de um cooperado sobre quem deveria entrar na cooperativa: “é difícil, pra fazer uma peneirada pra escolher só os bom, não tem como, pra começar ninguém é bom”. Ao mesmo tempo em que se afirma que só pode entrar “os bom”, o cooperado afirma que “ninguém é bom”, expressando uma ambivalência em relação aos membros

109 EMPSON, William. Seven types of ambiguity. London: Peregrine, 1963.

110 Apud BLEGER, José. Simbiosis y ambigüedad: estudio psicanalítico. 3. ed. Buenos Aires: Paidós, 1975. p. 287. 111 Apud BLEGER, José. Simbiosis y ambigüedad: estudio psicanalítico. 3. ed. Buenos Aires: Paidós, 1975. p. 287.

(Tradução nossa).

do grupo. Neste tipo são incluídos também os processos de condensação dos sonhos e os chistes.

Integrativa: “quando múltiplos significados se evocam e se sustentam um ao outro. Falando em termos de gestalt, na ambigüidade disjuntiva existem vários campos desconectados entre si; na conjuntiva, vários campos se conectam porém permanecem distintos; na integrativa, se reconstituem ou se integram em um significado curto e complexo”.113. Um dos exemplos é a fala de um cooperado: “eu fui falar as coisas, ensinar, não falar..., nem mandar, porque eu falei “não é mandar, e nem..”, que eu não mando em ninguém, só que pedi né, com educação” (Miguel). O uso de diferentes significados para dar sentido à sua ação busca expressar e diferenciar seu significado para si mesmo e para os outros membros da cooperativa.

Projetiva: as respostas variam de acordo com o intérprete; o sentido fica vago e quem impõe um significado é o intérprete. Esta fala parece exemplificar essa ambigüidade: “na cooperativa além da amizade ... você conhece a pessoa e conhece a alma dela” (Miguel). O significado de “conhece a alma” dependeria de cada interpretação, podendo significar: conhecer as intenções, conhecer os sentimentos, conhecer a história e as percepções, etc.

Estas diferentes categorizações podem ajudar a compreender como a ambigüidade pode ser analisada no discurso em suas unidades de sentido.

Outra classificação lingüística da ambigüidade é apresentada por Silva,114 em seu trabalho

de categorização do fenômeno. O autor apresenta uma taxonomia das ambigüidades no uso da linguagem, criando um quadro onde apresenta as diferentes possibilidades de ambigüidade:

Quadro 2 – Um modelo de categorização da ambigüidade “Taxonomia Enumerativa das ambigüidades na Língua Portuguesa”.

Fonte: Silva (2006).

Este quadro apresenta uma sistematização do estudo da ambigüidade na análise linguística, mas esta classificação pouco contribuir para pensar a ambigüidade como fenômeno social pois fica restrita às unidade semânticas: termos, frases, sem relação com o contexto e seu

113 BLEGER, José. Simbiosis y ambigüedad: estudio psicanalítico. 3. ed. Buenos Aires: Paidós, 1975. p. 288. 114 SILVA, Lúcio Buzon da. Ambigüidades da língua portuguesa: recorte classificatório para a elaboração de um

modelo ontológico. 2006. 135 f. Dissertação (Mestrado em Ciências da Informação) - Universidade de Brasília, Brasília, 2006. p. 90.

sentido político, ideológico, cultural ou social. Estas análises formais com freqüência buscam compreender a ambigüidade com a finalidade de minimizar sua freqüência no discurso formal, principalmente jornalístico, jurídico e técnico.

Desde Aristóteles, em relação ao estudo da linguagem, houve estes dois mitos extremos: o da univocidade absoluta ou transparência da linguagem; e o da plurivocidade absoluta, onde não existe determinação. Entre estes dois, segundo Ferreira,115 pode-se ter uma abordagem “dialética”, que integram estas duas análises para compreender a linguagem como fenômeno social.

Empson, Kris & Kaplan e Silva oferecem classificações que enfatizam a ambigüidade do ponto de vista de uma análise lingüística que busca diferenciar e esclarecer a linguagem para melhor compreensão do enunciado e seu significado. Entretanto, para Ferreira116 a análise da ambigüidade precisa deixar de ser vista como um problema que precisa de solução para ser analisada como um modo de ser da língua.

Segundo Ferreira117 tem-se vários enfoques para analisar a ambigüidade. O primeiro é da ambigüidade como disjunção (“Ontem peguei o livro da cooperativa”, que pode significar o livro sobre a cooperativa ou o livro que estava na cooperativa, ou ambos), que reduz a ambigüidade a um mero “acidente de funcionamento do código”, onde a interpretação depende do contexto e do sujeito. Enquanto para os sujeitos falantes esta ambigüidade não causa espanto, para alguns lingüistas ela é um problema que deve ser solucionado.

O segundo é a ambigüidade como um “problema de recepção”, este problema seria decorrente da separação entre mito e realidade. Considerando que o emissor não é indeciso acerca do que deseja expressar, mas o receptor interpreta a partir de um lugar. Essa é uma concepção que considera que o receptor deve ter boa-fé na interpretação da mensagem. Implica em “sintonia com as intenções e necessidades que comandaram a enunciação de determinada mensagem”.118 Portanto, esta definição diferencia ambigüidade de obscuridade, embaraço ou

hesitação do emissor. Entretanto, devemos considerar que “a língua não visa sempre a estabelecer uma comunicação, ela serve também para não comunicar”.119 Por exemplo, um cooperado falando sobre o que significa todos serem donos na cooperativa: “Cada um faz na cooperativa o que quer”. O discurso tem outros objetivos além de expressar uma verdade explicitamente, pode ter como função a ironia, por exemplo. Para Pêcheux120 ver a língua como

115 FERREIRA, M. C. L. Da ambigüidade ao equívoco: a resistência da língua nos limites da sintaxe e do discurso. Porto Alegre: UFRGS, 2000.

116 FERREIRA, M. C. L. Da ambigüidade ao equívoco: a resistência da língua nos limites da sintaxe e do discurso. Porto Alegre: UFRGS, 2000.

117 FERREIRA, M. C. L. Da ambigüidade ao equívoco: a resistência da língua nos limites da sintaxe e do discurso. Porto Alegre: UFRGS, 2000.

118 FERREIRA, M. C. L. Da ambigüidade ao equívoco: a resistência da língua nos limites da sintaxe e do discurso. Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 61.

119 Pêcheux (1975) apud FERREIRA, M. C. L. Da ambigüidade ao equívoco: a resistência da língua nos limites da sintaxe e do discurso. Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 61-62.

instrumento a esvazia de seu papel histórico-social. Ou seja, a ambigüidade muitas vezes não é efeito do mau uso do sistema lingüístico formal, mas uma produção do sujeito social-histórico.

Uma terceira análise da ambigüidade concebe o fenômeno como “problema lingüístico”. Este enfoque vê a língua como um sistema de rede que dá suporte à expressão, que pode resolver suas lacunas e problemas, onde o sintático e o semântico se apoiariam para exclui qualquer lacuna que por ventura pudesse resultar em ambigüidades. É o enfoque que nega a produção histórica e contextual dos sentidos e significados. A indeterminação e o implícito devem ser banidos para que a linguagem seja clara e sem ambigüidades. Neste enfoque qualquer ambigüidade é percebida como um problema lingüístico no uso de unidades semânticas.

O quarto, e último enfoque, vê a ambigüidade como “estratégia discursiva”, assim ela se torna inerente a qualquer discurso como elemento constitutivo de poder. O problema é do implícito, é de deixar para o receptor interpretar conforme seu lugar. Em uma fala dos cooperados pode-se perceber o uso da “estratégia discursiva”: “eu fiz uma imagem pra ele, eu falei pra ele que valia R$ 300,00(trezentos reais) só pra ver o jeito dele. “Bom, se eu for pagar...”. Eu disse: “tá bom, depois você acerta com a dona [Marta] e o [Ambrósio] lá. Aí deixaram por R$ 150,00 (cento e cinqüenta), que ele quer pagar, deixaram pra ele. Ele queria que tivessem feito de graça, ai eu falei ai num dá, mais ele tá pagando”. Tadeu (2008/09) (N. D.)

Para que a língua seja estável e permanente é preciso considerar como pressuposto nas relações sociais uma “identidade de intenções e homogeneidade de representações”.121 Ou seja, segundo este enfoque, a ambigüidade existe porque existem conflitos psíquicos e sociais, e a ambigüidade na interpretação ou na expressão das idéias é a própria resistência de explicitação. Por exemplo, nesta fala de uma cooperada, que explica a relação com outro cooperado que quer ser presidente da cooperativa: “É, ele fala que é ele que manda aqui. Eu convidei ele pra vim pra cooperativa porque eu não queria que fechasse, porque ele tinha idéias. Lá em casa eu tava falando pra ele, ele: “ah se vocês quiserem eu assumo a cooperativa junto com vocês nós tira o pessoal velho e fica quem quer ficar e vamos assumir, ai eu vou levar um pessoal pra trabalhar”.” O conflito entre “assumir” a cooperativa surge a partir do momento que torna ambíguo o papel de um cooperado no grupo. Esta análise compreende que o uso equivocado da língua é uma estratégia ideológica, uma luta de poder. Pêcheux122 fala em “pontos de resistências e de revolta que se incubam sob a dominação ideológica”. Refere-se às determinações históricas e às posições subjetivas que constroem discursos e interpretações em uma certa direção, “direção esta determinada pela relação da linguagem com a história, em seus mecanismos imaginários”.123

121 FERREIRA, M. C. L. Da ambigüidade ao equívoco: a resistência da língua nos limites da sintaxe e do discurso. Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 66.

122 1982 apud FERREIRA, M. C. L. Da ambigüidade ao equívoco: a resistência da língua nos limites da sintaxe e do discurso. Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 67.

123 Orlandi, 1993b apud FERREIRA, M. C. L. Da ambigüidade ao equívoco: a resistência da língua nos limites da sintaxe e do discurso. Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 67.

Segundo Orlandi124 “Há um princípio na análise de discurso que afirma que “o indivíduo é

interpelado em sujeito pela ideologia”. É desse modo que a análise de discurso trata do assujeitamento, ou seja, do fato de que o sujeito está sujeito à (língua) para ser sujeito da (língua). Esta é sua ambigüidade constitutiva”. Ou seja, o sujeito é determinado pela relação dos sentidos que são para ele exterioridade em relação à noção de subjetividade (e de sujeito) autônoma, que determina o que é dito.

Ferreira se baseia também em Pêcheux,125 que considera a análise da ambigüidade como a possibilidade de explicitação de uma ilusão, a de que “sabemos o que dizemos”, para lidar com a “evidência do ideológico” no discurso.

Segundo Orlandi,126 “Pêcheux considera a linguagem como um sistema capaz de

ambigüidade e define a discusividade como a inserção de efeitos materiais da língua na história, incluindo a análise do imaginário na relação dos sujeitos com a linguagem”.

Pêcheux127 acredita que “as palavras, expressões, proposições... mudam de sentido segundo as posições sustentadas por aqueles que as empregam, o quer dizer que elas adquirem seu sentido em referência a essas posições, isto é em relação às formações ideológicas”.

Para Pêcheux,128 a pesquisa lingüística estaria “começando a se descolar da obsessão da ambigüidade (entendida como lógica do “ou...ou”), para abordar o próprio da língua através do papel do equívoco, da elipse, da falta...”. As análises da ambigüidade têm estas duas tendências: uma que a considera um erro, um problema que deve ser resolvido e defende o mundo como racional, lógico, onde não se admitem fendas, brechas, etc.; e a que admite o inesperado na linguagem, a possibilidade de (des)construir sentidos, perturbar a ordem do sistema discursivo, explicitar interpretações em sentidos implícitos e seguir outras regras discursivas na análise da linguagem. Não é necessário ficar entre os dois pólos destas tendências pois “a tensão entre liberdade e coação faz parte constitutiva do sistema, o qual contem em si tanto a possibilidade do jogo da/na língua quanto a necessidade de um ordenamento”.129

A construção dialética do sujeito social e de seu discurso enfatiza a importância do termo como fato social, Bakhtin130 defende que “cada palavra remete a um ou a diversos contextos, nos quais ela viveu sua existência socialmente subentendida. Todas as palavras, todas as formas, estão povoadas de intenções [...] a palavra do outro deixa de ser uma informação, uma indicação,

124 ORLANDI, Eni. A questão do assujeitamento: um caso de determinação histórica. Revista Com(ciência), n. 89, jul. 2007. p. 11. Disponível em <http://www.cienciamao.if.usp.br/tudo/index.php?midia=com&sort=autores&pag=4>. Acesso em: 01 dez. 2009.

125 PECHEUX, M. O discurso: estrutura ou acontecimento. 2. Ed. São Paulo: Pontes, 1997.

126 ORLANDI. Eni. Michel Pêcheux e a análise do discurso. Revista Estudos da Lingua(gem), n. 1, p. 9-13, jun. de 2005. Disponível em: <http://www.cpelin.org/estudosdalinguagem/n1jun2005/artigos/orlandi.pdf>. Acesso em: jun. 2009. 127 PÊCHEUX, M. Semântica e discurso: uma crítica à afirmação do óbvio. 2. ed. São Paulo: Unicamp, 1995. p. 160. 128 1988 apud FERREIRA, M. C. L. Da ambigüidade ao equívoco: a resistência da língua nos limites da sintaxe e do

discurso. Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 79.

129 FERREIRA, M. C. L. Da ambigüidade ao equívoco: a resistência da língua nos limites da sintaxe e do discurso. Porto Alegre: UFRGS, 2000. p. 80.

uma regra, um modelo, etc., ela procura definir as bases mesmas de nosso comportamento e de nossa atitude em relação ao mundo”.

Para Bakhtin131 o sujeito se constitui na interação com o outro, estas interações resultam em produções discursivas, desta forma o sujeito é uma posição social, que se define pela estrutura da sociedade e pelas formalizações discursivas que compartilha, entre os limites do dizível e do indizível, do explícito e do implícito, com sentidos pré-existentes que refletem ideologias constituídas no seu lugar social em uma relação dialética. As diferentes vozes formam um contexto onde convivem ambigüidades e contradições.

Segundo Ferreira132 quanto mais coerente o discurso mais ele nega aspectos sócio-

históricos fundamentais pois a “realidade” é múltipla e contraditória. Qualquer discurso que negue a ambigüidade é uma construção ideológica, podemos dizer até mesmo dogmática, da “realidade”. Ou seja, nesta perspectiva, é importante compreender a ambigüidade como fenômeno social e como o discurso ambíguo133 se vincula às práticas sociais do contexto onde é estudado.

Beauvoir134 considera a ambigüidade como uma condição humana, na qual “a subjetividade não se realiza senão como presença no mundo, esta liberdade engajada, este surgimento para-si que é imediatamente dado para outro [...onde] jamais meu projeto é fundado, ele se funda”. Ou seja, dizer que o projeto é ambíguo é dizer, para Beauvoir,135 “que seu sentido

não é jamais fixado, que deve ser conquistado sem cessar”.

Para Sena136 a ambigüidade ocorre em “um movimento ininterrupto entre e o sensível e o objetivo, o impessoal e o pessoal, a intuição e a linguagem, enfim, o mundo perceptivo e o mundo cultural ou humano”. Assim, o campo da ambigüidade possibilita a ressignificação de experiências, a reconstrução de projetos de vida e criação de novas estratégias. Não se trata, portanto, de avaliar sua manifestação como positiva ou negativa.

Para a fenomenologia, a percepção de um aspecto do mundo ocorre sempre a partir de um lugar, do qual o sujeito constrói seu ponto de vista e que traz consigo um fundo organizado espontaneamente, não necessariamente o sujeito é o autor deste fundo ou de seu sentido implícito, algo deste mundo se mostra sem nossa intervenção, ou seja, nosso olhar é construído e