• Nenhum resultado encontrado

BREVES CONSIDERAÇÕES SOBRE O WELFARE STATE

No documento Download/Open (páginas 38-42)

O Estado de Bem-Estar Social ou Welfare State teve suas bases criadas a partir da teoria de John Maynard Keynes9, a qual se fundamentava em uma política

8 Cf. Cap.1: Cidadania e capitalismo – uma abordagem teórica. (p. 9-50) 9

Filho de intelectuais britânicos, na adolescência, Keynes estudou em um colégio de aristocratas. Aos 19 anos, foi para a Universidade de Cambrigde, onde foi aluno de Alfred Marshall, famoso economista britânico. Destacou-se por suas ideias de intervenção estatal com o objetivo de garantir o pleno emprego. Sua principal obra foi “Teoria geral do emprego, do juro e da moeda”, publicada originalmente em 1936.

de Estado intervencionista e consolidou-se nas principais potências do Ocidente como uma opção para a recuperação dos países devastados pela Segunda Guerra Mundial e também pelos sintomas da “Grande Depressão” (crise de 1929), que gerou desemprego em massa e recessão com a falência de bancos, seguradoras e indústrias.

Também conhecida como teoria keynesiana, essa política propunha bem- estar econômico e social, por meio da defesa dos direitos dos cidadãos à saúde, educação, habitação, renda mínima, previdência social e seguro-desemprego. Para Keynes esse conjunto de bens e serviços deveria ser oferecido e garantido pelo Estado com base na ideia de que todo homem possui direitos imprescindíveis para a sua existência.

Muitas são as definições existentes, bem como são inúmeras e distintas as interpretações analíticas sobre as origens, a lógica e a evolução do Welfare State ou das políticas de bem-estar (MARSHALL, 1967a; 1967b; PRZEWORSKI, 1989; 1996; ARRETCHE, 1995; ESPING-ANDERSEN, 1991; 1995; DRAIBE; HENRIQUE, 1988; DRAIBE, 1993, 2013; MELLO, 2006; CANCIAN, 2007; PEREIRA, 2009; BENEVIDES, 2011; SAES, 2016, entre outros), haja vista as variáveis políticas, econômicas e sociais nas teorias que buscam sua explicação.

Arretche (1995) faz referências a algumas dessas variáveis: impacto do processo de industrialização, crescimento econômico e demográfico, legitimação do sistema capitalista, exigência própria da dinâmica capitalista; condições econômicas e sociais dos trabalhadores, direitos do homem, solidariedade e justiça social entre outras.

O Welfare State pode ser caracterizado como uma transformação do Estado devido à necessidade de serviços de segurança socioeconômica, isto é, serviços sociais, que buscavam garantir a sobrevivência das sociedades (ARRETCH, 1995). Tais serviços dizem respeito às ações do Estado no sentido de organizar e implementar políticas de proteção social. Trata-se, pois, dos direitos sociais incluídos na noção de cidadania.

A intervenção do Estado na economia e a oferta de serviços sociais variaram muito entre os países que adotaram o Welfare State. Segundo Cancian (2007) e Saes (2016), os industrializados do Primeiro Mundo construíram Estados de Bem- Estar mais extensos e mais bem-sucedidos do que os subdesenvolvidos.

Em face dessas diferenças entre os países, decorrentes de ordem cultural, histórica e da capacidade de mobilização social, Rodrigues (2010) cita o autor Esping-Andersen, que buscou explicitar a emergência dos Welfares States analisando-os a partir de variáveis10. Considerando, por exemplo, o modo como as ações governamentais estão relacionadas ao papel do mercado e da família, no que se refere à proteção social, o autor apresenta três tipos de modelos de Estado de Bem-Estar Social:

 Modelo Social-Democrata: no primeiro modelo, inspirado nos objetivos libertários do socialismo do século 19, o partido social-democrata teve papel preponderante na construção do Welfare State. Trata-se de um modelo – como na Escandinávia – que foi financiado com recursos orçamentários, cujo fim era promover a desmercadorização da força de trabalho e a redistribuição da renda. Nesse modelo a igualdade seria concebida de acordo com os melhores padrões de qualidade (e não de acordo com as necessidades mínimas), e os programas sociais ganham caráter universalista (ou seja, todos usufruem e todos são obrigados a pagar).

 Modelo Liberal: [...] em evidência nos Estados Unidos, no Canadá e na Austrália, estabelece, por sua vez, a universalização das oportunidades, com o objetivo de estimular a capacidade dos indivíduos para se autoprotegerem. [...]. As políticas sociais do modelo liberal são subordinadas a teste-de-meios, ou seja, o indivíduo que necessita de algum benefício tem de comprovar sua condição de pobreza.

 Modelo Conservador: já no modelo de Estado de Bem-Estar da Europa continental (Áustria, Alemanha, França e Itália), o legado conservador – especialmente da Igreja – e do corporativismo representaram um forte obstáculo às reformas de orientação social-democrata (universalista). Nesse contexto, os direitos sociais estariam diretamente correlacionados ao status do cidadão e os esquemas administrativos acabaram por promover a valorização das ocupações profissionais e da família. (ESPING-ANDERSEN apud RODRIGUES, p. 69-70, parênteses da autora)

Nesse contexto, e reafirmando as especificidades de cada país, Benevides (2011) descreve que não se pode afirmar que houve uma progressão linear ou uma convergência entre os muitos tipos nacionais existentes dos Estados de Bem-Estar Social, tanto na forma como eles se constituíram quanto no modo como se organizaram, pois cada país tem suas características próprias. Porém, guardadas as peculiaridades e diferenças – culturais, históricas, políticas e econômicas – em muitos países a evolução foi análoga, uma vez que obedeceram à trajetória de um contexto econômico e político mais amplo. Assim,

10

No item 1.3 desta pesquisa essas variáveis são avaliadas com mais detalhes sob a ótica de Esping-Andersen (1991;1994).

O Estado de Bem-Estar Social pode ser mais universalista ou focalizado, mais privatista ou estatizado, mais residual ou mais generoso na cobertura, assim como na diversificação dos benefícios e serviços sociais. Alguns modelos conseguiram reduzir a pobreza de forma substancial, de modo a garantir uma renda mínima àqueles que ficaram desprotegidos pelo mercado, enquanto outros têm deixado a população pouco protegida. Em relação ao financiamento e ao gasto social, as diferenças também podem ser encontradas. Os sistemas de proteção social costumam ser financiados por contribuições sociais de empregados e empregadores, mas os pesos relativos dessas contribuições, assim como a participação do Estado no financiamento do sistema, variam muito ao se analisar diferentes grupos de países. (BENEVIDES, 2011, p. 16)

O Welfare State foi desenvolvido por quase todos os países capitalistas e vicejou até o fim dos anos 1970, época marcada pela crise da instabilidade econômica, quando passou a ser substituído pelo neoliberalismo, política que preconiza a intervenção mínima do Estado no mercado, ou seja, o Estado Mínimo. O marco histórico do desmonte gradual do Estado de Bem-Estar inglês ocorreu a partir da política de privatização das empresas públicas, comandada pela primeira- ministra, Margareth Thatcher, que governou a Grã-Bretanha de 1979 a 1990. Outros países adotaram esta mesma política neoliberal, como por exemplo, os Estados Unidos, no governo de Ronald Reagan, em decorrência da dificuldade de equilibrar os gastos públicos com o crescimento da economia capitalista. (ibid.)

Draibe (2013) ressalta que é preciso compreender as correntes que levaram ao debate sobre a crise da política do Welfare State. A seu ver, alguns aspectos merecem ser analisados. Em primeiro lugar, a autora menciona a questão demográfica, isto é, o envelhecimento e os cuidados especiais aos idosos, que demandam desafios tanto para a previdência social quanto para a área da saúde. Na sequência, cita a nova estrutura familiar e sua diversificação, que engloba desde a família tradicional até as famílias sem filhos e, nesse contexto, ressalta a entrada da mulher no mercado de trabalho. Tais mudanças geram desafios para as proteções sociais, como por exemplo, o oferecimento pelo Estado de creches e de instituições para cuidar dos idosos.

Outro item abordado refere-se ao curso de vida e as relações com o trabalho. No passado, mais especificamente, na sociedade fordista, a divisão era nítida entre o período de formação, o período da vida adulta (trabalho) e o período pequeno da aposentadoria, uma vez que a expectativa de vida era menor. Na

atualidade, temos uma nova fase, que é a do acesso ao mercado de trabalho. Muitos jovens saem do processo de formação e não encontram emprego facilmente. Anteriormente, o trabalho representava a metade da vida das pessoas, enquanto que hoje equivale a cerca de 30%. (DRAIBE, 2013)

Esse é um dos grandes desafios para a proteção social, que antes era voltada para o adulto trabalhador e sua família e agora não se restringe mais apenas a aposentadorias e pensões, porque há uma parte longa da vida das pessoas que necessita de recursos e benefícios. Tais desafios já experimentados pelos países desenvolvidos, sobretudo os europeus, já se encontram na sociedade brasileira também. Convivemos com o desemprego de longa duração, com as novas estruturas familiares, com os grandes períodos de aposentadoria, com a dificuldade de os jovens conseguirem trabalho logo após a formação etc.

Desse modo, como proteger essa cidadania, que hoje tem longa trajetória de vida, questiona a autora. A resposta é que o sistema de proteção, em decorrência dessas mudanças, deve se adequar, se modernizar, se modificar.

Feitas estas considerações, neste momento da pesquisa interessa-nos a compreensão sobre os direitos e políticas sociais e o exercício pleno da cidadania. Assim, com base no Estado de Bem-Estar Social buscamos as aproximações conceituais a estes temas, presentes nos ensaios de Thomas Humfrey Marshall, nos apontamentos de Esping-Andersen, de Décio Saes e de Norberto Bobbio, apresentados pormenorizadamente, a seguir.

No documento Download/Open (páginas 38-42)