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PONTOS E CONTRAPONTOS DA TEORIA MARSHALLIANA

No documento Download/Open (páginas 64-76)

Para Saes (2016), o papel do cientista social deve ser o de ir além, de apurar se a globalização ou cidadania, como dois temas que ele aponta como em evidência na atualidade, “existem” ou não, ou seja, há que se avaliá-los criticamente, a fim de verificar o quanto eles recobrem processos sociais reais ou o quanto eles deformam tais processos.

De fato, se pensarmos nas transformações decorrentes da globalização, observamos a integração cada vez mais intensa e mais dinâmica das relações socioespaciais em nível mundial. Assim, as distâncias hoje são virtuais, a difusão do

conhecimento rompe barreiras antes intransponíveis, com destaque para os aparelhos eletrônicos, sobretudo para a internet.

Nesse cenário, o discurso sobre direitos humanos, cidadania e democracia são legitimados mundialmente e estes aspectos são, obviamente, positivos. Contudo, isso não significa que a globalização pode nos conduzir a uma sociedade única, pois esse processo também traz consigo a desigualdade social, no qual a cultura, valores e princípios dos diferentes territórios acabam sendo reproduzidos seguindo a ordem de uma ideologia dominante, como característica do capitalismo, que exerce controle sobre territórios menos favorecidos econômica e culturalmente.

Partindo desses pressupostos, no texto “Cidadania e capitalismo: uma abordagem teórica”, Saes (2016) analisa, em princípio, a cidadania de forma geral e sua evolução em uma sociedade capitalista; posteriormente, examina o desenvolvimento da cidadania política.

O autor inicia sua discussão com base no ensaio de T.H. Marshall, o qual continua, a seu ver, sendo referência teórica na reflexão do tema da cidade na sociedade contemporânea, mesmo após várias décadas de sua publicação15. Destarte, frente à proposta de examinar o conjunto das teses de Marshall sobre cidadania, ele o faz em uma perspectiva crítica no sentido de “chegar a uma visão algo diferente sobre a natureza e os limites da cidadania na sociedade capitalista.” (p.10)

A definição de cidadania do autor inglês é vaga e obscura, uma vez que para Marshall, cidadania é “a participação integral do indivíduo na comunidade política; tal participação se manifestando, por exemplo, como lealdade ao papel de civilização aí vigente e à sua herança social, e como acesso ao bem-estar e à segurança materiais aí alcançados.” (SAES, 2016, p. 10-11)

A questão, no entanto, é que Marshall não aborda as implicações teóricas dessa definição sintética e simplista e, ao que parece, apenas caracteriza a participação de todos os indivíduos na comunidade política, com os chamados direitos e deveres de um cidadão.

Marshall propõe uma classificação dos direitos individuais, enquanto indicadores de cidadania. Esta classificação estabelece critérios de reconhecimento

em três esferas: produção e trabalho; atividade política e consumo. Da consideração destas esferas “temperada com a observação histórica” (ibid., p. 11), resulta a conhecida classificação marshalliana dos direitos.

Saes (2016) examina os direitos elencados por Marshall:

[...] direitos civis, aqueles que concretizam a liberdade individual, como os direitos à livre movimentação e ao livre pensamento, à celebração dos contratos e à aquisição ou manutenção da propriedade; bem como o direito de acesso aos instrumentos necessários à defesa de todos os direitos anteriores (ou seja: o direito à justiça). São direitos políticos [...] aqueles direitos que compõem, no seu conjunto, a prerrogativa de participar do poder político; prerrogativa essa que envolve tanto a possibilidade de alguém se tornar membro do governo (isto é, a elegibilidade) quanto a possibilidade de alguém escolher o governo (por meio do exercício do voto). Finalmente, os direitos sociais equivalem, para Marshall, à prerrogativa de acesso a um mínimo de bem-estar e segurança materiais, o que pode ser interpretado como o acesso de todos os indivíduos ao nível mais elementar de participação no padrão de civilização vigente”. (ibid., p. 11-12, grifos nossos)

O autor destaca que, na ótica de Marshall, para a concretização desses direitos, não basta que eles sejam declarados e constem nas letras das leis. Os direitos civis, por exemplo, dependem de advogados e de verba para arcar com as custas dos processos, o que demanda uma assistência judiciária aos pobres. Já os direitos políticos dependem de a justiça criar condições concretas para o exercício de votar e de se candidatar. Os direitos sociais, por sua vez, só se concretizam se o Estado garantir o acesso a um mínimo de bem-estar e segurança materiais.

Muitos críticos consideram que Marshall ignorou nesses direitos a ocorrência de lutas populares, entretanto, Saes (2016) tece sua análise sobre o clássico de Marshall, alegando que não se trata de um déficit histórico e sim, de um déficit teórico, uma vez que Marshall não dispunha de um esquema teórico preciso que definisse “os papéis respectivos das classes trabalhadoras, das classes dominantes e da burocracia de Estado no conjunto de processo de criação de qualquer novo direito [...]”. (p. 13)

Marshall fez distinções entre as vivências de cidadania de sua época com o contexto das sociedades feudais, nas quais prevalecia um tratamento diferenciado do Estado para o cidadão, relacionando sua “classe social, função política e posição social da família de cada um, e não um status único e uniforme, típico da cidadania

moderna.” (ibid., p. 14). Isto se deu pelo processo de evolução institucional, tanto pela nacionalização quanto pela especialização das instituições.

Assim, Marshall, ao formular sua tese sobre a evolução da cidadania na Inglaterra, contextualizou os direitos civis, políticos e sociais em épocas diferentes, tal como segue: direitos civis implantados no século XVIII, direitos políticos no século XIX e direitos sociais no século XX. Saes (2016) identifica que, para Marshall, cada um desses direitos parece servir como ponto de apoio para a conquista do direito seguinte, isto é, uma conquista de direitos “em escada”, sugerindo, desse modo, a ideia de evolução de cidadania.

O autor inglês também correlacionou tal evolução com a implantação do capitalismo, quando ocorreu a livre participação de mercado, onde a instauração dos direitos civis permitiria aos indivíduos serem compradores ou vendedores da força de trabalho. Os direitos políticos e sociais, por sua vez, contribuiriam para a diminuição das desigualdades de classe, sem, no entanto, na visão de Marshall, que esses direitos entrassem em contradição com o capitalismo. Para Saes (2016), Marshall se inclinou para uma concepção subjetivista de classe social, caracterizando “a evolução da cidadania na Inglaterra como um processo de criação [...], de uma vasta „classe média‟ na qual todos se confraternizam, independentemente de sua posição no processo econômico (isto é, na esfera produtiva ou no mercado).” (p.15, parênteses do autor)

A tese de Marshall despertou polêmica nos âmbitos político e econômico: primeiro no que diz respeito à aplicabilidade, ou não, do seu esquema teórico a outros processos nacionais de cidadania, distintos do caso inglês. Em outras palavras, mesmo estando limitada à Inglaterra, a teoria de Marshall não continha argumentos teóricos satisfatórios no tocante à cidadania em sociedades capitalistas. Outra controvérsia dessa teoria, na visão de Saes (2016) refere-se à concepção idílica e otimista da evolução da cidadania, quer para a Inglaterra, quer para outras sociedades capitalistas, uma vez que “tenderia, por um lado, a ocultar as dificuldades e tensões inerentes a esse processo evolutivo, e, por outro lado, a apagar os limites impostos à expansão da cidadania pelo modelo capitalista de sociedade.” (p. 16).

Ao dimensionar os postulados teóricos marshallianos como “idílicos”, Saes (2016) afirma que o autor inglês subestima “o potencial do processo revolucionário

na destruição do status feudal” (p. 17) dentro da instauração da liberdade civil nesse país. Considera que a visão de Marshall sobre o desenvolvimento do processo de cidadania é evolucionista, e apenas isso, pois aborda o processo de instauração da cidadania inglesa somente pela fusão de instituições e pela separação das mesmas no plano funcional, deixando de lado tanto a Revolução puritana16 (1640) quanto a Revolução gloriosa17 (1688), ambas importantes na ocorrência de um salto qualitativo, ou seja, de uma revolução na cidadania. Marshall também

[...] não formula com clareza o papel específico das classes trabalhadoras no processo de formação e evolução da cidadania. E essa deficiência decorre, em parte, do fato de que esse autor, em compensação, superestima em termos práticos a iniciativa das classes trabalhadoras – classes dominantes e burocracia estatal – nesse processo. (SAES, 2016, p. 20)

Este autor reafirma a visão marshalliana do processo interno de cidadania, considerando-o como um processo “em escada”, uma vez que “a conquista de um elenco determinado de direitos serviria inequivocadamente como ponto de apoio ou degrau necessário à conquista do elenco seguinte de direitos.” (p. 18). No entanto, Saes (2016) estabelece que o processo de cidadania, no tocante às classes trabalhadoras, em uma sociedade capitalista, tende a ser dinâmica e progressiva, e ressalta que a produção capitalista tem caráter infinito e gera, de modo constante, novos produtos e novas necessidades. Desta maneira, Saes (2016) não concorda com a concepção de Marshall sobre a evolução da cidadania, compartilhando, pois, da opinião de outros críticos que apontam a abordagem do autor inglês como idílica e otimista.

Ao analisar as consequências do processo de instauração da cidadania, Saes (2016) argumenta que, sob o olhar da classe dominante, pairava uma “dinâmica contínua de criação de direitos que agiria em favor dos interesses da maioria social e em detrimento dos seus próprios interesses [...].” (p. 21). Ao que parece, as classes dominantes tentaram barrar esse desenvolvimento, por acreditarem que a organização das classes trabalhadoras colocaria em risco seus interesses sociais e políticos.

16

Conflito ocorrido na Inglaterra na década de 1640 entre a monarquia e o parlamento. Carlos I, rei do país, não aceitava a intervenção política dos parlamentares e, de forma autoritária, governava movido por seus interesses.

17

Movimento ocorrido na Inglaterra entre 1688 e 1689, no qual o rei Jaime II foi destituído do trono britânico. Também denominada de "Revolução sem sangue", pela forma deveras pacífica com que ocorreu, ela resultou na substituição do rei, católico, pelos protestantes.

Deste fenômeno de manutenção de empoderamento das classes dominantes, frente à possibilidade do desenvolvimento das classes trabalhadoras, ocorreu uma espécie de oposição a qualquer salto qualitativo para a igualdade, que acabaram por sufocar as demandas representativas da grande maioria dos trabalhadores.

Neste cenário, Saes (2016) reconhece que, em um sentido específico e bem limitado, Marshall tem razão ao afirmar que a cidadania civil prepara para a cidadania política, ou seja, sem a liberdade civil e sem o reconhecimento da igualdade não se tem ressonância para a liberdade política. Em outras palavras, a capacidade de ir e vir livremente e de celebrar atos de vontade coexiste com o reconhecimento da liberdade política.

Essa relação entre liberdade civil e direito político mostra-se deficitária na opinião de Saes (2016), uma vez que tal liberdade é condição necessária, mas não suficiente para a criação desse direito. Na verdade, “a instauração de tais direitos defendida pelas classes trabalhadoras, é sucessivamente postergada, ao longo do século XIX, por obra das disposições antidemocráticas das classes dominantes.” (p.22)

A questão dos direitos civis e políticos e seus processos intercorrentes avançaram pelo século XX e se superintensificaram a partir de 1930, com a classe dominante identificando os direitos sociais como uma “ameaça real aos direitos civis e políticos [...]” (ibid., p. 23). É nesse percurso complexo que o Welfare State se apresenta como uma dupla ameaça:

a) ameaça às liberdades individuais, na medida em que a intervenção estatal e o planejamento econômico-social implicariam o esmagamento dos objetivos individuais (os únicos dotados de uma existência legítima) por objetivos supostamente coletivos; b) ameaça ao funcionamento das instituições democráticas, na medida em que seria impossível o estabelecimento de um consenso em torno de algo mais que a necessidade de o Estado manter as condições essenciais à satisfação dos objetivos individuais, definidos em termos minimalistas. (SAES, 2016, p. 23)18

18

Considerações de Saes quanto aos exemplos extraídos das obras de F. Hayek (Os fundamentos

da liberdade e O caminho da Servidão) citados por Albert Hirschman. Este autor aborda a retórica da

reação e critica o esquema de Marshall ao analisar a argumentação dos ideólogos das classes dominantes, que buscam a ruptura do desenvolvimento da cidadania. Cf. HIRSCHMAN, A. Deux

Da mesma maneira, o que se nota é um aumento do ataque ao Welfare State, indicando uma crise da democracia em países como a Inglaterra, EUA entre outros, em função de um crescimento das despesas sociais.

A cronologia da implantação dos diferentes elencos de direitos anexados à noção de cidadania não tendem a ser igual ao caso inglês. A criação de soluções ou ações relativas à cidadania pode surgir como “um ingrediente importante da estratégia compensatória de um regime ditatorial em busca de legitimidade e de uma base social de apoio” (SAES, 2016, p. 25), como foi o caso do Brasil, no governo de Getúlio Vargas19. Nas sociedades latino-americanas, em sua transição para o capitalismo, o processo de organização relativo à cidadania tem sido intermitente, com avanços e recuos políticos e não representam um modelo de conquistas e evoluções contínuas. (ibid.)

A ocorrência dos avanços em um processo de cidadania não tem caráter irreversível, à medida que sofre ataques, confrontos e críticas aos direitos sociais a qualquer tempo das classes dominantes. Em se tratando de países capitalistas periféricos, esses ataques são mais bem-sucedidos e o leque de direitos sociais é bem menos amplo, pois “a resistência das classes trabalhadoras às políticas neoliberais é regularmente bem inferior.” (ibid., p. 25). Cabe destacar que, embora saibamos que a evolução dos direitos da cidadania não destrói o capitalismo, nem por isso estes são desejados pelas classes dominantes.

As revoluções políticas modernas foram também revoluções jurídicas, que determinariam a forma-sujeito de direito20, isto é, o Estado pós-revolucionário conferia, de acordo com Saes (2016), “igualitariamente a todos os homens a capacidade de irem e virem e se movimentarem livremente, bem como a capacidade de serem proprietários de bens e de si mesmos.” (p. 28). Desse modo, o Estado cria condições materiais e ideológicas, necessárias ao sistema capitalista.

A transformação revolucionária do direito criou as condições institucionais, sem as quais seria impossível a transformação do mercado de trabalho, o assalariamento em massa dos trabalhadores despossuídos e, consequentemente, a instauração de relações socioeconômicas especificamente capitalistas. (p. 28)

19

Em referência aos dois subperíodos da ditadura varguista (1931-1934 / 1937-1945).

20

O conceito de forma-sujeito de direito pode ser encontrado, de acordo com Saes (2016), em pesquisadores marxistas do direito (MIAILLE, 1982; EDELMAN, 1976, 1978).

Saes (2016) redefine, nesse contexto, a dimensão civil da cidadania, afirmando que ela deveria consistir na corporificação da forma-sujeito de direito, mas este é, a seu ver, figura abstrata. O autor explicita que essa corporificação não pode se referir apenas à redação da lei, mas à sua aplicação efetiva, por meio da qual juízes, tribunais e aparato repressivo viabilizam a representação dos trabalhadores em casos de processos. Em uma sociedade urbana de uma economia capitalista, os direitos civis tornam-se praticamente irreversíveis e, como condição de existência para o capitalismo, tais direitos devem permanecer e dificilmente regredirão. Por sua vez, a disseminação desses direitos para outra divisão da vida econômica-social, como o campo, por exemplo, é um processo moroso, porque o capitalismo tende a se desenvolver de maneira desigual na cidade e no campo.

Ao analisar os direitos vigentes em uma sociedade capitalista, o autor, em concordância com Marshall, afirma que estes não se limitam aos direitos essenciais à reprodução do capitalismo, isto é, aos direitos civis, uma vez que “são as lutas populares que instauram, numa sociedade capitalista, uma pressão objetiva sobre as classes dominantes e a burocracia estatal a favor da instauração dos direitos políticos e de direitos sociais (ambos contingentes à reprodução do capitalismo).” (SAES, 2016, p. 29, parênteses do autor)

No que se refere aos direitos políticos, o autor afirma que estes não são essenciais à reprodução do capitalismo, pois não se configuram como mecanismo de legitimação da ordem social capitalista. Essa legitimação decorre, sim, da estrutura jurídico-política capitalista, que não implica a existência de um Estado democrático.

O caráter contingente da relação entre estrutura jurídico-política capitalista e direitos políticos é confirmado, de resto, pela observação do processo histórico. Ao longo de todo o século XIX, sistemas eleitorais restritivos e antidemocráticos, que negavam direitos políticos à maioria social, mantiveram-se na quase totalidade dos países capitalistas. Além disso, algumas grandes nações capitalistas foram bem mais longe em importantes períodos de sua história no descarte da democracia e dos direitos políticos: ao invés de aterem- se às restrições eleitorais (de cunho censitário ou capacitário), deslizaram pura e simplesmente para o terreno da ditadura. (ibid., p. 30)

Já em relação ao capitalismo e aos direitos sociais, Saes (2016) esclarece que é por meio destes que a classe trabalhadora busca reproduzir sua capacidade de trabalho num nível compatível com o estágio alcançado pelo capitalismo.

Entretanto, pode-se imaginar “períodos de desqualificação relativa de grande parte das classes trabalhadoras e de consequente regressão nas suas condições de vida [...].” (p. 30), o que significa que nas sociedades capitalistas pode haver períodos de declínios ou mesmo de ausência dos direitos sociais conquistados.

Após as considerações sobre os direitos na sociedade capitalista, o autor retoma a dinâmica da evolução da cidadania, questionando como se passa da implementação dos direitos essenciais à reprodução do capitalismo para a implantação de direitos contingentes. Saes (2016) afirma que essa dinâmica relaciona-se com a dialética interna da forma-sujeito de direito instaurada em uma sociedade capitalista. Ressalta que, se por um lado, a corporificação da forma- sujeito de direito em direitos civis “cumpre, de fato, o que promete” (p. 31) ao conferir às classes trabalhadoras uma liberdade real de movimentos, por outro, cria uma “ilusão prática21”, ao apresentar a concessão efetiva de movimentos com uma concepção de igualdade entre os homens. Todavia, sabemos que as situações do capitalista e do trabalhador não são iguais, uma vez que a situação econômica em que se encontra o capitalista constrange o trabalhador, que se vê obrigado a aceitar as condições que lhe são impostas.

Assim, como resultado, as classes trabalhadoras buscam novos direitos numa perspectiva de redefinição de seus interesses materiais e, dessa luta por um tratamento igualitário, surge a instauração dos direitos políticos. Nesse sentido, novamente se observa uma “ilusão prática”, pois ao mesmo tempo em que esses direitos lhes são conferidos, com a ideia de que estão participando do exercício do poder político, nota-se uma defasagem entre o que é proclamado e o que é prometido pelo Estado. Decorrente destes aspectos, novas reivindicações ocorrem, demandando a implantação de alguns direitos sociais.

Nesse contexto, aponta o autor, a própria relação dialética da forma-sujeito de direito acaba possibilitando o surgimento de novos direitos, no entanto, em um sentido contrário, levanta-se a vontade política das classes dominantes visando diminuir os direitos vigentes já instaurados. Ao discutir a questão da cidadania

21

Expressão utilizada por Marx, que Saes (2016) utiliza para definir a ideia de que todos os homens, independentemente de sua condição socioeconômica, são iguais, quando, na verdade, trata-se apenas de uma declaração ilusória de igualdade, uma vez que a classe trabalhadora necessita continuamente reivindicar novas prerrogativas do Estado, mas só vê garantido um padrão material mínimo.

política marshalliana, Saes (2016) descreve que a “participação do povo no exercício do poder político não se concretizou nem mesmo nas democracias onde a esquerda chegou ao governo22 [...].” (p. 34)

Apesar das medidas reformistas adotadas por esses governos de esquerda, o poder político continuou nas mãos da classe capitalista – grandes bancos e empresas industriais – pois a economia gerada precisava estar dentro dos limites fixados por essa classe.

De forma semelhante, no que diz respeito aos poderios de força e de pressão da maioria social frente às necessidades do exercício da cidadania, comparativamente ao aparelho de Estado, o autor ressalta que “a capacidade de pressão da maioria social é cronicamente inferior à capacidade de pressão da classe capitalista [...].” (SAES, 2016, p. 37) em função das desigualdades da posse de recursos políticos (dinheiro, meios de comunicação, instrução superior etc). Saes (2016) acrescenta que essa desigualdade é determinada pela diferença socioeconômica, própria do capitalismo. Daí decorre que as decisões governamentais sejam, regularmente, favoráveis à classe capitalista.

O autor aponta para as limitações ao exercício da cidadania. Uma delas faz referência ao fato de que não existe, pela maioria social, um efetivo controle dos

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