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POLÍTICAS PÚBLICAS INTEGRADAS, INTERSETORIALIDADE E

No documento Download/Open (páginas 110-117)

Articuladas intimamente aos direitos sociais, as políticas públicas demandam um estudo reflexivo, tendo em vista a sua efetividade. Para que se concretizem com eficácia, os aspectos que permeiam sua execução, conforme já destacamos, têm a ver com definição da agenda, formulação, tomada de decisão, implementação e avaliação.

Entendemos que as políticas, quando fragmentadas, são ineficazes e, em sua maioria, não alcançam as metas propostas. Assim, devemos considerar que para a intersetorialidade das diversas políticas públicas municipais, bem como para a sua complementaridade, objeto de estudo desta tese, faz-se necessário compreender o processo de sua elaboração, implementação e execução.

Temos apontado ao longo desta pesquisa para o imprescindível envolvimento de vários setores sociais – educação, saúde, habitação, assistência social, cultura, transporte etc. – pois não podemos pensar um debate político sem a participação destes setores, quando a intenção é implementar políticas públicas com vistas ao desenvolvimento de ações que contemplem as necessidades cívicas. Em

relação às cidades, temos que pesar e ponderar sobre as particularidades de cada contexto, de cada região, enfim, das demandas sociais locais.

Em consonância com estes apontamentos, podemos citar as contribuições de Alves (2011), que considera como óbvia a relevância da articulação das políticas públicas. Na ótica deste autor, governos que não levem em conta “a inversão das prioridades podem até ser avaliados de forma positiva por tais setores, mas terão perdido a oportunidade de estimular uma mudança de qualidade em seus valores, que tenderão a permanecer presos à cultura paternalista e clientelista típica da sociedade brasileira.” (p. 7)

Alves (2011) remete suas considerações à dificuldade da construção de políticas públicas no Brasil quanto aos esforços favoráveis à cidadania e faz referência aos diversos estudos das áreas da História, Economia e Sociologia, que criticam os processos de modernização, os quais, apesar de criarem riqueza e serem responsáveis pela inserção do nosso país no quadro internacional econômico, mas que, ao mesmo tempo, deixam a desejar no que diz respeito aos direitos humanos, sociais e culturais.

O autor traz à tona, de modo retrospectivo, as contribuições do positivismo em relação aos benefícios políticos, mas alega que essa corrente não possibilitava a criação de espaços para as conquistas sociais, necessárias às políticas de bem- estar comum. Ressalta, nesse contexto, a falta de diálogo, de reflexão e de sentimento humanista:

A Ciência Positiva, muito importante na construção da República, tinha, evidentemente, arautos avançados, como se vê das propostas, mas nenhuma reflexão sobre as mediações entre a brutalidade colonial-escravista e o suposto regime de liberdade que inaugura o século XX brasileiro. Faltavam as passagens e diálogos entre as realidades do momento negado e do projeto a conquistar. Faltava um sentido humanista e esclarecido de gestão a ser implementado no Estado pretensamente moderno. Pior: perdia-se a liberalidade do discurso positivista no impulso claramente centralizador do Estado. (ALVES, 2011, p. 8)

Desse modo, durante o século XX, o país foi governado por um modelo autoritário. Assim, o discurso que negava os interesses do industrialismo, não deu garantia dos direitos concretos e cotidianos dos cidadãos e a capacitação destes para o exercício desses direitos (ibid.). Como exemplo, o autor cita a educação humanística para os mais ricos e o ensino profissionalizante para os pobres. Esse

processo educativo-cultural “foi determinante na divisão de classes sociais e nas fragmentações sociais dos territórios do país continental.” (ibid., p. 8)

Alves (2011) aponta, ainda, para a necessidade de um olhar coletivo para a universalização de direitos e para a igualdade de oportunidades e critica as políticas ideológicas do “mando e do favor”, que forjam as desigualdades sociais. Sugere, pois, a criação de políticas públicas indutoras de cidadania, de incentivo da cooperação público-privada e do terceiro setor com vistas ao desenvolvimento e à equidade social. Para tanto, ressalta a importância de se integrar as diversas políticas públicas na perspectiva do desenvolvimento local/regional, o que envolve a vontade política dos governantes, os movimentos sociais e o mercado produtivo.

Nessa mesma direção, Rossetto; Johson e Rossetto (2011) afirmam que são insatisfatórios os resultados que advém de decisões políticas centralizadas e que as alternativas devem estar voltadas ao campo das políticas regionais, pois a visão de desenvolvimento deve ser gestada “a partir de um princípio que reclama maior atenção para as forças locais, para o tecido sociocultural presente nas regiões e para a exploração de potencialidades em um ambiente favorável às inovações de todo o tipo [...].” (p. 21)

Estes autores apresentam exemplos bem-sucedidos de políticas de regionalização na Itália42, França43 e Reino Unido44. Apesar de utilizarem estratégias diferenciadas, as experiências desses países têm em comum “a integração de vários níveis de governo, a participação do setor privado e o encaminhamento das diretrizes e ações por meio de políticas públicas formuladas e implementadas de forma compartilhada [...].” (ibid., p. 25-26). Nesse contexto, o Estado assume uma co-responsabilidade ao elaborar, executar e monitorar as políticas de desenvolvimento regional, assegurando sua efetividade. Em relação ao Brasil, desde a Constituição de 1988, a inserção da descentralização ainda tem encontrado muitos obstáculos para uma integração entre as políticas públicas.

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Instituição de organismos públicos de administração local e empoderamento das regiões para a formulação e implementação de suas respectivas políticas de desenvolvimento.

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Apoio às iniciativas locais por meio de processo de descentralização dos contratos Estado-Região, dos contratos de localidades, do incentivo aos produtos locais e das grandes especializações com estratégia de apoio aos polos regionais pela combinação das políticas de reforço das metrópoles.

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Adoção da política New Labour, baseada na descentralização política. Proposição de soluções para as regiões por meio das Agências de Desenvolvimento Regional, Câmaras Regionais e Escritórios Governamentais.

Custódio e Silva (2015) ao analisarem a intersetorialidade e suas articulações com a descentralização, chamam a atenção para o fato de que:

A experiência brasileira já demonstrou que a fragmentação e a visão setorializada de políticas públicas é custosa e ineficiente, pois produz ações e resultados distantes da diretrizes e objetivos almejados. Por isso, a importância da intersetorialidade como ferramenta e mecanismo de gestão se mostra extremamente necessário, haja vista que não se pode pensar em construção de políticas públicas sem considerar a relevância da interação e integração dos diversos órgãos e instituições no compromisso comum de efetivação de direitos, garantindo-se, também, a participação social como requisito essencial de legitimidade das políticas sociais. (p. 3)

Nesse diapasão, estes autores consideram que as políticas públicas não devem visar apenas o mero crescimento econômico, mas também, o desenvolvimento humano. Buscando referendar esta afirmação, citam o Relatório do Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD):

[...] os países não podem depender apenas do crescimento. [...] a relação entre crescimento e desenvolvimento humano não é automática. Tem de ser forjada através de políticas em favor dos pobres que, no seu conjunto, contribuam para o investimento na saúde e na educação, a criação de mais postos de trabalho dignos, a prevenção da sobre exploração e do esgotamento dos recursos naturais, a garantia do equilíbrio de gênero e da distribuição equitativa da riqueza, e a prevenção da desnecessária deslocação de comunidades. (PNUD, 2013, p. 64-65)

Assim, as políticas públicas devem priorizar os investimentos nas políticas sociais básicas para “assegurar melhores oportunidades de desenvolvimento para as presentes e futuras gerações.” (CUSTÓDIO; SILVA, op. cit., p. 6)

Para tanto, compreendemos, concordando com os autores, que uma gestão integradora, que reúne profissionais especializados em áreas específicas, pode ser mais eficaz e alcançar as metas comuns voltadas às demandas sociais, uma vez que essa integração de órgãos, departamentos e pessoas pode vislumbrar o cidadão e suas necessidades, não de forma fragmentada, mas em sua totalidade.

Ao contrário, as políticas que se desenvolvem sob uma estrutura setorializada executam os serviços solitariamente

[...] embora as ações se dirijam à mesma criança, à mesma família, ao mesmo trabalhador e ocorram no mesmo espaço territorial e meio-ambiente. Conduzem a uma atuação desarticulada e obstaculizam mesmo os projetos de gestões democráticas e inovadoras. O planejamento tenta articular as ações e serviços, mas

a execução desarticula e perde de vista a integralidade do indivíduo e a interrelação dos problemas. (JUNQUEIRA; INOJOSA; KOMATSU apud CUSTÓDIO; SILVA, 2015, p. 7)

De acordo com Custódio e Silva (2015), a integração de políticas públicas está ligada à ideia de descentralização, isto é, à ideia da transferência da gestão dos serviços sociais para estados e municípios. Este é um tema que já faz parte da agenda política nacional desde os anos 1980.

Um importante trabalho nessa direção é a tese de doutorado da cientista social, Marta Arretche, intitulada “O processo de descentralização das políticas sociais no Brasil e seus determinantes”, de 1998. Nessa pesquisa, a autora analisou o processo de descentralização das políticas públicas de saúde, saneamento, habitação, educação e assistência social em seis estados de três regiões do país45: Bahia, Ceará, Pernambuco, São Paulo, Paraná e Rio Grande do Sul. No entendimento de Arretche, as desigualdades regionais e a fragilidade fiscal e administrativa dos municípios influenciam diretamente na implementação de políticas locais.

Para que um município possa assumir a descentralização com relativa autonomia, afirma a autora, é necessário um patamar superior a 50 mil habitantes, o que representa a necessidade de haver densidade social e econômica para gerir programas sociais. Além disso, os governos centrais, sob um Estado federativo pós 1988, têm soberania para aderirem à descentralização, desde que avaliados os custos e benefícios para esta tomada de decisão e com as devidas estratégias que visem uma boa suscetibilidade das ações. Em se tratando de governos municipais, a adesão à descentralização só ocorre se políticas federais e estaduais promoverem a capacitação dos municípios com oferta de redução de custos e política de incentivos.

Em artigo extraído dessa mesma tese, Arretche (1999) afirma que pode haver uma variação relativa às características de cada política particular que se pretende descentralizar, ou seja, custos operacionais da gestão, dificuldades de transferência em função de políticas anteriores e prerrogativas legais estabelecidas na Constituição.

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Paraná e Ceará obtiveram maior grau de descentralização, seguidos por Rio Grande do Sul, Pernambuco e São Paulo. Com menor grau encontra-se o estado da Bahia.

Estas variáveis – atributos estruturais dos governos locais e requisitos institucionais das políticas – são elementos decisivos do cálculo realizado por cada administração local com vistas à decisão de assumir funções de gestão em cada política particular. Quanto mais elevados forem os custos implicados na gestão de uma dada política e mais reduzidos os benefícios dela derivados, menor será a propensão dos governos locais a assumirem competências na área social. Simetricamente, quanto mais reduzidos os custos e mais elevados os benefícios implicados na descentralização da gestão, maior será a propensão dos governos locais a aderirem a um processo de (re)definição de atribuições. (p. 135)

Em que pesem os entraves à descentralização, decorrentes das particularidades de cada região, se houver estratégias desenhadas e implementadas de forma eficiente pelos governos nos seus diferentes níveis, tais obstáculos podem ser compensados. Assim, conclui a autora, esse aspecto contrapõe-se às análises que apontam para a descentralização como uma iniciativa apenas dos governos locais ou então, às expectativas de que basta liberar recursos para o sucesso da transferência de atribuições. Em outras palavras, para que sejam bem sucedidas, as políticas locais precisam contar com o apoio e com a adesão dos três níveis de governo. Nesse contexto, o papel do Estado se acentua novamente, pois:

[...] passado o furor inicial do Estado Mínimo foi possível evidenciar a necessidade da interferência estatal, para além da mera regulação e fiscalização. O papel marcante que o local e o regional assumem transfigura-se, na arquitetura estatal, nas crescentes investidas na tentativa de aprofundar os diversos aspectos da descentralização no processo das políticas públicas. (ROSSETTO; JOHNSON; ROSSETTO, 2011, p. 22)

De fato, não há como negar o importante papel redistributivo do governo federal, quando se trata de reduzir as desigualdades sociais, sobretudo no que se refere à formulação e à implementação de políticas públicas.

Segundo os autores, tais políticas devem considerar o desenvolvimento dos territórios. Rossetto; Johnson e Rossetto (2011) criticam o modelo desenvolvimentista46, adotado no Brasil há algumas décadas, no qual as ações eram

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Bresser-Pereira (2016) analisa a lógica do Estado desenvolvimentista no quadro das sociedades capitalistas. Para o autor, nos anos 1950 o "desenvolvimentismo" foi identificado por cientistas políticos e economistas brasileiros como sendo um conjunto de estratégias econômicas que tinham como finalidade direcionar a industrialização acelerada do Brasil e a coalizão das classes sociais consoantes com o desenvolvimento nacional: “o estado desenvolvimentista está associado às coalizões de classes desenvolvimentistas que comandaram a formação do estado-nação e a revolução industrial, ou, em outras palavras, a revolução capitalista.” (p. 3). Cf. BRESSER-PEREIRA. Modelos de Estado desenvolvimentista. 2016. Disponível em: http://www.bresserpereira.org.br/Texto- Discuss%C3%A3o/350-Modelos-Estado-Desenvovimentista-TD412.pdf Acesso em 15/10/2017.

“acentuadamente centralizadas e pouco flexíveis” (p. 26). Em contrapartida, enaltecem a crescente descentralização e o fortalecimento dos municípios no período posterior à Constituição, principalmente quando a estes é dada a autonomia para a execução de várias políticas e serviços. Chamam de “desenvolvimento sustentável” o processo que deve ocorrer nas localidades ou territórios representativos de espaços sociais justos e inclusivos, nos quais as pessoas possam ter acesso a serviços de saúde e educação, à boa alimentação, ao trabalho, à habitação, ao esporte e ao lazer.

É considerada como obstáculo a esse processo a falta de articulação entre as políticas setoriais de âmbito estadual ou federal e as ações e estratégias locais. Desse modo, torna-se nítida a necessidade de políticas cruzadas tendo em vista uma aproximação com aqueles que sofrem os impactos dessas políticas, isto é, a população, pois é ela quem vivencia os problemas sociais. (ibid.)

Embora reconheçam que houve avanço no fortalecimento dos municípios nas últimas décadas, Rossetto; Johnson e Rossetto (2011) afirmam que ainda falta um entendimento do que seja, de fato, a integração vertical das políticas, que se refere aos três níveis de governo, e a integração horizontal, que pressupõe a participação das organizações sociais e do setor privado. Para tanto, o respeito às diversidades culturais e territoriais tem de ser considerado e pessoas com qualificação profissional para uma assessoria técnica devem se encarregar das imprescindíveis intervenções, além, obviamente, do financiamento. Assim, para os autores, “a necessária apropriação ativa e consciente pela comunidade dos valores que promovam o desenvolvimento social e econômico de uma região é o alicerce da construção de uma sociedade mais igualitária.” (ibid., p. 31)

O modo de produção capitalista em que vivemos, produz e reproduz a exclusão social. Entendemos, portanto, que a discussão acerca de políticas sociais é fundamental, principalmente se quisermos buscar soluções para os diversos problemas sociais existentes. Em se tratando do processo inclusivo, a descentralização, a integração e a complementaridade das políticas pode ser um caminho, que por enquanto, ainda demanda muitos estudos e compartilhamento de saberes.

É relevante a observação de Habermas (2007), que nos permite atrelar as considerações que ora realizamos às alternativas por ele apresentadas para a

obtenção da igualdade por meio de processos sociais. Entre outros aspectos, o autor cita a descentralização funcional e específica das competências do Estado, as políticas de equiparação de oportunidades e as ações protecionistas das minorias.

O problema das minorias „inatas‟, que pode surgir em todas as sociedades pluralistas, agudiza-se nas sociedades multiculturais. Mas quando estas estão organizadas como Estados democráticos de Direito, apresentam-se, todavia, diversos caminhos para se chegar a uma inclusão „com sensibilidade para as diferenças‟: a divisão federativa dos poderes, uma delegação ou descentralização funcional e específica das competências do Estado, mas acima de tudo, a concessão de autonomia cultural, os direitos grupais específicos, as políticas de equiparação e outros arranjos que levem a uma efetiva proteção das minorias. (p. 172, grifos do autor)

Compreendemos, em face do exposto, que as políticas sociais devem ser pensadas como meio de atender as necessidades da população. Nesse sentido, importa-nos, sobretudo, a constituição de políticas públicas que considerem os problemas sociais em uma visão integrada.

Assim, as ideias aqui expostas, sobre intersetorialidade e descentralização, propõem ações coletivas no planejamento de políticas que busquem soluções para as demandas sociais locais/regionais. Trata-se de vislumbrar possibilidades para a melhoria das ações sociais, mesmo porque a complexidade dos problemas dessa natureza exige a lógica de uma gestão coletiva, sendo que esta, além de se mostrar mais eficaz, pode otimizar recursos e favorecer a construção de espaços sociais mais democráticos e igualitários.

Com base no que foi apresentado até o momento, abordamos, a seguir, como as políticas públicas devem se integrar e se complementar, especialmente quando se trata do processo inclusivo.

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