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2 Breves informações sobre a história de vida de Fernão de Oliveira e de João de Barros e breve síntese de suas

gramáticas

O que pretendo neste item não é traçar biografias dos dois gramáticos, mas depreender fatos biográficos que, provavelmente, se refletiram na vivência lingüística diferenciada de cada um, no que se refere ao português de sua época, já que, embora contemporâneos – Fernão de Oliveira nasce em 1507 e morre em 1580 ou 1581 e João de Barros é de 1496 e falece em 1570 ou 1571, vivendo ambos a sua maturidade no reinado de D. João III, que é coroado em 1521 e morre em 1557. Os fatos aqui selecionados se baseiam, fundamentalmente, no livro de M. L. Buescu – Historiografia da

língua portuguesa – séc. XVI (1984).

Fernão de Oliveira nasce em Aveiro, na Beira Litoral, passa a infância na região beirã, mas aos treze anos já é noviço no convento dos dominicanos de Évora, no Alentejo, convento que abandona em 1532. Vive, portanto, dos treze aos vinte e cinco anos nessa região. Dedica-se depois a lecionar jovens fidalgos, inclusive os filhos de João de Barros, do que se pode inferir que viveu na corte, em Lisboa. De 1540 a 1547 viaja pelo mundo, vivendo na Itália entre 1540 e 1543. Entre 1547 e 1557 é preso por duas vezes pela Inquisição, ou por tendências heréticas ou como cismático. Em 1565 ensi-

O Português Quinhentista - Estudos Lingüísticos

nava numa escola da ordem dos Espatários, em Palmela, ao sul de Lisboa, na Estremadura litorânea e recebia uma tença do jovem rei dom Sebastião. Assim, Beira, Alentejo, a corte lisboeta e Palmela, além das viajens por outras terras, delimitam o espaço conhecido no qual transcorreu a vida de Fernão de Oliveira.

João de Barros, de família fidalga, nasceu, provavelmente, em Viseu, na Beira Alta e, sendo bastardo e órfão, é aos treze anos acolhido nos Paços da Ribeira, centro da corte portuguesa de então, em Lisboa. Aí fará a sua carreira de alto funcionário do rei, desde a primeira função oficial, a de moço do guarda-roupa do futuro rei D. João III; em 1520 lhe outorgam o governo da Fortaleza de São Jorge da Mina, na África, cargo que parece não chegou a exercer. A partir de 1525 começa a trabalhar na Casa da Índia, primeiro como tesoureiro e, a partir de 1533, com o alto cargo de Feitor da Casa da Índia, o que exerce cerca de trinta e cinco anos. Em 1535, conce- deu-lhe o rei D. João III a Capitania do Maranhão, no Brasil, mas nunca a ela foi, enviando, associado a outros, uma expedição, que lhe foi desastro- sa por prejuízos econômicos e pela perda de dois dos seus filhos. Em 1567, retira-se para sua quinta, em Pombal, Beira litorânea, com avultadas tenças régias, mas insuficientes para os débitos contraídos com a expedição para o Maranhão, que seus herdeiros deveriam pagar, como recomenda no seu testamento. Assim, Beira Alta, Lisboa, Beira Litoral delimitam o espaço conhecido pelo qual transcorreu a vida de João de Barros, mais restrito, sem dúvida, que o de Fernão de Oliveira. Não se pode, contudo, deixar de ressaltar o fato de que, sendo funcionário da Casa das Índias, centro prin- cipal do comércio do império português, de 1525 a 1567, tenha convivido com falantes de variadas áreas e classes sociais de Portugal, além de africa- nos e asiáticos, que por ali transitaram, nesse momento histórico da ex- pansão portuguesa pelo mundo.

Como curiosidade histórico-lingüística, vale destacar que os primei- ros gramáticos do português são beirões, área central de Portugal, e aí passam a sua infância e início da adolescência, já que ambos, aos treze anos, coincidentemente, é que deixam a sua região natal, seguindo um para Évora e outro para Lisboa

Esses dados das histórias de vida de Fernão de Oliveira e de João de Barros permitem afirmar que adquiriram o seu vernáculo ou “dialeto de casa”, o primeiro no limite norte dos “dialetos meridionais” de Portugal e o segundo, em área dos “dialetos setentrionais”, deslocando-se depois ambos para áreas dos “dialetos meridionais” – Évora, Fernão de Oliveira e Lisboa, João de Barros – segundo as delimitações da Dialectologia do sécu- lo XX (cf. Lindley Cintra 1964-1971: 81-116).

Com essas breves notas pretendi esclarecer que tanto Fernão de Oli- veira como João de Barros teriam tido um conhecimento amplo da diversi- dade do português do seu tempo e, sem dúvida, isso se reflete nas suas obras gramaticais, filtrado, porém, pelas orientações distintas de cada um deles, que, resumidamente, podem ser delineadas, como a seguir:

Rosa Virgínia Mattos e Silva e Américo Venâncio Lopes Machado Filho (orgs.) a. A Anotação de Fernão de Oliveira se centra, fundamentalmente, na

análise do que hoje designamos de fonética articulatória, descrevendo as “vozes” do português e dando indicações para a sua representação gráfica (as “lêteras”). É considerado o primeiro foneticista, avant la lettre, do por- tuguês, com intuições fonológicas, como destaca Eugenio Coseriu, no estu- do antes referido. Ocupa com isso dez capítulos (VIII a XVIII) dos cinqüenta da sua obra. Ainda dedica nove capítulos à sílaba (XIX a XVII). Nos capítulos XXVIII e XXIX trata do acento de palavra. Do capítulo XXX ao XXXIX explo- ra as “dicções” ou “vocabúlo ou palavra, tudo quer dizer a mesma coisa” (cf. cap. XXX). O seu estudo aí se centra no que hoje chamamos de morfologia derivacional e lexicologia. Apresenta a sua classificação de natureza derivacional, à qual se segue, dos capítulos XXXVI ao XXXIX um estudo das “dicções”, que hoje se consideraria como de natureza histórica e dialetal, em que distingue usos regionais, estráticos ou sociais, etários e cultos, na termi- nologia atual. Do capítulo XL a XLIX (Da analogia) apresenta suas reflexões sobre a morfologia flexional do português e, no final, anuncia outro livro sobre a “construiçam ou composição”, ou seja, a sintaxe, obra que, se fez, não chegou ao presente, pelo menos, até agora.

b. João de Barros se centra nas “lêteras” e não nas “vozes”. Inicia sua

Gramatica com uma curta apresentação histórica da representação gráfi-

ca, com base, explícita, nos gregos e latinos, a que se segue um breve capítulo sobre a sílaba. Segue-se à Gramatica, no final, a sua Ortografia, primeira proposta ortográfica para o português, com regras sucessivas e sistemáticas para o uso de cada “lêtera”, finalizando com observações so- bre os sinais de pontuação. João de Barros ocupa quase toda a Gramatica, que não está numerada em capítulos, com a “diçam”, num enfoque, com base nas classes de palavras. Segue-se a essa classificação circunstanciada um capítulo que poderíamos chamar hoje de morfossintaxe, em que está subjacente a noção de função sintática. Apresenta, por fim, um longo capí- tulo, intitulado “Das figuras” – “figuras e viçios que assi na fala como na escritura cometemos” (1971[1540]: 357) – segundo a tradição explícita do gramático latino Quintiliano.

3 Avaliações lingüísticas explícitas depreendidas em

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