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A norma oral culta de colocação dos clíticos no português brasileiro contemporâneo

3 Perspectiva diacrônica: do presente para o passado Já dispomos hoje de uma série de trabalhos sobre a sintaxe dos clíticos,

3.1 A norma oral culta de colocação dos clíticos no português brasileiro contemporâneo

3.1.1 Orações não-dependentes 3.1.1.1 Absolutas/principais

a)Verbo em posição inicial – variável, com ligeira preferência pela colocação pré-verbal: 55%

• ME impressionou notadamente uma ... uma série de artigos do historiador e sociólogo Oliveira Viana SP. III. M

• Chama-SE esta mastectomia de mastectomia alargada SSA. II. F

b)Verbo precedido por sujeito nominal – variável, com ampla prefe- rência pela colocação pré-verbal: 90%

• O ameninado príncipe SE transforma num velho POA. III. M • O povo de Roma levantou-SE contra esta decisão SSA. III. M

c)Verbo precedido por sujeito pronominal pessoal – colocação pré- verbal categórica

• Eles SE classificam em: virgens de tratamento, PS, ou possivel- mente sensível, crônico I e crônico II SSA. I. F

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Note-se, porém, que, sendo o verbo precedido por sujeito pronomi- nal pessoal “lembrete” – por exemplo, em a glândula mamária, ela SE

acha constituída... SSA.II.F e em então, o homem, ele acha-SE... RE.II.F ,

a ordem do clítico na frase se apresentou variável, com ampla preferência pela colocação pré-verbal: 90%.

d)Verbo procedido por negação – colocação pré-verbal categórica

• Não ME parece que possa ser já POA. III. M

e)Verbo precedido por SADV ou SP adverbial – variável, com ampla preferência pela colocação pré-verbal: 88%

• Então, dessa maneira, SE faz diagnóstico SSA. I. F

• No prólogo do fi ... filme, lia-SE: “numa luta entre irmãos, não há vencedores nem vencidos” SP. III. M

f)Verbo precedido por oração subordinada adverbial – variável, com preferência pela colocação pré-verbal: 67%

• Quando... ah... se faz uma análise crítica de uma determinada ... determinada idéia, SE coloca não para derrubar RE. I. F

• Se você parou nesta fase, liquidou- SE o assunto RJ. III. M 3.1.1.2 Coordenadas

a)Aditivas introduzidas pelo conectivo E – variável, com preferência pela colocação pré-verbal: 64%

• E daí vocês façam o cruzamento e ME digam o que deu POA. I. F • Resolve, então, chamar o filho e pergunta-LHE POA. III. M

b) Adversativas introduzidas pelo conectivo MAS – variável, com pre- ferência pela colocação pré-verbal: 67%

• mas filmava-SE em São Paulo, no Rio SP. III. M • mas SE diz que uma face plana SSA. II. F 3.1.2 Orações dependentes

3.1.2.1 Com tempo

3.1.2.1.1 Desenvolvidas (completivas, relativas e adverbiais) — variá-

Rosa Virgínia Mattos e Silva e Américo Venâncio Lopes Machado Filho (orgs.) • Vamos dizer que o progresso SE deve a todos RE. I. F

• E temos visto, de fato, que a UNESCO ligou-SE SSA. III. M 3.1.2.2 Sem tempo

3.1.2.2.1 Reduzidas de infinitivo:

a)Não regidas por preposição3 – variável, com preferência pela colo-

cação pré-verbal: 71%

• Precisa SE manter a ... a cor da tez SP. II. F

• Nesse clima, não seria possível estabelecer-SE o desejo de uma contratação razoável RJ. III. M

b)Regidas por preposição4 – variável, com preferência pela colocação

verbal: 73%

• De acordo com a possibilidade que ele tem de SE recuperar SSA. I. F

• Ele pode atuar sobre a comunicação sem modificar-LHE o sentido POA. II. F

3.1.2.2.2 Reduzidas de gerúndio:

a)Não regidas por preposição5: variável, com ampla preferência pela

colocação pós-verbal: 82%

• Se, na mulher, se retiram os ovários, SE retirando, portanto, a fonte prod ... eh ... eh ... elaboradora de hormônio feminino, o ... as glândulas mamárias, elas se atrofiam SSA. II. F

• Colocam uma interpretação nas suas sentenças, fundamentando- SE em conhecimentos RE. II. F

A partir da análise dos resultados, podemos agora responder à ques- tão anterior: no Brasil, enquanto, na norma vernácula, a colocação dos clíticos é pré-verbal, na norma culta, em situação formal de comunicação oral, a posição dos clíticos é variável, na grande maioria dos contextos sintáticos. Os resultados acima apresentados podem ser assim sintetiza- dos:

• Total de contextos sintáticos analisados: 12

• Total de contextos sintáticos com regra categórica: 2

a) colocação pré-verbal: 2 contextos b) colocação pós-verbal: nenhum contexto

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a) preferência pela colocação pré-verbal: 9 contextos b) preferência pela colocação pós-verbal: 1 contexto

Para se explicar a variabilidade posicional dos clíticos na norma oral culta do português brasileiro contemporâneo, ou, mais restritamente, a manutenção de significativas freqüências da variante pós-verbal de coloca- ção dos clíticos, deve-se buscar não apenas o encaixamento social do fenô- meno – aqui caracterizado, fundamentalmente, a partir da ação exercida pela norma padrão difundida pelo sistema escolar sobre os usos lingüísticos dos indivíduos escolarizados –, mas também o encaixamento lingüístico, na medida em que a freqüência de ocorrência da colocação pós-verbal não é idêntica em todos os contextos sintáticos, passando do pólo extremo de freqüência nula ao pólo extremo oposto de regra categórica.

Segundo os resultados anteriormente apresentados, apenas um con- texto sintático – reduzidas de gerúndio não regidas por preposição – foi favorecedor da colocação maioritariamente pós-verbal do clítico (82%). To- davia, uma análise mais refinada permite destacar ainda alguns outros re- sultados que, à primeira vista, ficam encobertos. Assim, para além desse contexto, outro também deve ser destacado:

• a ocorrência da colocação categoricamente pós-verbal do clítico acusativo de terceira pessoa diante de infinitivo verbal não flexionado

Sobre o clítico acusativo de terceira pessoa, é sabido que a sua ocor- rência no português brasileiro contemporâneo é produto da ação da esco- la, já não sendo, portanto, esse clítico um elemento do vernáculo para nós. Os quadros a seguir, adaptados por Nunes (1993), a partir de Corrêa (1991), demonstram de forma incontroversa esse fato:

Série (%) Tipo de Objeto Adultos Analfabetos (%) 1 a/ 2a 3a / 4a 5a / 6a 7a/ 8a Univers. Total (%) Obj. Nulo 66,6 72,4 77,7 71,2 71,1 67,8 72,0 Pron. Tônico 25,6 24,1 8,6 19,1 20,1 7,1 18,2 NP Anafórico 7,6 3,4 3,6 7,4 7,6 14,2 8,3 Clíticos 2,1 0,9 10,7 1,3

Quadro 1: Objetos diretos anafóricos encontrados na fala (Corrêa 1991, apud Nunes 1993: 17) Série (%) Tipo de Objeto 1a/ 2a 3a / 4a 5a / 6a 7a/ 8a Univers. Total (%) Obj. Nulo 57,5 65,6 52,3 53,5 9,5 51,4 Pron. Tônico 7,5 6,2 15,3 10,7 9,8 NP Anafórico 35,0 18,7 13,8 5,3 4,7 15,4 Clíticos 9,3 18,4 30,3 85,7 23,3

Quadro 2: Objetos diretos anafóricos encontrados na escrita (Corrêa 1991,

Rosa Virgínia Mattos e Silva e Américo Venâncio Lopes Machado Filho (orgs.)

Entender a regra categórica de colocação pós-verbal quando o clítico acusativo de terceira pessoa ocorre junto a infinitivos verbais significa, pois, entender como um elemento não-vernáculo assume categoricamente uma posição não-vernácula, a posição pós-verbal, em um contexto morfos- sintático específico.

A resposta a tal questão não deve passar ao largo do fato de que a ênclise do clítico o(s), a(s) ao infinitivo permite a reestruturação do padrão silábico CV, constituindo-se, por assimilação ao morfema –r do infinitivo verbal, as variantes lo(s), la(s) do clítico acusativo de terceira pessoa; tal resposta, portanto, não deve passar ao largo dos processos de licenciamento do onset da sílaba do clítico acusativo de terceira pessoa. Por outro lado, inicialmente, pareceu também não dever passar ao largo da observação de que a seqüência infinitivo + clítico vai sempre corresponder a um vocábu- lo fonológico paroxítono. A importância explicativa do padrão acentual paroxítono parecia se confirmar, na medida em que as variantes no(s),

na(s) – como em Eles mandaram-no(s)/na(s) sair –, que também apresen-

tam o padrão silábico CV, não apresentam, na norma culta, a mesma fre- qüência das variantes lo(s), la(s): o vocábulo fonológico resultante nos contextos relevantes para a constituição das variantes no(s), na(s) do clítico acusativo de terceira pessoa será sempre proparoxítono. Na amostra lin- güística discutida neste trabalho, não houve sequer uma atestação das variantes no(s), na(s). Consi- derando-se a regra variável, com preferência maioritária pela colo- cação pós-verbal, em reduzidas de gerúndio, observa-se, contudo, que a seqüência gerúndio + clítico vai sempre corresponder a um vo- cábulo fonológico proparoxítono, o que nega a importância do pa- drão acentual paroxítono, anteri- ormente referida, para explicar que, diante de infinitos verbais, o clítico acusativo de terceira pessoa ocorra sempre em posição pós-ver- bal.

Finalmente, ainda quanto à ocorrência da colocação pós-verbal do clítico, vale mencionar a obser- vação de Mattoso Câmara (1979:254) de que, no Brasil, só seria espontânea em se tratando “da partícula pronominal se em

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perífrase verbo-pronominal para indicar uma atividade sem sujeito deter- minado”, como, por exemplo, em vende-se o livro, cuja interpretação se- ria o livro está à venda. Segundo esse autor, “a anteposição da partícula se ao verbo, associada à anteposição de um nome substantivo paciente, dá a esse nome substantivo uma função de sujeito ativo” (idem, ibidem); este seria o caso de o livro se vende, correspondente a o livro sai, o livro tem

boa aceitação do público. Ainda de acordo com Mattoso Câmara, o con-

traste entre estas duas construções já teria sido assinalado Said Ali, que, contudo, só o teria atribuído à anteposição/posposição do nome substan- tivo, sem atentar para a importância da posição ocupada pelo clítico se.

Passemos agora aos resultados obtidos a partir da descrição de um

corpus lingüístico do século XVI; o enquadramento histórico do problema

da ordem dos clíticos permitirá traçar as mudanças que se processaram entre as duas sincronias.

A norma de colocação dos clíticos que, a seguir, se vai depreender para o século XVI será objeto de comparação com a estabelecida como característica do português brasileiro oral culto contemporâneo. Qualquer comparação pressupõe, como é evidente, que os termos considerados se- jam relacionáveis. Daí, portanto, na constituição do corpus do século XVI, ter-se buscado selecionar textos que, além de não serem literários, permi- tissem uma aproximação da norma oral culta do português quinhentista. Com tal objetivo, constituiu-se, assim, um corpus com um conjunto de documentos extraídos da edição crítica intitulada Letters of the court of

John III, king of Portugal, realizada por J. D. M. Ford e L. G. Moffat (1933).

Tais documentos, abrangendo o período que se estende de 1524 a 1562, correspondem a cartas de familiares do rei D. João III e de personalidades de sua corte. A seguir a cada uma das ocorrências lingüísticas relativas ao século XVI, apresentam-se o número da carta da qual a ocorrência foi reti- rada e o ano em que tal carta foi escrita; o sinal de interrogação vai indicar que o ano de escrita da carta foi inferido pelos editores.

3.2 A norma culta de colocação dos clíticos no português

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