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1 Introdução explicativa

O

objetivo destas notas é identificar e arrolar avaliações lingüísticas

explícitas na “primeira anotação que Fernão d’Oliveira fez da Língua Portuguesa, dirigida ao mui manifico senhor e nobre fidalgo, o se- nhor dom Fernando d’Almada” ou “Grammatica da lingoagem portuguesa” (Torres e Assunção 2000: 79-155), impressa por Germam Galharde em Lis- boa, no ano de 1536 e na “Grammatica da lingua portuguesa” (Buescu 1971: 291-368), seguida de “Da ortografia” (id.: 369-389) e do “Dialogo em lovvor da nóssa linguágem” (id.: 390-410), obras de autoria de João de Barros, impressas por Luis Rodrigues em Lisboa, no ano de 1540 e dedicada ao “principe, nosso senhor” (id.: 292).

Destaco que são avaliações explícitas, porque há muitas informações implícitas, em que não me deterei, como, por exemplo, na seguinte passagem de João de Barros, na qual afirma: “Todo nome próprio se rége sem artigo” (1971[1540]: 316).

Afirmativas desse tipo, que se podem depreender tanto em João de Barros como em Fernão de Oliveira, permitem a inferência de que, no uso, seria possível ocorrer o nome próprio “regido” por artigo.

Ou informações interpretáveis, como, por exemplo, a do sistema arcaizante de quatro sibilantes, ainda vigente em 1536, quando Fernão de Oliveira, no capítulo XIII, descreve o “modo de pronunciar as consoantes” (Torres e Assun- ção 2000: 96-97).

Optei pelas informações explícitas, para não alongar este estudo, mas, sem dúvida, a exploração do implícito e do interpretável será extremamente significativa para o conhecimento do português da primeira metade do sécu- lo XVI, na visão dos dois primeiros gramáticos da língua portuguesa: Fernão de Oliveira, prioritariamente descritivista, no sentido que lhe dá a chamada Lingüística Moderna, como demonstra Eugenio Coseriu no seu estudo já clássico sobre esse gramático – Língua e funcionalidade em Fernão de Oli-

O Português Quinhentista - Estudos Lingüísticos

Reprodução da portada da Grammatica de Fernão de Oliveira

60). João de Barros, decididamente “preceitivo”, ou prescritivo, como se pode ver no prólogo de sua Gramatica, em que, depois de se referir à sua

Cartinha, isto é, “Cartilha”, diz –“Fica agóra dármos os preçeitos da nossa

Gramatica” (Buescu 1971: 292) e, logo no início, ao definir “gramatica e suas pártes” explica que as tratará “nam segundo convém á órdem da Gramatica especulativa, mas como requére a preçeitiva” (id.: 294).

O que aqui designo como avaliações lingüísticas remete para o

evaluation problem, ou seja, avaliações pelos falantes das variantes de

uma variável, da teoria laboviana da variação e mudança lingüísticas, já definido no texto inaugural dessa teoria – Empirical foundations for a

theory of language change (Weinreich, Labov, Herzog 1968: 181 e ss.). A

teoria laboviana aplica as avaliações lingüísticas, testando os usuários da língua em foco, na perspectiva do tempo aparente ou das diferentes gera- ções conviventes, mais recentemente, no tempo real, mas de curta dura-

ção. Quando se trabalha com o tempo real de longa duração, ou seja,

com estágios pretéritos de uma língua, não dispondo o pesquisador, como é óbvio, dos falantes vivos, pode-se recorrer a avaliações dispersas em fon- tes documentais de diversos tipos, entre elas, e muito significativo, o teste- munho matalingüístico dos gramáticos, embora assistemático e eventual. No caso da história passada da língua portuguesa, só a partir do sécu- lo XVI, viemos a dispor de

estudos sobre a língua. Só então o português se torna “metalinguagem sobre si mesmo”, na feliz expressão de Ivo Castro (1996: 167), não só com Fernão de Oli- veira e João de Barros, com os seus trabalhos inaugu- rais de gramatização do português, mas com os ortógrafos do fim do sécu- lo, Pêro Magalhães de Gân- davo com suas Regras que

ensinam a maneira de es- crever e a orthographia da lingua portuguesa com um diálogo que, adiante se se- gue em defensam da mes- ma língua de 1574 (Buescu

1981) e Duarte Nunes do Leão com sua Orthogra-

phia da lingua portuguesa

Rosa Virgínia Mattos e Silva e Américo Venâncio Lopes Machado Filho (orgs.) lingua portuguesa, já dos inícios do século XVII, 1606 (Buescu 1984: 166).

Além disso, dispõe-se ainda dos primeiros estudos lexicográficos do pri- meiro dicionarista do português, Jerônimo Cardoso, com os dicionários latim/português e português/latim, que tiveram edições sucessivas, a partir de 1552 até 1570 (Teyssier 1980: 38).

Assim sendo, a partir de 1536, diferentemente do que ocorria no perío- do arcaico do português, além da documentação remanescente do passado e dos estudos filológicos e lingüísticos, realizados a partir do século XIX, conta-se com preciosas, embora nem sempre precisas, e circunstanciais in- formações avaliativas, explícitas, implícitas e interpretáveis dos gramáticos, decorrente do processo, que se fez ininterrupto, a partir do século XVII, com a gramatização da língua portuguesa.

O que quero deixar claro é que, a partir do período moderno, para outros designado de clássico do português, que poderá ter como limite inicial 1536/1540, para os estudos histórico-diacrônicos de mudança lin- güística de longa duração na língua portuguesa, a companhia dos gramáticos se associará à base essencial desses estudos, ou seja, à documentação es- crita remanescente, nos seus originais manuscritos e/ou impressos ou em edições confiáveis para estudos lingüísticos, além, é claro, das teorias interpretativas que nortearão, como bússolas, as análises dos fatos lingüísticos do passado e suas mudanças no tempo.

2 Breves informações sobre a história de vida de Fernão

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