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estruturas atributivas transitórias: do século XIII a

2.1 Os dados quantificados

Buscarei distinguir os atributos transitórios do tipo locativo ([loc. trans.]) dos atributos transitórios descritivos ([desc. trans.]). Nos locativos tenho feito recortes mais estreitos de caráter semântico, como seja: a loca- lização propriamente dita, ou espacial; a localização temporal; a localiza- ção nocional; a localização geográfica, mas aqui tratarei os locativos em conjunto.

No texto que deu partida à pesquisa deste problema, a versão do século XIV dos Diálogos de São Gregório (DSG), já havia uma indicação clara de que a substituição de ser por estar começou nos contextos locativos e daí transitou ou se difundiu para os contextos descritivos. A análise da documentação quatrocentista (S. Netto 1989) confirmou o encontrado no século XIV e, recuando mais para o passado, o exame de uma extensa documentação ducentista (Mattos e Silva 1997) indicou, confirmando o encontrado no século XIV, que no século XIII a predominância de ser nes- ses predicados transitórios era maciça, mas estar ocorria nos dois contex- tos com relevante predominância nas estruturas locativas. No outro extremo dessa diacronia, 1540, já quase desaparecido ser nessas estruturas, estar ainda predomina nas locativas em relação às descritivas.

A Tabela 1 resume a transição diacrônica acima descrita, do séc. XIII a 1540. Antes, porém, para ilustração do problema, vejam-se os exemplos da variação em causa nos contextos selecionados:

(3) Locativas transitórias

a. Dementre no mundo era (DSG 2.1.4, séc. XIV). b. Cousas que derredor estavan (DSG 3.1.9, séc. XIV).

(4) Descritivas transitórias

a. Ca as donas que enton presentes foron, contaron-no aas outras (DSG 4.11.27, séc. XIV).

b. Fez sa oraçon estando el-rei presente (DSG 3.27.6, séc. XIV).

séculos contextos

XIII XIV XV 1540

/loc. trans./ ser 76% 29% 26% 7% estar 24% 71% 74% 93% /desc. trans./ ser 93% 92% 78% 16% estar 7% 8% 22% 84%

O Português Quinhentista - Estudos Lingüísticos

Os dados da Tabela 1 mostram o decréscimo de ser tanto nas locativas como nas descritivas do séc. XIII para 1540, sendo que nas locativas a difusão de estar sobre ser começou com taxas mais altas e assim se man- teve por todo o período até 1540 (de 24% para 93% nas locativas e de 7% para 84% nas descritivas).

Esses dados são indicadores de que a difusão ou transição pela estru- tura do verbo inovador partiu das locativas para as descritivas. Permitem ainda especular sobre o encaixamento da mudança na sua história pregressa:

estar tem como étimo de $%#"&!, ‘estar de pé’, e, nessa acepção, está docu- mentado no português até fins do século XIV, enquanto ser tem uma histó- ria de convergência dos verbos latinos $!'!"&!, ‘estar sentado’ – ainda em uso, nessa acepção, pelo menos até fins do século XIV – e esse, ‘ser’. Esse dado histórico-etimológico permite que se afirme que o traço /+transitó- rio/ é próprio, desde sua origem, a estar, enquanto em ser confluem o / +transitório/ de $!'!"&! e o /+permanente/ de esse. Não é, portanto, sem razão histórico-diacrônica o uso de ser, tanto expressando o atributo per- manente como o transitório e, ao definir-se a oposição no português, ter sido estar o verbo selecionado para expressar “propriedades de individual temporalmente limitado”, ou seja, a transitoriedade.

2.2 O exame qualitativo dos usos arcaizantes de ser como predicador

de atributos transitórios na Obra pedagógica de João de Barros

A análise qualitativa das ocorrências conservadoras ou arcaizantes de

ser em atributo transitório – total de seis – leva à reformulação dos dados

antes quantificados.

Das seis ocorrências arcaizantes de ser, três são de atributo descritivo e três de locativo. Nenhuma delas ocorreu na Gramática da língua portu-

guesa: duas de descritivo estão no Diálogo em louvor de nossa linguagem

e outra no Diálogo da Viciosa Vergonha, também nesse último texto es- tão as três ocorrências de locativo transitório.

São as seguintes as atestações de ser “conservador” no DLNL:

(5) E a este módo trastocou Deos o intendimento de tantas nações como foram presentes ao Sermán de Pedro 396, 3 (ADT).

(6) As plantas nóvas nam quérem logo o ferro ao pé; depois que sam duras e bem enramadas, entám lhe/s/ convém o podám, para âs desafogár 408, 6 (ADT).

e no DVV:

(7) Que culpa tem os hómens nos defeitos da natureza pois nam foram em sua mam, cá, das cousas que nos vem, per natureza, nem somos louvádos nem vituperados? 424, 11 (ALT).

Rosa Virgínia Mattos e Silva e Américo Venâncio Lopes Machado Filho (orgs.) (8) Peró, tanto que o imigo era na praça... aquela fúria de liám... se convertia em mansidam de cordeiro 45, 13 (ALT).

(9) “Serám estas palavras em vósso coraçám em todolos dias de vóssa vida” 437, 14 (ALT)

(10) “Senhor, ouvi a tua voz e escondi-me, porque era nu” 416, 9 (ADT).

As ocorrências (9) e (10) são citações de textos bíblicos. A primeira do

Deuteronômio e a segunda do Gênesis, identificadas e aspeadas na leitura

crítica pela autora da edição. Muito provavelmente João de Barros teria feito a citação por versões mais antigas da Bíblia, texto traduzido, copiado e recopiado em todo o período arcaico. Se essa interpretação for correta, as ocorrências arcaizantes se reduzem a quatro, duas de atributo descritivo e duas de locativo, o que levará a uma reformulação dos dados da Tabela 1, descendo para 5% os locativos transitórios com ser e para 11% os descriti- vos transitórios com esse verbo (cf. Tabela 1a):

séculos contextos

XIII XIV XV 1540

/loc. trans./ ser 76% 29% 26% 5% estar 24% 71% 74% 95% /desc. trans./ ser 93% 92% 78% 11% estar 7% 8% 22% 89%

Tabela 1a

Dessa forma, os dados da Obra Pedagógica de João de Barros funda- mentam a interpretação de que as quatro ocorrências arcaizantes de ser com atributos transitórios descritivos e locativos sobre 58 de estar reuni- dos descritivos e locativos (6% e 94%), serão resíduos do uso antigo. Pon- to de vista que considero confirmado pelo fato de que na Gramática da

língua portuguesa, seguida da Ortografia, o pedagogo normativista só

usa a forma inovadora, deixando esgueirar-se as quatro ocorrências arcaizantes nos dois Diálogos.

Diante desses dados, pode-se afirmar que o uso, vamos dizer, “monitorado” de João de Barros indica que a oposição semântica entre

ser, como “predicador de propriedades de individual” já se estabelecera.

Para confirmar ou não essa afirmativa, a seguir analisarei uma amostra da

Primeira Década da Ásia.

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