• Nenhum resultado encontrado

IMIGRAÇÃO NA DÉCADA DE 1830: DEBATES NO SENADO BRASILEIRO

Aluna: Roberta Vicente Montanha Teixeira Orientadora: Profa. Dra. Joseli Maria Nunes Mendonça Palavras-chave: imigração, trabalho, Senado. O presente estudo trata de questões referentes ao trabalho não- escravo no Brasil da década de 1830. Mais especificamente, buscou-se analisar as propostas e expectativas que, naquele contexto, os senadores do império tinham com relação à imigração e ao tipo de imigrante a ser introduzido no país. Para tanto, a fonte privilegiada na pesquisa foram as atas do Senado imperial brasileiro dos anos de 1829 a 1840.

A escolha da década de 1830 para estudar imigração não foi aleatória. Em geral, os estudos sobre imigração dão mais ênfase ao período posterior a 1850, quando a proibição do tráfico de escravos se tornou eficaz e houve grande afluxo de imigrantes para o Brasil. Porém, as discussões sobre a introdução de estrangeiros já ocorriam na primeira metade do século, sendo o objetivo dessa pesquisa analisar os debates travados pelos senadores com relação à imigração neste período pouco contemplado pela historiografia.

No primeiro capítulo, foram feitas considerações a respeito do surgimento e das principais atribuições do Senado imperial brasileiro, bem como de aspectos referentes aos seus integrantes. O Senado – cuja formação e composição fora definida pela Constituição de 1824 e cujas atividades iniciaram em 1826 – formava, juntamente com a Câmara dos Deputados, o poder Legislativo. Algumas das principais atribuições desse poder era a proposição, interpretação, aprovação ou rejeição de projetos de lei, discutidos separadamente em cada uma das câmaras legislativas. O Senado possuía, ainda, algumas atribuições específicas, tais como: eleger a Regência e marcar os limites de sua autoridade; resolver dúvidas sobre a sucessão da Coroa; fixar, anualmente, as despesas públicas e repassar as verbas para as províncias; autorizar o governo a contrair empréstimos; criar ou suprimir empregos públicos; dirigir os trabalhos da Assembléia-Geral (Senado e Câmara dos Deputados reunidos), entre outros.1 O cargo dos senadores – diferentemente do dos deputados – era vitalício, e a eleição era provincial e por

listas tríplices. O número de senadores que representaria cada província seria a metade do número dos seus respectivos deputados. O critério para determinar o número de deputados por províncias, por sua vez, era o de proporcionalidade populacional. Durante a década de 1830, o número de senadores foi de 50, chegando a 60 ao final do período imperial.2Para poder concorrer ao cargo de senador, requeria-se que o candidato possuísse

cidadania brasileira e estivesse em pleno gozo dos direitos políticos, além de dispor de rendimentos anuais de, no mínimo, oitocentos mil réis. Portanto, um dos critérios para a candidatura ao Senado era o sócio-econômico. Assim, os senadores eram membros da elite intelectual e econômica brasileira, sendo que dentre seus representantes havia principalmente magistrados, militares, advogados, proprietários, médicos e funcionários imperiais.3

É importante atentar para a relevância do Senado imperial na década de 1830. Nesse contexto - o do período regencial – o país passava por um processo de descentralização administrativa: o poder Moderador não foi exercido, predominando o poder Legislativo – Senado e Câmara dos Deputados - sobre o Executivo. Dessa forma, no período regencial abriu-se espaço para novos debates políticos entre as elites provinciais4. Essas elites possuíam

divergências entre si, apesar do interesse comum em fortalecer o Estado e as instituições políticas imperiais, para manter a unidade da ex-colônia no contexto pós-independência. Para José Murilo de Carvalho5 e Mirian Dolhnikoff6 o Senado – em conjunto com a Câmara dos Deputados - cumpria o papel de conciliar os interesses divergentes das

1 www.senado.gov.br (página oficial do Senado – acesso: 4/10/2010)..

2 CARVALHO, José Murilo de. A construção da ordem. Rio de Janeiro: Campus, 1980, p. 49. 3Idem, p. 20.

4 MOREL, Marco. O período das Regências (1831-1840). Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003, p. 11. 5 CARVALHO, José Murilo de. Op. cit, p. 64.

elites no campo institucional. O Senado representou, portanto, um importante local de negociação do interesse das elites na década de 1830.

Após o capítulo dedicado à instituição que foi o palco dos debates parlamentares, realizei a análise das atas das sessões do Senado Imperial, na década de 1830, buscando compreender o posicionamento da elite política imperial frente a questões referentes à imigração.

As sessões do Senado na década de 1830 iniciavam-se normalmente no começo de maio e se encerravam em outubro. Para que pudesse haver sessão, era necessário um número mínimo de senadores, que seria metade mais um dos respectivos membros. As discussões entre os senadores eram motivadas por projetos de lei, propostos por algum membro da casa ou vindo da Câmara dos Deputados; discutiam-se, também, resoluções e pareceres encaminhados por alguma comissão. Os projetos de lei passavam por três discussões, durante as quais os senadores podiam propor emendas ou requerer o adiamento dos debates em torno do projeto. Os requerimentos e as emendas eram discutidos e votados. Após as três discussões, o projeto de lei era encaminhado à Comissão de Redação, e posteriormente enviado à Câmara dos Deputados. Se a Câmara dos Deputados não aprovasse as emendas ou adições do Senado, ou vice-versa, e todavia a câmara julgasse que o projeto era vantajoso, poderia requerer, mediante uma deputação de três membros, a reunião das duas câmaras, que se efetuaria no Senado, a fim de se deliberar sobre o tema.7

O tema da imigração apareceu em muitos debates, não sendo tratado apenas nas sessões em que se apresentaram formalmente projetos-de-lei sobre a questão. Algumas sessões que suscitaram o tema da imigração foram: as em que se debateram os projetos de lei de naturalização, o referente aos direitos dos estrangeiros no Brasil; o que se referia à colonização de estrangeiros; à regulamentação de contratos entre empregados e trabalhadores (nacionais e estrangeiros), um que previa a concessão de privilégios às empresas que se utilizassem somente de trabalhadores livres europeus. A partir da análise do posicionamento dos senadores nesses debates, pude notar que estavam se delineando duas posições antagônicas com relação ao tipo e à função do imigrante a ser introduzido no país: uma delas defendia que o imigrante ideal seria o que trabalhasse nas lavouras, empregados por grandes fazendeiros; outra, preconizava a introdução de estrangeiros que se tornariam pequenos produtores.

Em todas as discussões, nota-se que era unânime entre os senadores que a defesa da conveniência de se atrair estrangeiros para o Brasil – justificada tanto para aumentar e desenvolver a indústria e a população do país, quanto para suprir a mão-de-obra escrava. Essas discussões foram realizadas em um contexto no qual se previa que a compra de escravos poderia se tornar mais difícil ou mesmo impossível, devido à lei de proibição do tráfico - decorrente de um tratado assinado em 1826 entre Brasil e Inglaterra que promovia medidas de extinção do tráfico para dali a 5 anos8 -, cujo descumprimento, ou o alcance dele, não se podia prever. Assim, a criação de uma lei de naturalização, da lei referente ao direito dos estrangeiros e de colonização foram todas consideradas pelos senadores como necessárias por ter como finalidade principal o incentivo à imigração. Outra questão se fazia presente nos debates analisados: muitos dos senadores que defendiam que os imigrantes deveriam suprir a mão- de-obra escrava negra propunham medidas para restringir o acesso dos estrangeiros à propriedade, bem como garantir medidas legais para mantê-los nas lavouras.

O principal senador que defendeu essas medidas foi Nicolau Vergueiro – que era proprietário de terras e fazendeiro do Oeste Paulista e, em certa medida, defendia os interesses desse grupo. Foi esse senador quem propôs o projeto de lei para regular o contrato entre empregados e trabalhadores. Esse projeto de lei, proposto no final de 1829, referia-se ao contrato entre empregados e trabalhadores – tanto brasileiros quanto estrangeiros - e obrigava o trabalhador a prestar serviços por um tempo determinado, que não estava especificado no projeto. Em seus seis artigos, tratava das conseqüências do não-cumprimento do contrato, tanto para empresários quanto para trabalhadores. De acordo com o projeto de lei, era permitido aos empresários (locatários) transferir o contrato a outrem, com a condição de não piorar a situação de quem presta o serviço (locador). Este, por sua vez, só poderia rescindir o contrato caso pagasse ao locador todos os pagamentos que houvesse recebido antecipadamente mais uma multa correspondente à metade do preço total contratado.

7 TAUNAY, Affonso de E. O senado no império. Brasília: Senado Federal, 1978, p. 16. 8 COSTA, Emília Viotti da. Da senzala à colônia. 3ª ed., São Paulo: Brasiliense, 1989, p. 12.

Esse projeto de lei, segundo Lamounier9, foi discutido em um contexto no qual uma das questões que se

impunha era a organização e controle efetivos dos braços disponíveis para a grande lavoura. Assim, não teria sido um acaso a Lei de locação de serviços ser aprovada poucos meses depois da tentativa de extinção do tráfico de escravos, no mesmo ano. Essa lei representou, para a autora, a primeira medida concernente à organização das relações de trabalho livre, nacional e estrangeiro no Brasil, apesar da simplicidade de suas disposições. Nota-se essas preocupações de controle do trabalho em Vergueiro, que ressaltava a importância da criação dessa lei. Tratando do artigo quarto, que estipulava a pena de prisão ao trabalhador que não cumprisse o contrato, Vergueiro argumentou: “Que recursos haverá para fazer o homem trabalhar, e cumprir o contrato? Sabemos que não tem dinheiro para pagar, porque então ele não se sujeitava a isso; logo, paga com a sua pessoa; e depois de se lhe aplicar os meios correcionais, resta obrigá-lo a pagar em uma prisão.”10 Assim, o projeto de Vergueiro visava a dar

uma garantia aos empregadores que contratavam trabalhadores, estipulando a pena de prisão para o seu descumprimento. Pode-se dizer, portanto, que o senador Vergueiro pretendia criar leis que garantissem aos proprietários a permanência do trabalho imigrante nas tarefas da grande lavoura, que era o principal setor a demandar mão de obra. Com o mesmo objetivo, Vergueiro se posicionava contrário à aquisição de terras por imigrantes – o que fica evidente nas discussões do projeto de lei referente à colonização.

O projeto de lei de colonização previa a concessão de terras aos imigrantes. Vergueiro foi o principal opositor a esse projeto, propondo que as terras não fossem doadas, mas sim vendidas aos estrangeiros. Mas muitos senadores se posicionaram a favor do projeto de colonização apresentado. Os argumentos em defesa desse projeto eram de que ele teria como objetivo o aumento da população e do trabalho, visto como fonte de riqueza e grandeza do Brasil. Os senadores defendiam a necessidade de admissão trabalhadores já civilizados, e pressupunham que a colonização estrangeira traria não só indivíduos, mas também “indústria” – que era um termo que designava a atividade produtiva, englobando a lavoura, portanto. Nesse ponto de vista, ainda, se deveria conceder favores aos imigrantes para atraí-los ao Brasil.

Argumentando a favor da doação de terras aos estrangeiros, o visconde de Cayru afirmava que era por “interesse” que o Brasil queria a vinda dos estrangeiros, relacionado à incontestável falta de braços, engenhos e capitais no Brasil. Para ele, “o nosso interesse não é atrair vagabundos, [...] mas sim muita gente laboriosa, hábil e rica, que se proponha adquirir fortuna, ou aumentar a que tem, fazendo estabelecimentos permanentes.”11 Nota-se, aí, uma concepção dos imigrantes europeus que os relaciona à civilização. Nesse caso, os imigrantes deveriam ser pessoas com certa capacidade financeira, que pudessem estabelecer suas indústrias e ajudar no desenvolvimento do Brasil. Além disso, deveria, nesse ponto de vista, ser estimulada a pequena propriedade, para se obter o desenvolvimento da agricultura. Também deveriam ser concedidos privilégios a empresas que estimulassem a utilização do trabalho livre imigrante e a colonização. Esse tipo de imigração era visto como o único com efeitos realmente civilizadores e que desenvolveria a indústria brasileira. Naquele contexto, o termo “civilização” relacionava-se diretamente à inteligência e ao progresso material, tendo como modelos os países da Europa, considerados mais “adiantados”12.

Pode-se dizer, portanto, que, na década de 1830, não havia entre os senadores – e outros representantes da elite política imperial – uma unanimidade com relação ao tipo de imigrante a ser introduzido no país. Já se delineavam posições antagônicas com relação ao tipo de imigrante ideal: o que trabalharia nas lavouras ou o que se estabeleceria por conta própria.

No último capítulo, foram recuperados alguns estudos historiográficos referentes à imigração, confrontando-os com as conclusões feitas a partir da leitura dos debates no Senado. A maioria dos estudos historiográficos sobre o tema, como vimos, enfoca o período posterior a 1850, quando a proibição do tráfico de escravos tornou-se eficaz e ocorreu grande afluxo de imigrantes para o país. Além disso, tornou-se comum os

9 LAMOUNIER, Maria Lúcia. Da escravidão ao trabalho livre – a lei de locação de serviços de 1879. Campinas (SP): Papirus, 1988, p. 62. 10 BRASIL. Congresso Nacional. Anais do Senado. Rio de Janeiro : Tipografia Nacional, 1877, Tomo I, p. 278. (sessão de 17 de junho de 1829) 11BRASIL. Congresso Nacional. Anais do Senado. Rio de Janeiro : Tipografia Nacional, 1877 Tomo II, p. 124. (sessão de 17 de julho de 1829). 12 ANDRADE, André Luiz Alípio de. “Variações sobre um tema : a sociedade auxiliadora da industria nacional e o debate sobre o fim do trafico

estudiosos enfocarem duas regiões: o centro sul do Brasil (Vale do Paraíba e Oeste Paulista) e a região meridional, cada qual considerada em suas especificidades. Com relação ao centro sul do país, os estudos destacam de que a vinda de estrangeiros tinha a função de substituir o braço escravo pelo imigrante nas fazendas de café. Na região meridional, ter-se-ia buscado atender aos interesses do governo imperial, através da criação de núcleos coloniais.

É evidente que a ênfase dos estudos na segunda metade do século XIX está associada ao fato de ter havido um aumento muito grande no número de imigrantes introduzidos no Brasil a partir daquele período. As propostas de introdução de imigrantes e o confronto de projetos distintos sobre a imigração, entretanto, já estavam configurados em período anterior, como a pesquisa no Senado pretende observar.

A leitura dos debates evidenciou que a questão do trabalho imigrante já era muito discutida no período anterior a 1850, ocupando espaço considerável nas discussões do Senado. Muitas leis foram discutidas tendo como objetivo a atração de imigrantes ao Brasil, tais como a referente ao direito dos estrangeiros, a reguladora dos contratos de trabalho e a de colonização. Nos debates analisados, nenhuma posição contrária à introdução de imigrantes foi registrada. Assim, grande parte das leis propostas e dos argumentos utilizados pelos senadores para justificar suas posições recaíam na necessidade de se atrair braços imigrantes para o Brasil, tendo-se em vista a possibilidade latente de abolição do tráfico de escravos e a necessidade de “civilização” e desenvolvimento da nação. A idéia da necessidade de atração de imigrantes, portanto, era um ponto comum a todos os parlamentares.

Porém, outro aspecto evidenciado é que não havia uma unanimidade entre os parlamentares com relação ao tipo de imigrante ideal a ser introduzido no país e, como já analisado, já se delineavam posições antagônicas. Para alguns senadores, o imigrante deveria ser o que trabalharia nas lavouras, na mesma posição dos escravos; enquanto que para outros os estrangeiros deveriam ser pequenos proprietários de terra, que contribuiriam para o desenvolvimento econômico do Brasil. Esta diversidade de posições, de acordo com a historiografia corrente sobre imigração, só teria se configurado na segunda metade do século XIX, passando então a representar dois projetos distintos de imigração – um na região Centro Oeste do Brasil, e outro na região meridional. Além disso, já eram pensadas medidas para garantir o trabalho dos estrangeiros nas lavouras e impedir o acesso à terra. Tais medidas - como a legislação que regulava os contratos de trabalho e dificultar o acesso dos estrangeiros à propriedade- já começavam a ser delineadas, em convergência com o interesse de muitos outros proprietários.

Outline

Documentos relacionados