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As células amácrinas ocupam um importante lugar na circuitaria da retina e consequentemente no processamento da informação visual. Elas constituem cerca de 40% de todos os neurônios da INL das retinas de mamíferos (Strettoi & Masland, 1995; Jeon et al., 1998) e participam de 64 a 87%, dependendo da espécie, de todas as sinapses na IPL (Raviola & Raviola, 1982). No macaco, 50 a 70% de todas as sinapses sobre as células ganglionares da retina são intermediadas pelas células amácrinas (Jacoby et al., 1996). Com base em estudos usando o método de Golgi e, posteriormente, o método de “photofilling” baseado em fluorescência (MacNeil & Masland, 1998) foram identificados 29 tipos morfológicos de células amácrinas na retina do coelho (MacNeil et al., 1999). Células amácrinas parecem

30 explicar disparos sincronizados entre as células ganglionares. Entrada compartilhada de uma célula amácrina comum tende a produzir disparo uníssono das células ganglionares. A correlação cruzada é ampla, se mediada por sinapses químicas e mais limitada se mediada por junções comunicantes, sabidamente existentes entre células amácrinas e ganglionares (Vaney, 1994). Tem sido proposto que o disparo correlato entre células ganglionares representa uma forma de multiplicação de sinal, que poderia expandir a capacidade de condução da informação pelo nervo óptico (Masland, 2001a, b).

Muitas células amácrinas são neurônios sem axônios, e a falta de uma clara polaridade dificulta o reconhecimento de suas entradas e saídas. Por conta de suas múltiplas conectividades, elas são difíceis de conceituar. Elas retroalimentam as células bipolares que as dirigem, fazem sinapses com as células ganglionares e também com outras células amácrinas (Dowling & Boycott, 1966; Eggers & Lukasiewicz, 2011, Jusuf et al., 2005; Lin et al., 2000). Sua grande diversidade estrutural termina por desencorajar determinadas pesquisas, mas apesar de tudo, algum progresso está sendo feito, especialmente nos casos onde uma célula amácrina é estruturalmente distinta ou pode ser geneticamente marcada (Masland, 2012).

Dos diversos tipos morfológicos de células amácrinas, alguns têm papéis específicos, bem definidos. Assim, a célula amácrina AI é uma célula em espícula com uma árvore dendrítica de campo médio e processo tipo axônio amplamente difuso, que atravessa grandes distâncias através da retina. Devido a sua geometria, estas são células centrífugas, que enviam ondas de inibição através da retina em um padrão radial (Stafford & Dacey, 1997; Taylor, 1996; Cook & Werblin, 1994;Masland, 2001a). Elas podem estar relacionadas com efeitos de mudança e oscilação de longo alcance (Masland, 2001a). A célula amácrina AII funciona como uma ponte entre a via de bastonete e as células ganglionares, ou seja, recebe informações de células bipolares de bastonete, estabelece contato com os terminais das células bipolares de cone e, a partir destas, com as células ganglionares, evidenciando que a via de

31 bastonete surgida filogeneticamente mais tarde utiliza a já existente rede de cones. Um grupo de células amácrinas catalogadas como A17 (Menger & Wässle, 2000) sustentam uma sinapse de retroalimentação recíproca sobre as células bipolares de bastonetes. Elas recebem informações de células bipolares de bastonete e imediatamente enviam de volta um sinal GABAérgico inibitório. Este retorno inibitório das células amácrinas GABAérgicas sobre os terminais axônicos das células bipolares é um importante fator que contribui para modificar a faixa dinâmica das células bipolares (Euler & Masland, 2000), aumentando a fidelidade da informação transmitida pelas células bipolares de bastonetes (Grimes et al., 2010; Sandell et al., 1989). Essa é a principal tarefa das células A17 e talvez a única, devendo-se considerar inclusive, que a atividade das células A17 são irrelevantes para eventos que ocorrem à luz do dia (Masland, 2012).

Outra célula amácrina bastante especializada, descoberta recentemente na retina do esquilo, cria uma propriedade de campo receptivo específico em um tipo único de células ganglionares (Chen & Li, 2012; Sher & DeVries, 2012). Uma célula ganglionar ON–azul é bem conhecida: ela é excitada pelas células bipolares ON–azul, que seletivamente contactam cones azuis. Registros eletrofisiológicos encontraram uma célula ganglionar OFF–azul, inibida quando o estímulo se situa na extremidade do espectro de comprimento de onda curto. Como isso pode ocorrer se a única via através da retina é a bipolar ON–azul, conduzindo um sinal excitatório? A resposta é que uma amácrina específica é dirigida diretamente pela célula bipolar ON–azul. A célula amácrina, assim como basicamente todas as células amácrinas, é inibitória para suas parceiras pós-sinápticas. Quando excitada pela célula bipolar ON–azul, esta célula amácrina realiza uma inversão de sinal: ela inibe a célula ganglionar sobre a qual realiza a sinapse e isso cria uma célula ganglionar que é seletiva ao estímulo azul pela diminuição do disparo, ou seja, uma célula ganglionar OFF–azul (Masland, 2012).

32 Há ainda as células amácrinas “starburst”. Estas células parecem estar intimamente associadas com um circuito computacional particular. Elas arborizam em finos estratos dentro da camada plexiforme interna, onde fazem sinapses colinérgicas excitatórias sobre determinadas células ganglionares, notadamente aquelas particularmente sensíveis a estímulos em movimento. Por ação sobre as células ganglionares do tipo excitação e/ou inibição, considerando que estas células liberam acetilcolina e GABA (O’Malley et al., 1992), elas são importantes para selecionar direção (Yoshida et al., 2001; Masland, 2001a, b; Masland & Raviola, 2000; Wässle, 2004).

O corpo das células amácrinas pode estar localizado tanto na INL como na GCL. As células amácrinas localizadas na GCL são denominadas células amácrinas deslocadas, e podem ser facilmente distinguidas das células ganglionares por seu pequeno soma e pela ausência de axônios que projetam para o cérebro. A primeira evidência que células pequenas na GCL são neurônios e não células da glia foi apresentado por Hughes & Wieniawa- Narkiewicz (1980) para a retina de gatos. Desde então, a morfologia e padrão de arborização das células amácrinas deslocadas tem sido examinados: seis tipos de células amácrinas deslocadas foram identificadas na retina de rato (Perry & Walker, 1980), 11 tipos no porquinho da índia (Kao & Sterling, 2006), 4 na retina de gatos (Wässle et al., 1987a) e 11 tipos na retina de camundongos (Gustincich et al., 1997; Badea & Nathans, 2004; Lin & Masland, 2006).

As Células amácrinas deslocadas compreendem entre um e dois terços de todos os neurônios presentes na GCL (Perry & Walker, 1980; Hughes & Vaney, 1980; Hughes & Wieniawa-Narkiewicz, 1980; Linden & Esbérard, 1987; Abreu et al., 1993; Jeon et al., 1998) e compreendem vários diferentes tipos celulares (Perry & Walker, 1980; Wässle et al., 1987a; Völgyi et al., 2001; Badea & Nathans, 2004; Kao & Sterling, 2006). Embora células amácrinas deslocadas tenham sido encontradas em quase todas as retinas de vertebrados, a

33 proporção de neurônios da GCL que são células amácrinas difere de espécie para espécie. Correspondem aproximadamente a um terço na retina de coelho (Hughes & Vaney, 1980; Vaney, 1980) e salamandra (Zhang et al., 2004); 40% na retina de hamster (Linden & Esbérard, 1987); 50% na retina de rato (Perry & Walker, 1980), porquinho da índia (Kao & Sterling, 2006), esquilo (Abreu et al., 1993); e 75–80% na retina periférica de gato (Hughes & Wieniawa-Narkiewicz, 1980; Wässle et al., 1987a) e humana (Curcio and Allen, 1990). Na retina de camundongos, as células amácrinas correspondem a 59% dos neurônios na GCL (Jeon et al., 1998; Müller et al., 2007).

Várias observações sugerem que as células amácrinas deslocadas provavelmente têm papéis modulatórios no processamento visual. Células amácrinas com pequeno campo dendrítico podem estar envolvidas no caminho direto do fluxo de informações, enquanto as células com maiores campos dendríticos são moduladoras, com uma influência indireta na transmissão de informações (Masland, 1988). Assim, embora existam muitos diferentes tipos de células amácrinas na GCL, as células starbust representam a grande maioria (Vaney et al., 1981), novamente sugerindo um papel modulatório no processamento visual (Masland, 1988; Müller et al., 2007).