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O mocó (Kerodon rupestris), é uma espécie tipicamente Brasileira, nativa da região Nordeste, sendo encontrado desde o Piauí até o norte de Minas Gerais (Cabrera, 1961).

Taxonomicamente, o mocó é classificado na ordem Rodentia, superfamília Cavioidea, família Caviidae, subfamília Caviinae, gênero Kerodon, juntamente com Cavia (Cavia porcellus), Galea (Galea spixii) e Microcavia (Microcavia niata) (Cabrera, 1961; Lacher, 1981).

O mocó pertence a um grupo de roedores que tem sido estudado por pesquisadores neurocientistas brasileiros desde os anos oitenta, compreendendo a cutia (Dasyprocta aguti e outras espécies), capivara (Hydrochaerus hydrochaeris), e a paca (Cuniculus paca) (Silveira, 1985; Silveira et al., 1989; Picanço-Diniz et al., 1991; Rocha et al., 2009), e também o porquinho da índia (Cavia porcellus), o qual tem sido estudado em laboratórios de diferentes partes do mundo (Jacobs & Deegan, 1994; Peichl & González-Soriano, 1994; Parry & Bowmaker, 2002). De acordo com a classificação que usa a forma do crânio como característica primária (Carleton & Musser, 2005) – Anomaluromorpha, Castorimorpha, Hystricomorpha, Myomorpha, e Sciuromorpha, este grupo é parte da subordem Hystricomorpha, uma das cinco subordens de roedores aceita no padrão de classificação de Rodentia.

Estudos filogenéticos utilizando uma abordagem molecular (Rowe & Honeycutt, 2002) tem relacionado o gênero Kerodon com o gênero Hydrochaeris ao qual pertence a capivara (família Hydrochaeridae), e também estreitamente alinhado com o gênero Dolichotis da subfamília Dolichotinae, cujo representante na América do Sul é o lebre patagônico (Dolichotis patagonum).

56 Os mocós são animais endêmicos da caatinga, habitando a região do semi-árido nordestino, onde estão localizadas as rochas graníticas, que lhes servem como refúgio e abrigo contra os predadores, os quais são principalmente os gatos macambira e vermelho, as raposas, o gavião pé de serra e o jacurutu (Carvalho, 1969; Lacher, 1981). São altamente adaptados às condições ecológicas regionais, como o calor, a escassez de água e de alimentos, principalmente nos períodos das grandes secas nas regiões do semi-árido nordestino. São herbívoros e costumam se alimentar de cascas de árvores, brotos, pequenos arbustos e ramos de algumas espécies de plantas trepadeiras (Mendes, 1985; 1987). Em cativeiro aceitam bem frutas como banana, mamão, jambo, manga, e raízes como batata doce, além de capim fresco e folhas de mangueira (observações próprias). Atingem a fase adulta aos 200 dias, podendo atingir até 50 cm de comprimento e 1 quilo de peso corporal (Roberts et al., 1984).

Os mocós apresentam coloração quase sempre homogênea em torno do castanho dourado em praticamente todo o corpo (observações próprias) embora na literatura seja descrita também a ocorrência de exemplares com coloração cinzenta, com pêlos pretos e amarelos ou esbranquiçados na parte superior, marrons na região posterior e um pouco acastanhada nas pernas, e brancos na região do pescoço (Carvalho, 1969). O gênero Kerodon possui o mesmo corpo básico dos outros cavíneos, embora apresente algumas características morfológicas e craniais únicas para a subfamília. As mãos e os pés são acolchoados com epiderme semelhante à pele-couro e não possuem garras. O pé tem unhas subcutâneas sobre todos os dígitos, exceto um no interior dos pés onde a unha foi modificada como uma pequena garra usada para pentear o pêlo. O crânio, especialmente o focinho, é maior e mais estreito do que nos outros cavíneos, assim como a distância entre os incisivos e os pré- molares é proporcionalmente maior (Lacher, 1981). O mocó é um animal trepador extremamente ágil, apesar de não possuir garras nem cauda, duas adaptações normalmente associadas com arborealidade. Tem o olfato bem desenvolvido, principalmente nos machos,

57 que podem detectar a presença do homem e de outros animais a longas distâncias. A audição é também bastante aguçada, de modo que qualquer ruído curto, de pequena intensidade, como um assobio, um pequeno galho quebrado, ou o barulho de folhas roçando o solo, costumam atlertar o mocó (Carvalho, 1969). Quanto à reprodução, ocorrem nascimentos ao longo do ano, exceto no período que vai de abril a junho. As fêmeas apresentam estro pós-parto, podendo acasalar-se poucas horas após o nascimento dos filhotes. Embora as proles sejam pequenas a cada parto (cerca de 1 a 2 filhotes), o curto período gestacional (75 dias) garante uma elevada produção de crias a cada ano. Os animais atingem o tamanho do adulto aos 200 dias, embora a primeira concepção das fêmeas possa ocorrer aos 115 dias de vida (Lacher, 1981; Roberts et al., 1984).

A partir de observações e de informações colhidas em campo, Carvalho (1969) relatou que os mocós saem para alimentar-se de manhã e à tarde nos dias mais escuros. Nos dias claros, eles se alimentam apenas à noite. Nos dias nublados, depois de uma chuva, costumam sair a qualquer hora do dia, permanecendo fora da toca o tempo necessário para a secagem das rochas, o que algumas vezes pode durar o dia inteiro. Lacher (1981) verificou que, no campo, esse roedor sai para forragear ao longo do dia e da noite, porém a maior parte da atividade ocorre durante o dia, com picos de atividade no crepúsculo. De acordo com Mendes (1987), os mocós são animais gregários, de hábitos crepusculares, que passam o dia abrigados em tocas de rochas, saindo à tardinha e ao amanhecer para alimentar-se. Sousa & Menezes (2006), estudando o mocó sob condições controladas de laboratório, registraram para esta espécie a expressão de atividade locomotora ao longo das 24 horas do dia, com picos nas fases de transição de luminosidade, caracterizando um comportamento predominantemente crepuscular. Estes dados sugerem que o mocó possa apresentar adaptações ópticas e retinianas relacionadas com a transição claro-escuro, o que motivou a realização do presente trabalho.

58 Esta espécie foi escolhida como um modelo animal de roedor regional para estudos de ritmos circadianos no Laboratório de Cronobiologia-UFRN. Além da caracterização do ritmo de atividade e outras respostas circadianas deste animal (Sousa & Menezes, 2006), estudos prévios do nosso laboratório demonstraram a existência de proteínas ligantes de cálcio nos centros circadianos do mocó (Cavalcante et al., 2008), além de projeções da retina diretas aos núcleos talâmicos paraventricular (PVT) (Nascimento Jr. et al., 2008) e mediodorsal (MD) (Nascimento Jr. et al., 2010a), envolvidos nos ritmos circadianos e modulação de reconhecimento visual, respectivamente. Foi descrito também que este roedor tem uma projeção retino-hipotalâmica semelhante ao descrito para outros mamíferos diurnos ou noturnos, além de peculiaridades no que diz respeito a distribuição de neurônios positivos ao peptídeo intestinal vasoativo (VIP) e vasopressina (VP) no núcleo supraquiasmático (Nascimento Jr. et al., 2010b). Recentemente, também foram descritos os grupamentos serotoninérgicos do mocó (Soares et al., 2012). Várias publicações estão em andamento com a participação de estudantes de pós-graduação e iniciação científica.

Além disso, deve-se levar em conta que o conhecimento da anatomia do olho, a sua posição na cabeça e da distribuição das células na retina possibilita identificar adaptações de cada espécie ao seu campo visual, o qual é peculiar para cada estilo de vida dentro do nicho ecológico que ele ocupa (Collin, 2008). Assim sendo, torna-se plenamente justificado estender este estudo de modo a abranger a anatomia do olho e a caracterização da retina numa espécie regional sobre a qual não há nenhum registro de estudo desta natureza até o presente.

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2. OBJETIVOS