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Sistemas fotossensíveis na retina interna – Papel da melanopsina

A melanopsina é uma proteína opsina, originalmente identificada nos melanóforos dermais da rã (Provencio et al., 1998, 2000), e agora estabelecida como um fotopigmento sensorial funcional (Newman et al., 2003; Fu et al., 2005; Melyan et al., 2005; Panda et al., 2005; Qiu et al., 2005). Em mamíferos, ela é expressa no olho, quase que exclusivamente numa pequena porcentagem de células ganglionares da retina, compreendendo cerca de 1 a 3% de toda a população das células ganglionares (Provencio et al., 2000, 2002; Hannibal et al., 2002; Hattar et al., 2002; Wässle, 2004). A melanopsina produzida nas células ganglionares da retina é diretamente sensível à luz, constituindo uma terceira classe de fotorreceptores na retina dos mamíferos, em adição aos cones e bastonetes. Por essa razão as

47 células ganglionares que expressam melanopsina foram denominadas células ganglionares intrinsecamente fotossensíveis (ipRGCs) (Berson et al., 2002; Berson, 2003; Warren et al., 2003).

É importante considerar as muitas diferenças estruturais e funcionais existentes entre os fotorreceptores clássicos e as ipRGCs, que se projetam diretamente para o cérebro. Entre os alvos dessas projeções estão o núcleo supraquiasmático, principal marcapasso e sincronizador dos ritmos circadianos ao ciclo claro-escuro (Gooley et al., 2001; Berson et al., 2002; Hannibal et al., 2002; Hattar et al., 2002; Berson, 2003) e o folheto intergeniculado (Hattar et al., 2002; Morin et al., 2003), que também participa da regulação dos ritmos circadianos (Harrington, 1997). Também recebe terminais das ipRGCs o núcleo olivar pré- tectal (Hattar et al., 2002; Morin et al., 2003), um elemento chave nos circuitos de mediação dos reflexos pupilares à luz (Trejo & Cicerone, 1984; Clarke & Ikeda, 1985; Young & Lund, 1994). Outros alvos das ipRGCs, implicando sua participação em diversas outras funções, incluem a região pré-óptica, a zona subparaventricular do hipotálamo, o núcleo geniculado lateral ventral e o colículo superior (Hattar et al., 2002; Gooley et al., 2003; Morin et al., 2003; Hannibal & Fahrenkrug, 2004).

Registros eletrofisiológicos de ipRGCs revelaram que elas são intrinsecamente sensíveis à luz, à qual responde com grande despolarização e potenciais de ação rápidos, superpostos, e resistentes a bloqueio sináptico na retina (Berson et al., 2002). Em condições de luminosidade limiar, as ipRGCs exibem resposta de longa latência (Berson et al., 2002; Hattar et al., 2002; Warren et al., 2003; Tu et al., 2005), havendo, com aumento da intensidade de luz, um correspondente decréscimo na latência de resposta e um aumento na magnitude de corrente despolarizante, implicando que ipRGCs codificam tonicamente intensidades de luz. Suas respostas lentas, especialmente a baixos níveis de luminosidade, são consistentes com observações de que a sincronização fótica circadiana é menos sensível do

48 que a visão normal, exigindo um período de tempo que vai de segundos a vários minutos de iluminação para reiniciar o relógio biológico. É interessante destacar que o espectro de ação das respostas à luz nas ipRGCs corresponde àquele da fotossincronização circadiana (Nayak et al., 2007).

A fotossensibilidade das ipRGCs exibe adaptação tanto à luz quanto ao escuro. Sob iluminação constante, a fotorresposta de fundo diminui gradualmente, enquanto a resposta a flashes luminosos superpostos aumenta. Após um período de exposição ao escuro, as ipRGCs readquirem completa sensibilidade à luz (Wong et al., 2005). Tal adaptação pode proporcionar ao organismo uma fina sintonia que o habilita a perceber pequenas mudanças nas condições de luminosidade (Nayak et al., 2007).

Os campos dendríticos das ipRGCs proporcionam completa cobertura da retina. Nas retinas adaptadas à luz, a resposta à iluminação das ipRGCs é feita acima de um componente rápido, derivado da entrada de cones, e um componente mais lento, baseado numa resposta intrínseca a luz. Na retina de primatas há cerca de 3.000 células contendo melanopsina. Aproximadamente 40% delas estão localizadas na camada nuclear interna e seu pico de densidade é na fóvea. Seus dendritos estratificam-se na camada nuclear interna ou na camada de células ganglionares, mas elas parecem ser células centro ON (Wässle, 2004).

Um estudo em linhagem de rato com degeneração de fotorreceptores (RCS a P60) mostrou que os níveis de RNA mensageiro de melanopsina foram acentuadamente diminuídos e não rítmicos, em comparação com controles congênicos ou ratos RCS a P21 (antes da degeneração dos fotorreceptores), nos quais os níveis de RNA mensageiro de melanopsina exibem um ritmo circadiano em condições de claro-escuro e escuro constante, com um pico no início da fase de escuro (Sakamoto et al., 2004). Isto sugere que, apesar da fotossensibilidade intrínseca das ipRGCs, a regulação da produção de melanopsina por essas células é de alguma forma influenciada pelos fotorreceptores clássicos. Essa concepção é

49 fortalecida pela evidência morfológica de que as ipRGCs recebem entrada de fotorreceptores retinianos via células bipolares e amácrinas. Esta evidência foi obtida em estudos de microscopia eletrônica em camundongo, no qual foi visto que dendritos imunorreativos a melanopsina na região interna (ON) da camada plexiforme interna são pós-sinápticos a terminais de células bipolares e amácrinas, enquanto que dendritos imunorreativos a melanopsina estratificando-se na região externa (OFF) da mesma camada recebem apenas terminais de células amácrinas. Isto sugere que os sinais provenientes de bastonetes e/ou cones podem ser capazes de modificar a capacidade intrínseca de resposta à luz destas células ganglionares que expressam melanopsina (Belenky et al., 2003).

Há indicações de que a atividade das ipRGCs também pode ser modulada pela atividade circadiana de neurônios da retina interna adjacente. Os principais candidatos nesse caso são os neurônios dopaminérgicos, os quais se ramificam na borda das camadas plexiforme interna e nuclear interna. Assim, um estudo realizado em retina de ratos e humanos demonstrou uma interrelação entre células imunorreativas a melanopsina (ipRGCs) e imunorreativas a TH (células amácrinas dopaminérgicas) na camada plexiforme interna e, adicionalmente, demonstrou que esta estrutura é mantida nos ratos distróficos, com degeneração de fotorreceptores. Tripla imunomarcação usando marcadores sinápticos proporcionaram evidências para a unidirecionalidade da transferência de informação entre os dois tipos celulares, com processos das ipRGCs (marcados pelo anticorpo anti-melanopsina) sendo diretamente adjacentes aos sítios de liberação de dopamina (marcados pelo anticorpo anti-transportador vesicular de monoamina2, VMAT2). Isto é uma característica fundamental da arquitetura da retina de mamíferos que parece resistente à degeneração dos fotorreceptores clássicos e pode prover o substrato anatômico pelo qual as células dopaminérgicas influenciam a fisiologia dos alvos circadianos centrais no cérebro (Vugler et al., 2007). É sugerido que a justaposição anatômica dos processos de dopamina e melanopsina na camada

50 plexiforme interna de ratos e humanos é um produto da pressão seletiva. Esta associação anatômica pode ser adaptativa e reflete algum grau de vantagem evolutiva adquirida por ter os dendritos das ipRGCs adjacentes aos sítios de liberação de dopamina. Isto é particularmente importante quando considerada a curiosa associação aparente entre dendritos de células expressando melanopsina e pericários imunorreativos a TH (Vugler et al., 2007).

Sabe-se que a dopamina modula a sensibilidade de células ganglionares ao estímulo luminoso (Jensen & Daw, 1986) e certamente também as ipRGCs. A inferência óbvia nesse caso seria que variações circadianas no conteúdo de dopamina afetariam a sensibilidade das ipRGCs à luz, de tal modo que a transmissão dopaminérgica atuaria de maneira preditiva, preparando as células melanopsinérgicas para alterações na iluminação externa. Esta hipótese é fortalecida pelos dados mostrando ciclos circadianos de dopamina (Doyle et al., 2002a, b) e a expressão de componentes chaves da maquinaria do relógio molecular em neurônios retinianos dopaminérgicos, mas não em melanopsinérgicos (Witkovsky et al., 2003; Gustincich et al., 2004). Conforme mencionado anteriormente, a dopamina desempenha um importante papel na regulação da fisiologia da retina sendo considerada um mediador parácrino de adaptação à luz (Iuvone et al., 1978), sendo a sua síntese e liberação na retina reguladas principalmente pelos cones e bastonetes através da circuitaria da retina (Doyle et al., 2002b; Sakamoto et al., 2005). É proposto que a dopamina tem um importante papel na mediação da sinalização de luz que é usada para a sincronização circadiana e outras respostas mediadas pelo sistema não formador de imagem, considerando-se as evidências de que a dopamina está envolvida na regulação do RNA mensageiro de melanopsina, possivelmente via receptores D2 localizados nas ipRGCs (Sakamoto et al., 2005). Como as células dopaminérgicas na retina parecem funcionar pelos menos em alguma extensão independentemente dos fotorreceptores da retina externa (Puopolo et al., 2001; Doyle et al., 2002b), então a implicação é que neurônios dopaminérgicos da retina podem servir como a

51 origem de sinais circadianos que, ao modular a função das ipRGCs, influenciam indiretamente o núcleo supraquiasmático.