• Nenhum resultado encontrado

Importância da dopamina para a transição claro/escuro

Uma população de células amácrinas da retina se caracteriza por expressar dopamina, (Prakash & Wurst, 2006; Björklund & Dunnett, 2007). Estas células podem ser identificadas por imunoistoquímica, usando o anticorpo contra tirosina hidroxilase (TH), enzima que participa da síntese da dopamina. Desta forma, a dopamina retiniana tem sido localizada em um tipo de célula amácrina, cujo soma é encontrado na fileira mais interna da INL e os processos se ramificam no extrato mais externo da IPL (Brecha et al., 1984; Oyster et al., 1985; Hokoc & Mariani, 1987; Wulle & Schnitzer, 1989), podendo algumas delas serem encontradas deslocadas na IPL e na camada de células ganglionares. As células amácrinas dopaminérgicas são células esparsas, representando cerca de 0,2% de todas as células amácrinas e aproximadamente 0,005% de todas as células retinianas (Gustincich et al., 1997; Jeon et al., 1998). São células de campo dendrítico grande, com arborizações amplamente difusas na camada plexiforme interna e, apesar da baixa densidade, cada célula origina inúmeros processos que se irradiam à distância o suficiente para se sobreporem aos das células vizinhas. Nesse emaranhado de processos dopaminérgicos estão imersos os pericários (Witkovsky, 2004). Em várias espécies de vertebrados, a dopamina é localizada em outro tipo de célula, a célula interplexiforme. Células interplexiformes dopaminérgicas são neurônios que permanecem na camada nuclear interna e, como as células amácrinas, emitem processos para a camada plexiforme interna, mas, além disso, possuem processos adicionais que atravessam a camada nuclear interna, alcançando também a camada plexiforme externa (Oyster et al., 1985; Mangel & Dowling, 1987; Savy et al., 1989). Como as células amácrinas dopaminérgicas, as células interplexiformes desempenham um papel essencial na adaptação ao claro-escuro e parecem estar ligadas a uma alça de retroalimentação (Cohen & Dowling,

52 1983; Mangel & Dowling, 1987), levando informações da camada plexiforme interna, primariamente relacionada com aspectos dinâmicos e temporais do estímulo visual, de volta para a camada plexiforme externa, que parece corresponder ao estágio do processamento da informação visual, em que são processados aspectos estáticos e espaciais da iluminação (Brandies & Yehuda, 2008). Em algumas retinas de vertebrados, o neurônio dopaminérgico é uma célula amácrina, em outras é uma célula interplexiforme, mas em algumas espécies, como o gato (Oyster et al., 1985) o rato e o camundongo (Witkovsky et al., 2008), os dois tipos estão presentes. Algumas células dopaminérgicas co-localizam com o ácido gama- aminobutírico (GABA), o que pode ser a base de uma modulação intracelular de dopamina por GABA (Nguyen-Legros et al., 1997).

Dois tipos morfológicos de células amácrinas dopaminérgicas (tipo 1 e tipo 2) foram descritos pela primeira vez na retina de macaco Rhesus (Mariani & Hokoc, 1988). As células tipo 1 têm comparativamente grandes corpos celulares, são densamente coradas, estão situadas quase exclusivamente na fileira mais interna da camada nuclear interna, seus processos arborizam no extrato mais externo da camada plexiforme interna e dão origem a finas fibras orientadas radialmente na camada nuclear interna. As células tipo 2 têm comparativamente às células tipo 1, pequenos corpos celulares, menor intensidade de coloração para TH, a maior parte encontra-se localizada na INL, seguido da IPL e GCL, e seus processos arborizam no centro da camada plexiforme interna (Mariani & Hokoc, 1988). Uma categorização semelhante, embora com variações na relação entre os dois tipos, foi encontrada na retina de coelho (Tauchi et al., 1990) e do camundongo transgênico (Gustincich et al., 1997; Feigenspan et al., 1998). Em camundongos selvagens, albinos ou pigmentados, apenas um tipo morfológico foi identificado (Versaux-Botteri et al., 1984).

Estudos de microscopia eletrônica confirmaram a entrada de células bipolares sobre as células amácrinas dopaminérgicas na retina de macaco Rhesus (Hokoc & Mariani, 1987) e de

53 gato e coelho (Hokoç & Mariani, 1988). Por esta via, em mamíferos, a produção e liberação da dopamina retiniana são estimuladas pela exposição à luz (Kramer, 1971; Iuvone et al., 1978; Witkovsky et al., 2004), embora os neurônios dopaminérgicos sejam tonicamente ativos, apresentando disparos espontâneos de repouso, moduladas pela luz (Gustincich et al., 1997; Feigespan et al., 1998). Uma vez liberada, a dopamina atua tanto localmente como através de sinapses com os neurônios adjacentes, e dependendo da transmissão parácrina, pode afetar as funções de inúmeras células da retina não necessariamente adjacentes às células dopaminérgicas (Jensen & Daw, 1986; Bjelke et al., 1996). Nesse ponto é importante mencionar que neurônios dopaminérgicos estão perfeitamente posicionados na retina interna para facilitar a propagação de dopamina pela transmissão volumétrica, podendo receber influências provenientes da entrada de mais de um tipo de célula bipolar e fazendo sinapses morfologicamente definidas com dois tipos de células amácrinas, as células AII e as células A17, ambas as quais fazem parte da via dos bastonetes (Voigt & Wässle, 1987; Witkovsky, 2004). Elas liberam dopamina extrassinapticamente de seu próprio soma (Puopolo et al., 2001) e ao que parece, a grande maioria das células na retina possui receptores dopaminérgicos (Nguyen-Legros et al., 1999), de modo a capturar e utilizar este neurotransmissor.

As células dopaminérgicas controlam a sensibilidade de muitos neurônios retinianos durante adaptação ao claro e ao escuro. Estas células ajustam globalmente a responsividade da retina sob luz brilhante ou penumbra. A dopamina afeta muitos elementos da circuitaria da retina, altera a condutância nas junções comunicantes entre células horizontais e células amácrinas, potencializa as respostas de receptores de glutamato ionotrópicos sobre células bipolares, afeta o equilíbrio centro-periferia das células ganglionares e é até capaz de causar migração do pigmento em células do epitélio pigmentar retiniano, um tecido não neural (Witkovsky, 2004). Neste caso e também em outros, isto é mediado não sinapticamente, e sim

54 através de uma liberação difusa, parácrina, do neurotransmissor. Experimentos usando células amácrinas transgenicamente marcadas em cultura mostraram que a liberação extrassináptica é controlada por potenciais de ação espontâneos na ausência de entrada sináptica e modulada por entradas, presumivelmente também parácrinas, de outros neurônios retinianos (Gustincich et al., 1997; Puopolo et al., 2001).

É interessante destacar que a dopamina exerce um papel antagônico ao da melatonina na regulação da fisiologia adaptativa da retina. Enquanto a dopamina funciona como um sinal químico para a luz, produzindo mecanismos fisiológicos de adaptação à luz, a melatonina tem efeitos adaptativos ao escuro (Green & Besharse, 2004; Iuvone et al., 2005). Ao que tudo indica, os fotorreceptores secretores de melatonina e as células amácrinas/interplexiformes secretoras de dopamina, formam uma alça de feedback celular, funcionando na regulação da fisiologia retiniana circadiana (Iuvone et al., 2005). Além disso, foi visto que as células dopaminérgicas da retina atuam também modulando a expressão de melanopsina em células ganglionares intrinsecamente fotossensíveis (Sakamoto et al., 2005; Vugler et al., 2007). As interações envolvendo dopamina, melatonina e melanopsina foram abordadas anteriormente no contexto dos ritmos da retina e sistemas fotossensíveis da retina interna.

Resumindo, a integridade do sistema dopaminérgico é fundamental para a expressão de muitas funções retinianas, podendo a sua disfunção explicar muitos dos distúrbios visuais que ocorrem em consequência do envelhecimento e doenças degenerativas (Djamgoz et al., 1997; Witkovsky, 2004; Brandies & Yehuda, 2008). No sistema visual, as funções da dopamina incluem adaptação à luz, visão de cores, controle de sensibilidade, resolução/acuidade espacial e sinalização temporal. Além disso, também está envolvida em funções tróficas, incluindo crescimento ocular, desenvolvimento e morte celular (Witkovsky, 2004; Brandies & Yehuda, 2008).

55