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1. DO PÁTRIO PODER AO PODER FAMILIAR

1.6. Código Civil de 2002

O Código Civil de 2002 (Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002) trouxe modificações importantes, em conformidade com a Constituição Federal de 1988, e, conforme os ensinamentos de Miguel Reale42, foi elaborado um Código baseado na boa-fé e com um sentido mais social, não sendo mais um Código individualista como o Código de 1916.

Seguindo a linha evolutiva do instituto do pátrio poder, o Código Civil de 2002 destacou sua importância com a mudança da locução para poder familiar, para adequar-se à nova realidade social, e não com o intuito de criar uma nova figura jurídica.

O Código Civil de 1916, quando entrou em vigor, era uma obra monumental, mas já havia necessidade de ser revisto e atualizado, vez que o seu projeto aguardou durante anos para ser aprovado, e muitos dos artigos já não representavam a época em que entrou em vigor43.

Atendendo aos reclamos sociais, diversas normas foram publicadas com o intuito de atualizar o Código de 1916, dentre elas o Estatuto da Mulher Casada, a Lei do Divórcio, a da União Estável, o reconhecimento de filhos, o Estatuto da Criança e do Adolescente, e, principalmente, a Constituição Federal de 1988, entre outras. 44

Assim na época, em virtude das grandes transformações sociais e econômicas, reconheceu-se a necessidade de revisão do Código Civil de 1916, e o Governo Brasileiro solicitou a uma Comissão redigir um anteprojeto de Código das

42 Miguel Reale, Visão geral do novo Código Civil, disponível em: <www.miguelreale.com.br>, abril

2007.

43 Pablo Stolze Gagliano; Rodolfo Pamplona Filho, Novo curso de direito civil, cit., p. 49; Carlos

Roberto Gonçalves, Direito civil brasileiro, cit., p. 22; Washington de Barros Monteiro, Curso de direito civil, cit., p. 52; Marcial Barreto Casabona, Guarda compartilhada, cit., p. 15; Caio Mário da Silva Pereira, Teoria geral do direito civil, cit., p. 85; Renan Lotufo, in: Everaldo Augusto Cambler (coord.), Curso avançado de direito civil: parte geral, vol. 1, São Paulo: Revista dos Tribunais, 2002, p. 66-75; Sílvio de Salvo Venosa, Direito civil, vol. 1: parte geral, cit., p. 101; Sílvio Rodrigues, Direito civil, vol. 1, São Paulo: Saraiva, 2002, p. 13.

Obrigações separado do Código Civil, encarregando Orozimbo Nonato, Filadelfo Azevedo e Hahnemann Guimarães.

Em 1941, o referido anteprojeto sofreu severas críticas dos juristas, por atentar contra o critério orgânico do nosso direito codificado, que se romperia com a aprovação isolada do Código das Obrigações.

Em 1961, com o objetivo de elaborar um anteprojeto do Código Civil, o Governo Brasileiro nomeou Orlando Gomes, Caio Mário da Silva Pereira e Sílvio Marcondes. Em 1964, o projeto foi enviado ao Congresso e teve fortes reações contrárias, tendo sido retirado pelo Governo em 1965.

Em 1967, o ministro da Justiça, Luiz Antonio da Gama e Silva, nomeou nova Comissão para rever o Código Civil, convidando Miguel Reale, José Carlos Moreira Alves, Agostinho Alvim, Sílvio Marcondes, Ebert V. Chamoun, Clóvis Couto e Silva e Torquato Castro.

Em 1972, esta Comissão apresentou um Anteprojeto que procurou manter a estrutura básica do Código Civil, à luz dos valores éticos e sociais, mas recebeu críticas por tentar unificar as obrigações civis e mercantis.

O anteprojeto foi em 1984 publicado no Diário do Congresso Nacional e se transformou no Projeto de Lei n.º 634-B/7545, de autoria de Miguel Reale, que

funcionou como supervisor, e constituiu-se no PLC nº 118/84; recebeu inúmeras emendas em razão do advento da Constituição Federal de 1988.

Após 26 (vinte e seis) anos de tramitação na Câmara dos Deputados e no Senado, foi, em 2001, aprovado pela Câmara e pelo Senado, e publicado em 11 de janeiro de 2002, revogando totalmente o Código Civil de 1916.

O Código Civil de 2002 entrou em vigor em 12 de janeiro de 2003, e Miguel Reale46, que foi o supervisor do Projeto, fez um discurso maravilhoso sobre a obra.

Maria Helena Diniz preleciona, em relação ao novo Código Civil47:

“O novel Código passa a ter um aspecto mais paritário e um sentido social, atendendo aos reclamos da nova realidade, abolindo instituições moldadas em matrizes obsoletas, albergando institutos dotados de certa estabilidade, apresentando desapego a formas jurídicas superadas, tendo um sentido operacional à luz do princípio da realizabilidade, traçando, tão somente, normas gerais definidoras de instituições e de suas finalidades, com o escopo de garantir sua eficácia, reservando os pormenores às leis especiais, mais expostas às variações dos fatos da existência cotidiana e das exigências sociocontemporâneas, e eliminando, ainda, normas processuais ao admitir apenas as intimamente ligadas ao direito material. Procura exprimir, genericamente, os impulsos vitais, formados na era contemporânea, tendo por parâmetro a justiça social e o respeito da dignidade da pessoa humana (CF, art. pl, 111). Tem por diretriz o princípio da socialidade, refletindo a prevalência do interesse coletivo sobre o individual, dando ênfase à função social da propriedade e do contrato e à posse-trabalho, e ao mesmo tempo, contém, em seu bojo, não só o princípio da eticidade, fundado no respeito à dignidade humana, dando prioridade à boa fé subjetiva e objetiva, à probidade e à

46 Miguel Reale, Visão geral do novo Código Civil, disponível em: <www.miguelreale.com.br>, abril

2007: “Tão grande é o respeito que tenho pela obra do insigne Clovis Bevilaqua que, ao ser convidado pelo Governo da República, em 1969, para superintender à atualização de nossa Lei Civil, após duas tentativas malogradas, preferi fazê-lo em colaboração com uma plêiade de jurisconsultos eminentes, cujos nomes faço questão de evocar neste instante solene: Agostinho Alvim, José Carlos Moreira Alves, Clóvis do Couto e Silva, Silvio Marcondes, Torquato Castro e Ebert Chamoun. Quatro deles já faleceram, mas todos exerceram a missão recebida com dedicação e zelo, sem exigir qualquer compensação além da representada pela oportunidade que tinham de bem servir à comunidade nacional.”

eqüidade, como também o princípio da operabilidade, conferindo ao órgão aplicador maior elastério, para que, em busca de solução mais justa (LICC, art. 511), a norma possa, na análise de caso por caso, ser efetivamente aplicada. Como diz Engisch, "normatividade carece de preenchimento valorativo", as cláusulas gerais e os conceitos indeterminados contidos nos preceitos do novo diploma legal requerem uma valoração objetiva do julgador, tendo por base os valores vigentes na sociedade atual. Todos os princípios norteadores do Código Civil de 2002, ora vigente, giram em tomo da cidadania, da dignidade humana, dos valores sociais do trabalho e da livre iniciativa”.

De acordo com vários autores, notadamente Miguel Reale48, três princípios fundamentais inspiraram o novo Código Civil, quais sejam, a eticidade, a socialidade e a operabilidade.

A eticidade, pois se baseou em valores éticos, sem abandonar as conquistas da técnica jurídica, respeitando a dignidade humana, a boa-fé objetiva e subjetiva, a probidade e a equidade. A socialidade, pois tentou superar o caráter individualista do Código de 1916, que foi elaborado em um país eminentemente agrícola, sendo agora um país urbano, predominando o social sobre o individual. E a operabilidade, visando ao estabelecimento de soluções normativas, de modo a facilitar a interpretação da lei e a sua conseqüente aplicação.

Quando da entrada em vigor do novo Código Civil, Miguel Reale49 discursou e

citou os princípios fundamentais que inspiraram a obra:

“É com a responsabilidade que me advém da longa idade e de apurado estudo que posso assegurar, senhor Presidente, que vai ser sancionada uma Lei Civil que

48 Miguel Reale, Visão geral do novo Código Civil, cit., p. 37. 49 Miguel Reale, Visão geral do novo Código Civil, cit., p. 37.

será da maior valia para o País, sobretudo em razão dos princípios de eticidade, socialidade e operabilidade que presidiram a sua elaboração”.

O Código Civil de 2002 foi dividido em uma “Parte Geral” e uma “Parte Especial”. A primeira trata dos sujeitos de direito (as pessoas naturais e jurídicas), do objeto do direito (dos bens jurídicos) e dos fatos jurídicos.

A segunda trata do direito das obrigações, do direito de empresa, do direito das coisas, do direito de família e do direito das sucessões. A Parte Geral fornece conceitos, categorias e princípios, para serem aplicados em todo o ordenamento jurídico, e ajuda na utilização e aplicação da Parte Especial. Tal estrutura foi explicada por Miguel Reale50:

“A iniciativa de um novo Código Civil não surgiu de repente. Foi, ao contrário, conseqüência de duas tentativas anteriores que já demarcaram as condições que deveriam ser evitadas ou, então, complementadas. Em primeiro lugar, abandonou-se a idéia de dividir o Código Civil, elaborando-se, em separado, um Código das Obrigações. A quase unanimidade de nossos juristas

50 Miguel Reale, Visão geral do novo Código Civil, cit., p. 37. “Como responsável pela codificação, não

vacilei no sentido de preferir uma sistematização ampla, embora partindo do Código em vigor. Como já disse, foi fixado o critério de preservar, sempre que possível, as disposições do Código atual, porquanto de certa forma cada texto legal representa um patrimônio de pesquisa, de estudos, de pronunciamentos de um universo de juristas. Há, por conseguinte, todo um saber jurídico acumulado ao longo do tempo, que aconselha a manutenção do válido e eficaz, ainda que em novos termos. Por outro lado, é inegável que o Código atual obedeceu, repito, como era natural, ao espírito de sua época, quando o individual prevalecia sobre o social. É, por isso, próprio de uma cultura fundamentalmente agrária, onde predominava a população rural e não a urbana. A mudança do Brasil no presente século foi de tal ordem que o Código não poderia deixar de refletir essas alterações básicas, uma vez que o Código Civil não é senão a constituição da sociedade civil. Como costumo dizer, e repito, o Código Civil é a constituição do homem comum (...). Nosso projeto, após a Parte Geral – na qual se enunciam os direitos e deveres gerais da pessoa humana como tal, e se estabelecem pressupostos gerais da vida civil – começa, na Parte Especial, a disciplinar as obrigações que emergem dos direitos pessoais. É extensa essa disciplina das obrigações, dado o tratamento unificado das obrigações civis com as obrigações empresariais, termo que preferimos adotar, pois a atividade econômica não se assinala mais, hoje em dia, por atos de comércio, tendo uma projeção muito mais ampla, sendo igualmente relevantes os de natureza industrial ou financeira. Em seguida ao Direito das Obrigações, passamos a contar com uma parte nova, que é o Direito de Empresa (...).Daí se passa ao Direito das Coisas, sendo o Direito Real visto em razão do novo conceito de propriedade, com base no princípio constitucional de que a função da propriedade é social, superando-se a compreensão romana quiritária da propriedade em função do interesse exclusivo do indivíduo, do proprietário ou do possuidor. Em seguida ao Direito das Coisas é que vem o Direito de Família e, posteriormente, o Direito das Sucessões, inseparável do conceito”.

repudiou a proposta de um Código Civil decepado e sem sentido de unidade, condenando a eliminação da Parte Geral, tradicional em nosso Direito, desde a Consolidação das Leis Civil, graças ao gênio criador de Teixeira de Freitas”.

O novo Código Civil apresenta estrutura diferenciada na Parte Especial, que optou por tratar, inicialmente, o direito das obrigações, e, depois disso, regeu o direito das coisas, o direito de empresa, o direito de família e o direito das sucessões, ao contrário do Código Civil de 1916, em que a Parte Especial começava pelo o direito de família.

Este era tratado nos artigos 180 a 484 do Código Civil de 1916; no atual, passou a ser tratado nos artigos 1.511 a 1.783.

O pátrio poder era disciplinado na Parte Especial, Livro I – “Direito de família”, Capítulo V – “Das relações de parentesco”, Seções II e III – “Do pátrio poder quanto à pessoa e bens dos filhos”.

Na versão original do Projeto do Código Civil, foi mantida a expressão pátrio poder, como no Código de 1916, mas, por idéia de Miguel Reale, foi proposta pelo Senado Federal a alteração para “poder familiar”, nos termos da Resolução 1/2000, no voto do relator, Deputado Ricardo Fiúza, com a justificativa de que a expressão pátrio poder denotava a prevalência do cônjuge varão sobre a pessoa dos filhos. Passou o novo Código a tratar do poder familiar no Livro IV – “Do direito de família”, Título I – “Do direito pessoal”, Subtítulo II, Seção V – “Do poder familiar”.

Após esta introdução sobre a evolução do instituto pátrio poder para poder familiar, tendo sido feita uma análise desde antes do Código Civil de 1916, com as inovações trazidas pelo Estatuto da Mulher Casada, pela Lei do Divórcio, pela Constituição Federal de 1988, pelo Estatuto da Criança e do Adolescente e, finalmente, pelo Código Civil de 2002, até o presente momento, agora passaremos a

analisar o poder familiar, como está hoje delineado, começando com as noções gerais sobre o tema objeto deste trabalho.