• Nenhum resultado encontrado

Paternidade socioafetiva

3. FILIAÇÃO E PODER FAMILIAR

3.3. Paternidade socioafetiva

No Brasil, a paternidade biológica era a única a ser considerada, sendo que a doutrina e a jurisprudência, atendendo à realidade social, começou a introduzir a paternidade socioafetiva190.

A ciência evoluiu e atualmente consegue identificar a origem genética dos indivíduos, determinando a filiação biológica através de diversas técnicas, principalmente do DNA, mas isso não quer dizer que vai assegurar ao filho a formação de uma família e os princípios fundamentais, de dignidade da pessoa humana e o da proteção integral dos interesses dos filhos191.

Isto porque não será um documento comprobatório de filiação que vai criar a relação afetiva entre pais e filhos. A verdadeira paternidade ou maternidade não pode se circunscrever apenas à busca de uma precisa informação biológica, mas se estender à união desta com a parte afetiva.

Atualmente, o afeto passou a ser melhor considerado nas questões envolvendo guarda de menores.

189

Antonio Chaves, Filiação legítima, in: Enciclopédia Saraiva do Direito, v. 37, p. 315.

190 Adalgisa Wiedemann Chaves, A tripla parentalidade: biológica, registral e socioafetiva, cit., vol. 7,

nº 31, p. 144; Belmiro Pedro Welter, Igualdade entre a filiação biológica e socioafetiva, cit., p. 129.

191 Maria Claudia Crespo Brauner, Novos contornos do direito de filiação: a dimensão afetiva das

relações parentais, Revista da AJURIS, Porto Alegre: Associação dos Juízes do Rio Grande do Sul, vol. 26, nº 78, 2000, p. 194; José Bernardo Ramos Boeira, Investigação de paternidade: posse do estado de filho: paternidade sócio-afetiva, Porto Alegre: Livraria do Advogado, 1999, p. 26.

Conforme ensinamento de Norberto de Almeida Carride192, “para o deferimento da

guarda de menor deve prevalecer a paternidade sócio afetiva sobre a biológica” (TJDF. AP. Cível 20030150089995 –DF Acórdão 205579, 2ª Turma Cível).

Nesse sentido já decidiu o Supremo Tribunal Federal:

"O menor, de regra, deve ser mantido onde está, desde que aí se encontre bem. A troca de meio ambiente deve ser evitada o quanto possível, para não causar prejuízo psíquico à criança". (STF,RE 100.200.0, 2ºT. - j. 27- 9-83, ReI.Min. Moreira Alves, in RT 586/234).

Carlos Roberto Gonçalves193 entende que a filiação socioafetiva pode ser enquadrada como veemente presunção resultante de fatos já certos a convivência familiar, conhecida como "posse do estado de filho", caracterizada pelo tractatus (quando o interessado é tratado publicamente como filho), nomen (indicativo de que a pessoa utiliza o nome de família dos pais) e fama (quando a pessoa goza da reputação de filha, na família e no meio em que vive).

Belmiro Pedro Welter194 entende que se pode identificar quatro modalidades de

paternidade socioafetiva: a decorrente da adoção regular e legal195; a adoção “à

192 Norberto de Almeida Carride (TJDF. Ap. Cível 20030150089995 – DF. Acórdão 205579, 2.ª Turma

Cível).

193 Carlos Roberto Gonçalves, Direito civil brasileiro, cit., vol.VI, p. 291.

194 Belmiro Pedro Welter, Igualdade entre a filiação biológica e socioafetiva, cit., p. 129.

195 “EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. ADOÇÃO À BRASILEIRA.

PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Ainda que o exame de DNA aponte pela exclusão da paternidade do pai registral, mantém-se a improcedência da ação negatória de paternidade, se configurada nos autos a adoção à brasileira e a paternidade socioafetiva. Precedentes doutrinários e jurisprudenciais. Apelação desprovida (segredo de justiça)” (Apelação Cível Nº 70019125285, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 28/06/2007);

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO CIVIL. ADOÇÃO À BRASILEIRA E PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CARACTERIZADAS. Caracterizadas a adoção à brasileira e a paternidade socioafetiva, o que impede a anulação do registro de nascimento da ré pelo pai registral, mantém-se a improcedência da ação. Precedentes. Preliminar rejeitada. Apelação desprovida (segredo de justiça)” (Apelação Cível Nº 70018812206, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 28/06/2007);

“EMENTA: APELAÇÃO CÍVEL. RECURSO ADESIVO. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE CUMULADA COM ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. ADOÇÃO À BRASILEIRA E PATERNIDADE SOCIOAFETIVA CARACTERIZADAS. ALIMENTOS A SEREM PAGOS PELO PAI BIOLÓGICO. IMPOSSIBILIDADE. Caracterizadas a adoção à brasileira e a paternidade socioafetiva, o que impede a anulação do registro de nascimento do autor, descabe a fixação de pensão alimentícia a ser paga pelo pai biológico, uma vez que, ao prevalecer a paternidade socioafetiva, ela apaga a paternidade

brasileira”, na qual o adotante simplesmente registra o filho de outrem como seu, sem o devido processo legal; a criação de “filho” sem registro, o chamado “filho de criação”; e a reprodução humana assistida.

Na paternidade socioafetiva, a afetividade se sobrepõe ao vínculo genético, sendo que a convivência é que forma laços entre pais e filhos, e não a herança genética.

Assim, a paternidade não pode se resumir simplesmente à ciência, através de dados biológicos, devendo se levar em conta outros aspectos, principalmente o afetivo, em benefício dos filhos.196

Eduardo de Oliveira Leite197 ensina: "O que a evolução histórico-cultural comprovou, e de forma inquestionável, é que a função paterna está irremediavelmente ligada ao amor de um pai pelo seu filho. Fora desta relação pode haver laço biológico por si só insuficiente a criar qualquer vínculo de paternidade, incapaz de gerar uma relação paterno-filial".

De acordo com Silvio de Salvo Venosa198, “na realidade, há uma nova luta pelo direito, não imaginada pelos juristas da época clássica. Novos aspectos da ética ou da chamada bioética devem ser levados em conta. Haverá sempre um eco a perseguir o magistrado nesse tema: O verdadeiro pai é aquele que cuida da criança, cuja voz e cuja presença podem ser ouvidas e sentidas"199.

biológica, não podendo co-existir duas paternidades para a mesma pessoa. Agravo retido provido, à unanimidade. Apelação provida, por maioria. Recurso adesivo desprovido, à unanimidade (segredo de justiça)” (Apelação Cível Nº 70017530965, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: José Ataídes Siqueira Trindade, julgado em 28/06/2007).

196

Paulo Luiz Netto Lobo, Paternidade socioafetiva e o retrocesso da súmula 301 do STJ, Revista Jurídica, Porto Alegre: Notadez/Fonte do Direito, janeiro de 2005, n° 339, p. 339; Eduardo de Oliveira Leite, Procriações artificiais e o direito, São Paulo, Revista dos Tribunais, 1995, p. 32, Rolf Madaleno, Filhos do coração, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre, nº 23, abril/maio 2004; Jédison Daltrozo Maidana, O fenômeno da paternidade socioafetiva: a filiação e a revolução da genética, Revista Brasileira de Direito de Família. Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, nº24, p. 51.

197 Eduardo de Oliveira Leite, Grandes temas da atualidade: DNA como meio de prova da filiação, Rio

de Janeiro: Forense, 2000, p. 67; Belmiro Pedro Welter, Igualdade entre a filiação biológica e socioafetiva, Revista Brasileira de Direito de Família, Porto Alegre: Síntese/IBDFAM, ano IV, nº 14, jul/ago/set, 2002, p. 129.

198 Silvio de Salvo Venosa, Direito civil, cit., vol. VI, p. 291.

199 Anete Trachtenberg, in: Eduardo de Oliveira Leite, Grandes temas da atualidade. DNA como meio

Atualmente, tem se entendido que a paternidade sócio-afetiva deve prevalecer sobre a biológica, e o Rio Grande do Sul é o Estado mais avançado em sua valoração, conforme verificamos em diversos julgados200:

“EMENTA: ANULAÇÃO DE RECONHECIMENTO DE FILHO. PREVALÊNCIA DA PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Não ofende a verdade o registro de nascimento que espelhou a paternidade socioafetiva, voluntariamente assumida, mesmo se não corresponder à parentalidade biológica, pois a revelação da origem genética, por si só, não basta para atribuir ou negar a paternidade. A relação jurídica de filiação se construiu também a partir de laços afetivos e de solidariedade entre pessoas geneticamente estranhas que estabelecem vínculos que em tudo se equiparam àqueles existentes entre pais e filhos ligados por laços de sangue. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME” (Apelação Cível Nº 70018506303, Sétima Câmara

200 Decisões neste sentido:

“EMENTA: FAMÍLIA. ANULAÇÃO DE REGISTRO CIVIL. ASSENTO DE NASCIMENTO. VÍCIO DE CONSENTIMENTO NÃO COMPROVADO. VÍNCULO DE PARENTALIDADE. PREVALÊNCIA DA REALIDADE SOCIOAFETIVA SOBRE A BIOLÓGICA. RECONHECIMENTO VOLUNTÁRIO DA PATERNIDADE, DECLARAÇÃO DE VONTADE IRRETRATÁVEL. EXEGESE DO ART. 1.609 DO CCB/02. AÇÃO IMPROCEDENTE, SENTENÇA MANTIDA. APELAÇÃO DESPROVIDA (SEGREDO DE JUSTIÇA)” (Apelação Cível Nº 70019825512, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, julgado em 28/06/2007).

“EMENTA: FAMÍLIA. PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. PRETENSÃO QUE VISA A DECLARAÇÃO DE FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA COM O TIO FALECIDO. DECADÊNCIA. AÇÃO DE RECONHECIMENTO DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA, EMBORA DE CUNHO DECLARATÓRIO, OS SEUS EFEITOS, POR DECORRÊNCIA LÓGICA, IMPLICAM NA DESCONSTITUIÇÃO DA PATERNIDADE REGISTRAL, CUJO PRAZO LEGAL FOI ULTRAPASSADO, TORNANDO-SE IMPERIOSO O RECONHECIMENTO DA DECADÊNCIA. AUTOR QUE NÃO APRESENTA VÍCIO OU DEFEITO NO VÍNCULO COM OS PAIS BIOLÓGICOS, CONSTANDO NO REGISTRO DE NASCIMENTO A EXISTÊNCIA DE PAI REGISTRAL. SENTENÇA CONFIRMADA. APELAÇÃO DESPROVIDA, POR MAIORIA” (Apelação Cível Nº 70019199751, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Ari Azambuja Ramos, julgado em 17/05/2007).

"ECA. Adoção. Menores separados da mãe biológica desde tenra idade. Forte vínculo afetivo entre menores e adotante. Renda própria da adotante suprida por ajuda de parentes. Recurso provido. 1) A Adoção propicia aos carentes de pais terem pessoas que os admitam em sua família. O adotante passa a ser o ancestral jurídico direto do adotado. 2) O magistrado ao deferir ou negar uma adoção deve ter em mente que o espírito da lei, que manda observar a apresentação de reais vantagens para o adotando e fundar-se em motivos legítimos, é assegurar ao maior número de infantes a possibilidade de possuir um pai ou mãe (inteligência do art. 43 do ECA). 2.1) Se apegar ao materialismo, estar-se-ia criando um reducionismo ao princípio universal da adoção. Não possuir bens materiais não é estigma, é uma contingência. Ter princípios morais e propiciar ajuda aos abandonados é o que importa. 3) Se negar a adoção, permanece o menor em estado irregular somente porque o adotante é pobre, é mister deferir o pedido, porque a pesquisa técnica encontrou um forte vínculo afetivo e claro entre a adotante e os menores e viceversa. Decisão: conhecer e prover. Unânime" (TJDF - Ap. Cíve123096, Acórdão 13242, 12-4-99, ReI. João Mariosa).

Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 13/06/2007).

“EMENTA: AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO REIVINDICATÓRIA DE PATERNIDADE AJUIZADA PELO SEDIZENTE PAI BIOLÓGICO. EXISTÊNCIA DE VÍNCULO SOCIOAFETIVO ENTRE O MENOR E O PAI REGISTRAL. ÓBICE À REALIZAÇÃO DE EXAME DE DNA. Desatende aos superiores interesses da criança a realização de exame de DNA, destinado a averiguar a paternidade biológica, quando estabelecida entre o menor e seu pai registral a chamada paternidade socioafetiva. Ademais, o direito à verdade sobre a própria origem genética é direito da criança e somente por ele pode ser exercido, se assim o desejar, em momento oportuno. DERAM PROVIMENTO. UNÂNIME” (Agravo de Instrumento Nº 70019302892, Sétima Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 18/07/2007).

Concluímos que, apesar de a tecnologia científica ter condições de detectar biologicamente a filiação, principalmente através do exame de DNA, é necessário levar em conta o melhor interesse do menor, analisando-se a questão afetiva, pois os pais não são obrigatoriamente os que geram o filho, mas sim os que criam e querem ser efetivamente pais.

Após o estudo do poder familiar e da filiação, cumpre analisarmos a responsabilidade civil dos pais em relação aos atos ilícitos praticados pelos filhos menores durante o seu exercício, que faremos a seguir.