• Nenhum resultado encontrado

2. PODER FAMILIAR: NOÇÕES GERAIS

2.9. Suspensão

O poder familiar, visto como função dos pais de criar e educar os filhos, estabelecido por força de lei no interesse e para a proteção da prole, deve durar toda a menoridade, ininterruptamente, não sendo suscetível de qualquer forma de renúncia voluntária. Instituído em favor dos filhos, não podem os pais dele abrir mão em função de suas conveniências, ainda que com fundamento em bons e justos motivos.

Entretanto, porque impregnado de elementos de ordem pública, não é absoluto ou intangível, sujeitando-se à fiscalização e controle do Estado, nos termos da lei.

147 CCP, art. 1.889.°: "(Actos cuja validade depende de autorização do tribunal) I. Como

representantes do filho não podem os pais, sem autorização do tribunal: a) Alienar ou onerar bens, salvo tratando-se de alienação onerosa de coisas susceptíveis de perda ou deterioração; b) Votar, nas assembleias gerais das sociedades, deliberações que importem a sua dissolução; c) Adquirir estabelecimento comercial ou industrial ou continuar a exploração do que o filho haja recebido por sucessão ou doação; (...)”.

Sempre que se constatar a existência de fato ou circunstância que denote ser incompatível o exercício por qualquer dos pais, configura-se a possibilidade de suspensão ou modificação, ou, ainda, de perda do poder148.

A suspensão é concebida sob dois aspectos distintos: como medida de proteção aos interesses dos filhos ou como sanção aos pais por infração ao dever de exercer o poder familiar dentro dos ditames legais.

As causas determinantes da suspensão do poder familiar estão arroladas, genericamente no Código Civil, artigo 1637:

“Se o pai, ou a mãe abusar de sua autoridade, faltando aos deveres a eles inerentes ou arruinando os bens dos filhos, cabe ao juiz, requerendo algum parente, ou o Ministério Público, adotar a medida que lhe pareça reclamada pela segurança do menor e seus haveres, até suspendendo o poder familiar, quando convenha.

Parágrafo único - Suspende-se igualmente o exercício do poder familiar ao pai ou à mãe condenados por sentença irrecorrível, em virtude de crime cuja pena exceda a dois anos de prisão.”

A falta de cumprimento dos deveres paternos e maternos pode acarretar a suspensão do poder familiar; assim: se os pais não oferecerem escolaridade aos filhos, os deixarem pelas ruas, ou em estado de vadiagem, libertinagem, criminalidade; se os privam de alimentos, pondo em perigo sua saúde, ou se os maltratam ou têm um comportamento inadequado na presença deles.

Outro motivo para a suspensão é a condenação do pai ou mãe à pena de até dois anos de prisão, por sentença irrecorrível. Decorrido esse tempo, não havendo outro obstáculo, o juiz restabelecerá o poder familiar.

148 Maria Helena Diniz, Curso de direito civil brasileiro, cit., vol. 5, p. 525; Washington de Barros

Monteiro, Direito de família, cit., p. 356; Sílvio Rodrigues, Direito civil, cit., vol. 6, p. 410; Carlos Roberto Gonçalves, Direito civil brasileiro, cit., vol. VI, p. 375.

Embora não previsto expressamente, haverá também suspensão no caso de interdição e ausência, judicialmente decretadas.

A suspensão não tem caráter de definitividade. Assim, desaparecendo a causa que deu origem à suspensão, os pais poderão retornar ao exercício do poder familiar.

2.9.1. No direito comparado

A legislação espanhola prevê a suspensão do poder familiar, e a trata como privação total ou parcial do patria potestad, disposto no artigo 170 do Código Civil Espanhol.

CCE, art. 170: "El padre o Ia madre podrán ser privados total o parcialmente de su potestad por sentencia fundada en el incumplimiento de los deberes inherentes a Ia misma o dictada en causa criminal o matrimonial". O Código Civil Espanhol não faz diferença sobre a privação total ou parcial, dispondo apenas que uma ou outra poderá se dar se os pais descumprirem os deveres inerentes à função, em virtude de causa criminal ou matrimonial.

Neste sentido, Denise Damo Comel149 se manifesta:

Na doutrina espanhola é quase unânime o entendimento de que a privação da patria potestad tem caráter punitivo ou sancionador, sendo concebida como um castigo previsto em lei para os pais que descumprem gravemente deveres ou que, em geral, se comportem de forma claramente lesiva aos interesses dos filhos.

Entretanto, Seisdedos Muiño150 oferece uma proposta intermediária para compatibilizar os dois aspectos que reputa pertinentes à privação da patria potestad: medida sancionadora ao pai e protetora do interesse do filho. Para a autora, dever-se-á exigir tanto a ocorrência de um descumprimento imputável como a conveniência da medida, em cada caso concreto, desde o ponto de vista do benefício do menor. Assim, se de qualquer modo resultar conveniente para o filho que o pai seja afastado da patria potestad, mas se não houver conduta sancionável, não se procederá à privação, até porque se a aplicarão outras medidas que implicam mera suspensão da função. E, tampouco, poder-se-á decretar a privação se, ao inverso, houver descumprimento punível, mas as circunstâncias concorrentes no caso permitam estimar, excepcionalmente, que o interesse do menor exige manter o pai no desempenho da função. No direito português, em relação à suspensão, existe também uma medida de suspensão ou modificação, disciplinada de forma casuística, em nove artigos, com as hipóteses de perda, sob a denominação de Inibição e limitações ao exercício do poder parental. Prevê a possibilidade de inibição do poder, total ou parcial, judicialmente, quando qualquer dos pais infringir culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo deles, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, não se mostre em condição de cumprir aqueles deveres151.

150 Ana Seisdedos Muiño, Suspensión versus privación de la patria potestad: reflexiones al hilo de las

sentencias del T. S. de 20 de enero de 1993 y 24 de mayo de 2000, Revista de Derecho Privado, Madrid: Edersa, jul-ago, 2001, p. 544.

151 CCP, art. 1.915.°-1: "A requerimento do Ministério Público, de qualquer parente do menor ou de

pessoa a cuja guarda ele esteja confiado, de facto ou de direito, pode o tribunal decretar a inibição do exercício do poder paternal quando qualquer dos pais infrinja culposamente os deveres para com os filhos, com grave prejuízo destes, ou quando, por inexperiência, enfermidade, ausência ou outras razões, não se mostre em condições de cumprir aqueles deveres".

CCP, art. 1.918.°: "Quando a segurança, a saúde, a formação moral ou a educação de um menor se encontrem em perigo e não seja caso de inibição do exercício do poder paternal, pode o tribunal, a requerimento do Ministério Público ou de qualquer das pessoas indicadas no n. 1 do artigo 1.915.°, decretar as providências adequadas, designadamente confiá-Io a terceira pessoa ou a estabelecimento de educação ou assistência".

Segundo a legislação portuguesa, também é possível que seja decretada judicialmente essa providência quando os pais coloquem em risco o patrimônio dos filhos e não seja caso de inibição do poder parental.

No direito argentino, de acordo com Denise Damo Comel152:

“O Código Civil argentino regula a matéria da suspensão apenas no art. 309. Na primeira parte, dispõe que o exercício da autoridade dos pais ficará suspenso (com caráter de obrigatoriedade) durante a ausência dos pais, judicialmente declarada, e na interdição e na inabilitação. Na segunda parte, estabelece que no caso de os filhos serem entregues a um estabelecimento de proteção de menores, poderá ser suspenso o exercício (com caráter de facultatividade), de acordo com as circunstâncias do caso. Observa-se, então, que no direito argentino as causas que ensejam a suspensão relacionam-se ou à ausência dos pais ou à impossibilidade de exercerem a função”.