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PERFIL ATUAL DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DAS PESSOAS FÍSICAS NO BRASIL

2.2 O IRPF e o Código Tributário Nacional

Conforme examinado no item 2.1.1, a Constituição reservou à lei complementar

federal dispor sobre normas gerais em matéria de legislação tributária, inclusive quanto a

fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes dos impostos nela discriminados279. Assim,

a definição dos fatos geradores, bases de cálculo e contribuintes do imposto sobre a renda

deve obrigatoriamente ser implementada por aquela modalidade legislativa. A principal,

ainda que não a única, lei veiculadora de normas gerais de tributação no Brasil é, sem

dúvida, a lei 5.172, de 25 de outubro de 1966, mais conhecida por “Código Tributário

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Nacional” ou pela sigla “CTN”. Apesar de o CTN ter sido editado como lei ordinária,

tem-se entendido que a Constituição de 1967, assim como a de 1988, o recepcionou

277 Aliás, defendemos o uso de alíquotas progressivas não apenas no IRPF mas também em outros impostos, sempre que possível. Registre-se que a própria Constituição prevê a progressividade no IPTU (art. 156, par.

1°.)

278 Neste sentido: BALTHAZAR, Ubaldo Cesar. Manual de Direito Tributário. 1. 1. Florianópolis: Diploma Legal, 1999, p. 51-52; COÊLHO, op. cit., p. 207; MACHADO, op. cit., p. 254.

279 Constituição, art. 146, III, a.

280 A denominação "Código Tributário Nacional" foi conferida pelo art. 7o. do Ato Complementar 36, de 13 de março de 1967.

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enquanto lei complementar . Pode-se dizer, assim, que o Código é lei ordinária com

eficácia de lei complementar ou, por outra, que formalmente é lei ordinária e,

materialmente, lei complementar, por versar matéria reservada pela Constituição a esta

última espécie normativa.

0 Código cuida do imposto sobre a renda nos arts. 43 a 45. No primeiro desses

dispositivos, o legislador explicitou o fato gerador ou hipótese de incidência do imposto,

ver bis:

“Art. 4 3 - 0 imposto, de competência da União, sobre a renda e proventos de qualquer natureza tem como fato gerador à aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica:

1 - de renda, assim entendido o produto do capital, do trabalho ou da combinação de ambos;

II - de proventos de qualquer natureza, assim entendidos os acréscimos patrimoniais não compreendidos no inciso anterior.

Parágrafo l s - A incidência do imposto independe da denominação da receita ou do rendimento, da localização, condição jurídica ou nacionalidade da fonte, da origem e da forma de percepção.

Parágrafo 2° - Na hipótese de receita ou de rendimento oriundos do exterior, a lei estabelecerá as condições e o momento em que se dará sua disponibilidade, para fins de incidência do imposto referido neste artigo.”283

A análise desse dispositivo com vistas à identificação de seu conteúdo e alcance

é de extraordinária importância, uma vez que, conforme já visto, a lei ordinária instituidora

do tributo não pode ultrapassar os limites impostos pelo CTN, sob pena de se revelar

281 Neste sentido: AMARO, p. 162-163; BALEEIRO, Direito...., p. 55; COÊLHO, op. cit., p. 129; MACHADO, op. cit., p. 65-66.

282 Doravante, neste Capítulo, as remissões ao vocábulo "Código" e à sigla " CTN" devem ser entendidas como feitas ao Código Tributário Nacional.'

283 Parágrafos l 2 e 2a acrescidos pela Lei Complementar 104, de 10 de janeiro de 2001. Disponível em: www.receita.fazenda.gov.br. Acesso em: 9 abr. 2001.

inconstitucional284.

A primeira observação que o exame do art. 43 do Código provoca é a de que o

fato gerador do imposto sobre a renda ou proventos de qualquer natureza não é a renda ou

os proventos em si, nem sua geração, mas sim a aquisição de sua disponibilidade

econômica ou jurídica. Em que consiste isso? Mais uma vez, os doutrinadores divergem.

Assim, Rubens Gomes de Sousa, cuja opinião nesta matéria é sempre importante, à vista

não apenas de ter sido um grande tributarista, mas de ter redigido o anteprojeto do

Código285, faz a seguinte distinção:

“Do ponto-de-vista estritamente fiscal, cabe, com efeito, distinguir entre a realização,

traduzida pela disponibilidade econômica de uma riqueza, e a separação, traduzida pela sua disponibilidade jurídica. Pela constatação de que o imposto visa o resultado de atos ou fatos jurídicos independentemente de sua natureza formal, conclui-se, necessariamente, que o fato gerador do imposto de renda é a aquisição da disponibilidade econômica de uma riqueza. Já o título de que decorre a sua disponibilidade jurídica apenas desempenha, na definição da incidência, um papel ulterior e complementar, o de permitir a discriminação dos rendimentos para sua classificação nas cédulas.”286 (Grifos apostos.)

No mesmo contexto dessa afirmação, Sousa conceitua a realização de um

rendimento (de capital) como “a verificação, efetiva ou potencial, de um acréscimo

patrimonial”, enquanto a separação deste rendimento consistiria na “possibilidade de se

287

dispor desse acréscimo independentemente e separadamente do capital que o produziu.”

Apesar de o raciocínio supra ter sido desenvolvido para renda decorrente de

capital, parece que pode ser utilizado também para as demais hipóteses contempladas no

284 Por infringir a norma insculpida no art. 146, III, a, da Lei Maior. 285 BALEEIRO, C urso..., p. 12-13;40;50.

286 SOUSA, op. cit., p. 344-345. 287 Idem.

CTN (renda proveniente do trabalho ou da combinação de capital e trabalho e proventos de

qualquer natureza). Assim, da lição de Sousa depreende-se que, apesar de constar do texto

legal a expressão “aquisição da disponibilidade econômica ou jurídica” na verdade o que

importa, para a caracterização do fato gerador do imposto, é a disponibilidade econômica,

ficando a disponibilidade jurídica relegada a um papel secundário. Para Sousa, a

disponibilidade econômica se externaria pela realização da renda ou do provento, no

sentido da existência de um acréscimo patrimonial passível de ser aferido. Já a

disponibilidade jurídica consistiria na separação da renda ou do provento, i. é, na

possibilidade de se dispor do acréscimo patrimonial. Neste passo, a mera geração de um

acréscimo patrimonial, ainda que este não possa ser usufruído pelo seu titular, configuraria

fato gerador do imposto sobre a renda. Esse posicionamento, assaz abrangente (e, neste

passo, “pro-fisco”) não é o adotado, de modo geral, pela doutrina e jurisprudência pátria,

conforme ver-se-á a seguir.

Hugo de Brito Machado, por exemplo, vê a disponibilidade econômica

adquirida mediante o efetivo recebimento, pelo titular da renda ou provento, do valor

correspondente, enquanto a disponibilidade jurídica seria evidenciada pelo simples

creditamento deste, do qual o beneficiário não pode ainda dispor. Veja-se que, no caso

específico do simples creditamento dos rendimentos, embora o resultado prático final da

posição de Machado seja o mesmo que decorre do entendimento de Sousa (i. é, a ocorrência

do fato gerador do tributo), os dois tributaristas discordam quanto à natureza do que

ocorreu. Com efeito, para Sousa, como no creditamento há a realização do rendimento, o

favorecido terá adquirido a disponibilidade econômica do mesmo e assim, terá ocorrido o

fato gerador do imposto. Já na ótica de Machado, embora o beneficiário pelo crédito tenha

adquirido apenas a disponibilidade jurídica do rendimento, igualmente terá ocorrido o fato

gerador da obrigação tributária. Gize-se, contudo, que na visão de Hugo de Brito Machado,

para que se configure o creditamento de um valor e, por conseguinte, o fato gerador do

imposto, é preciso que o adquirente possa efetivamente dispor daquele valor, sem qualquer

obstáculo, inclusive jurídico. Assim, não bastaria o locador ter o direito a receber o aluguel

vencido para que houvesse incidência do imposto; seria necessário que o locatário ao

menos creditasse o respectivo valor, de sorte que o senhorio pudesse dele se apoderar, v.g.,

depositando-o na conta-corrente bancária deste.

Há quem contudo veja a distinção entre disponibilidade econômica e jurídica de

maneira bem diversa. É o caso de José Eduardo Soares de Melo, que afirma, verbis:

“A disponibilidade jurídica consiste no direito de usar a renda ou os proventos, definitivamente constituídos na forma da lei, alcançando os atos e operações colhidos pelo direito; como é o caso de salários, honorários, vencimentos, etc. (resultantes do trabalho), e dos juros aluguéis e lucro nas operações imobiliárias etc. (decorrentes de aplicação do capital). A disponibilidade econômica prende-se a uma situação de fato irrelevante ao direito (ganho de jogos), ou até mesmo de situação ilícita (contrabando, juros usurários.)”288 (Grifos do original.)

Para Melo, embora a disponibilidade jurídica seja sempre econômica, a

recíproca não é verdadeira289.

Ricardo Mariz de Oliveira também é de opinião que “toda aquisição de

disponibilidade jurídica é concomitantemente de disponibilidade econômica, mas a

aquisição de disponibilidade econômica não é necessariamente jurídica.”290

288 MELO, op. cit., p. 266-267. 289 MELO, op. cit., p. 267. 290 OLIVEIRA, op. cit., p. 41.

Já para Zuudi Sakakihara, a disponibilidade econômica da renda ou provento

é adquirida tão logo este (ou esta) sejam incorporados ao patrimônio do adquirente. “Não

importa”, diz ele, que o direito não seja ainda exigível (um título de crédito ainda não

vencido), ou que o crédito seja de difícil e duvidosa liquidação (contas a receber). O que

importa é que possam ser economicamente avaliados e, efetivamente, acresçam o

patrimônio.”291 Para Sakakihara, a disponibilidade econômica não se confunde com a

financeira, esta sim caracterizada pela existência física dos recursos “em caixa”. A

aquisição da disponibilidade jurídica, por sua vez, exige que o adquirente tenha a

titularidade jurídica da renda ou dos proventos; ou seja, que estes provenham de fonte

lícita292.

Vê-se, neste rápido giro pela doutrina que, de modo geral, prevalece o

entendimento de que o importante na caracterização da ocorrência do fato gerador do

imposto é a aquisição da disponibilidade econômica, ficando a da disponibilidade jurídica

em segundo plano. Na verdade, em nosso sentir, a menção da aquisição da disponibilidade

jurídica, no texto do art. 43 do CTN, em nada contribui para clarear o conteúdo e alcance

do dispositivo; ao contrário, em alguns casos tal menção tem servido para tornar o tema

mais nebuloso.

A grande polêmica em sede de interpretação do disposto no caput do art. 43 do

Código consiste na caracterização da aquisição da disponibilidade econômica. Para uns,

esta exigiria tão-somente a existência de um acréscimo patrimonial, decorrente de renda ou

proventos, passível de ser aferido; para outros, é preciso que tal acréscimo ingresse

efetivamente no patrimônio do adquirente, de sorte que este possa dispor daquele. Na visão

291 SAKAKIHARA, op. cit., p. 133. 292 Idem.

dos defensores da primeira posição, por exemplo, o mandamento contido no art. 35 da Lei

7.713, de 22 de dezembro de 1988, que prevê a retenção na fonte do imposto incidente

sobre o lucro líquido apurado pelas empresas, devido pelos seus sócios-cotistas, acionistas

ou titular (no caso de empresa individual), encontra amparo no art. 43 do CTN e, por via

indireta, na Constituição. De outra parte, os que se agrupam em tomo da segunda posição

vêem este dispositivo legal eivado de flagrante inconstitucionalidade. É o caso, v.g., de

Hugo de Brito Machado, para quem os sócios-cotistas ou acionistas somente adquirem a

disponibilidade econômica e jurídica dos lucros da pessoa jurídica quando estes são

efetivamente distribuídos e não na sua mera apuração, por ocasião do balanço anual293.

A jurisprudência se dividiu quanto à constitucionalidade da norma supracitada,

até que o Supremo Tribunal Federal pacificou a matéria, declarando (incidentalmente) a

inconstitucionalidade do dispositivo apenas no que concerne à inclusão dos acionistas das

sociedades anônimas. Os arestos cujas ementas encontram-se abaixo transcritas revelam o

entendimento da Suprema Corte:

“Tributo. Relação jurídica Estado/contribuinte. Pedra de toque. No embate diário Estado/contribuinte, a Carta Política da República exsurge com insuplantável valia, no que, em prol do segundo, impõe parâmetros a serem respeitados pelo primeiro. Imposto

de renda. Retenção na fonte. Sócio-cotista (sic). A norma insculpida no art. 35 da Lei

7.713/88 mostra-se harmônica com a Constituição Federal quando o contrato social prevê a disponibilidade econômica ou jurídica imediata, pelos sócios, do lucro líquido apurado, na data do encerramento do período-base. Nesse caso, o citado art. exsurge como explicitação do fato gerador estabelecido no art. 43 do Código Tributário Nacional, não cabendo dizer da disciplina, de tal elemento do tributo, via legislação ordinária. Interpretação da norma conforme o Texto Maior. (STF, 2â T, RE 223370-2 - P E - Rei. Min. Marco Aurélio, j. 11.12.98, DJU 12.3.99, p. 18; grifos apostos.)

“No tocante ao acionista da sociedade anônima, é inconstitucional o art. 35 da Lei 7.713, de 1988, dado que, em tais sociedades, a distribuição dos lucros depende principalmente da manifestação da assembléia geral. Não há falar-se, portanto, em aquisição da disponibilidade jurídica do acionista mediante a simples apuração do lucro líquido. Todavia, no concernente ao sócio-cotista e ao titular de empresa individual, o citado art. 35 da Lei 7.713, de 1988, não é, em abstrato, inconstitucional (inconstitucionalidade formal). Poderá sê-lo, em concreto, dependendo do que estiver disposto no contrato (inconstitucionalidade material.)” (STF, 2- T, RE 181077-7 - RS, j. 26.9.95, RDDT 5/195; grifo aposto.)

Em decorrência deste entendimento da Suprema Corte, o Senado Federal, por

meio da Resolução 82, de 18 de novembro de 1996, suspendeu parcialmente a execução da