• Nenhum resultado encontrado

PERFIL ATUAL DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DAS PESSOAS FÍSICAS NO BRASIL

2.1 O IRPF145 e a Constituição

2.1.5 Princípio da vedação de tributo confiscatório

Esse princípio, insculpido no art. 150, inciso IV, da Constituição221, objetiva

evitar que o Estado, a pretexto de estar exercitando o seu poder fiscal, se aproprie de

patrimônio de particular, aqui entendido em sentido amplo, abrangendo todos os bens e

219 COÊLHO, op. cit., p. 209-210. 220 MACHADO, op. cit., p. 253.

221 “Art. 150 - Sem prejuízo .... é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: IV - utilizar tributo com efeito de confisco:”

direitos suscetíveis de valoração econômica. Por óbvio, a atividade de pagar tributos

implica, por si só, a transferência de recursos financeiros do patrimônio do contribuinte

para o erário público. O que o postulado em comento pretende evitar é que, a título de

cobrar tributos de alguém, o Estado na verdade se apodere de porção considerável de seu

patrimônio, ou seja que use a tributação com fins meramente de simulação: o fisco fingiria

estar exigindo tributo de alguém quando, em realidade, estaria confiscando, usurpando seus

bens ou seus meios de subsistência.

O princípio da vedação do tributo confiscatório tem sua gênese na garantia

constitucional da propriedade privada - ainda que aquela tenha sido relativizada,

mormente a partir da Carta de 1988 , pela exigência do cumprimento da função social da

propriedade225 - assim como no princípio da dignidade da pessoa humana.224. Guarda

também íntima relação com o princípio da capacidade contributiva225, na medida em que

garante os meios mínimos de sobrevivência do indivíduo e de sua família.

Como regra geral, a observância desse princípio tem sido analisada tomando-se

em consideração isoladamente as diversas imposições tributárias a que o contribuinte se

sujeita. Há quem sustente, no entanto, a exemplo de Ives Gandra Martins, que deve ser

considerada a carga tributária total suportada por uma determinada pessoa. Afirma Martins:

“Se a soma dos diversos tributos incidentes representa carga que impeça o pagador de tributos de viver e se desenvolver, estar-se-á perante carga geral confiscatória, razão

222 Constituição, art. 52, caput e incisos XXII e XXIII

223 Veja-se sobre este assunto: LEONETTI, Carlos Araújo. Função social da propriedade: mito ou realidade?

Seqüência Revista do Curso de Pós-Graduação em Direito da UFSC. v. 36, p. 47-59.

224 Este princípio está expresso no art. lo ., inciso III, da Constituição, mas se espraia, na verdade, por todo o texto constitucional.

225 Vide item 2.1.7 deste Capítulo.

pela qual todo o sistema terá que ser revisto mas, principalmente, aquele tributo que, quando criado, ultrapasse o limite da capacidade contributiva do cidadão.” 226

A tese é sustentável: se o princípio objetiva vedar o confisco por via da

tributação, tanto faz se esse se dá instantaneamente, por meio de uma única exação, ou se

decorre do conjunto de imposições tributárias cobradas, pela mesma entidade ou não, num

mesmo período. Nesta hipótese, qual seria o tributo a ser supresso? Aquele instituído ou

majorado mais recentemente ou aplicar-se-ia aqui a ordem de preferência estabelecida no

art. 187, parágrafo único do Código Tributário Nacional227? Nos inclinamos pela primeira

alternativa, que melhor se afeiçoa ao sistema federativo brasileiro.

Baleeiro ensina que tributos confiscatórios são aqueles que “absorvem parte

considerável do valor da propriedade, aniquilam a empresa ou impedem o exercício de

998

atividade lícita e moral” . Bemardo Ribeiro de Moraes lembra que “o tributo confiscatório

não se define por um percentual, mas pelo ônus fiscal que, sem motivo, se tome

9.99

insuportável para o contribuinte.”

A questão que se impõe, cuja solução não se revela fácil, é saber-se a partir de

que ponto (por exemplo, a partir de que alíquota) um tributo se tomaria confiscatório. A

imposição de imposto sobre a renda que absorvesse toda a receita do contribuinte, por

exemplo, seria sem dúvida inconstitucional, por ferir o princípio do não confisco. Todavia,

226 MARTINS, Sistema..., p. 141. 227 "Art. 187 - ...

Parágrafo único: O concurso de preferência somente se verifica entre pessoas jurídicas de direito público, na seguinte ordem:

I - União;

II - Estados, Distrito Federal e Territórios, conjuntamente e p ro rata-, III - Municípios, conjuntamente e p ro rata.”

A constitucionalidade deste dispositivo tem sido alvo de muitas discussões, conforme AMARO, op. cit., p. 445, a despeito de o Supremo Tribunal Federal a ter reconhecido, em face da Constituição de 1967/69, por meio da Súmula 563.

228 BALEEIRO, Limitações..., p. 213. 229 MORAES, op. cit., p. 127.

se o tributo representar, digamos, 60% da renda do contribuinte, ainda assim seria

confiscatório? Qual seria o limite? Não se conhece fórmulas prontas; é preciso analisar cada

caso individuadamente, não se perdendo de vista suas peculiaridades, e sempre à luz do

princípio da capacidade contributiva, para que se possa concluir quanto à natureza

confiscatória, ou não, de um determinado tributo.

Não se olvide contudo, conforme bem observa Sacha Calmon Navarro

230

Coêlho , que não se considera ofensa a esse princípio a tributação exacerbada (i. é, em

valores superiores ao que seria razoável e, até mesmo, à capacidade contributiva do sujeito

passivo) quando o tributo é utilizado por razões extrafiscais ou como instrumento

coercitivo para o cumprimento do princípio (constitucional) da função social da

propriedade. Com efeito, a Carta de 1988 prevê, de forma expressa, a utilização dos

impostos territorial rural - ITR (art. 153, par. 4e) e sobre a propriedade predial e territorial

urbana - IPTU (art. 182, par. 49, II) como instrumentos coercitivos para o cumprimento do

citado princípio constitucional231. Em sede de imposto sobre a renda, seria o caso, por

exemplo, de se tributar de forma mais onerosa às receitas provenientes de situações ou

atividades que o legislador entendesse devam ser desestimuladas. Provavelmente, o tributo

incidiria exclusivamente na fonte, o que permitiria o uso de alíquota mais alta do que as

usualmente adotadas.

Discutiu-se, no passado, se a incidência do IRPF sobre a indenização recebida

pelo particular, na desapropriação, violaria este princípio. A doutrina e a jurisprudência,

230 COÊLHO, op. cit., p. 333.

231 Vide, sobre este tema: LEONETTI, Carlos Araújo. O IPTU e a função social da propriedade. Revista

Dialética de Direito Tributário, v. 37, p. 17-25.

inclusive a do Supremo Tribunal Federal entenderam que sim, ao argumento dúplice de

que: a) desfalcaria a indenização, tomando-a injusta e b) implicaria a criação de fato

gerador do imposto por vontade do fisco (desapropriar um bem)233. Na verdade, parece-nos

que a maior inconstitucionalidade aqui residiria na absoluta incompetência da União de

exigir imposto sobre a renda nesse caso, simplesmente por não existir auferição de renda

alguma, uma vez que a indenização visa apenas repor a situação patrimonial do expropriado

no seu status quo ante.