McCray v. United States, 195 U.S 27.
B) o regime de competência600; e
3.4 O imposto sobre a renda e a Justiça Social
Apesar de o tema Justiça Social ser melhor examinado no Capítulo 4, cremos
que é possível já a esta altura fazer algumas considerações a respeito da atuação do imposto
federal americano sobre a renda das pessoas físicas, neste campo. Tais ponderações
poderão servir inclusive como introdução, assim ao estudo do conceito de Justiça Social,
605 Em inglês: income tax return ou simplesmente reíurn, conforme a seção 6072 do Código.
606 Assim, se o ano-base coincidir com o ano-calendário, o prazo expira em 15 de abril do ano imediatamente seguinte.
como à análise da atuação do imposto brasileiro sobre a renda das pessoas físicas como
instrumento de Justiça Social, objetivo principal desta Tese. Limitar-nos-emos, aqui, a
procurar identificar no imposto americano aspectos que, pelo menos em princípio, revelam
alguma preocupação de caráter social, isto é, com as condições de vida não apenas dos
contribuintes e seus dependentes mas da Sociedade em geral.
Nessa linha de raciocínio, pode-se iniciar tal análise pela progressividade do
imposto. Conforme visto no item 3.3, o imposto não é calculado a uma alíquota única (Jlat
rate), mas antes com o uso de várias alíquotas, cada qual aplicável a uma faixa de renda
tributável, de sorte que o contribuinte com renda tributável maior suporta uma carga
tributária proporcionalmente maior, em comparação com os demais. Em outras palavras, a
alíquota efetiva, assim entendida como a razão entre o valor do imposto devido e a renda
tributável, será maior para o contribuinte com renda tributável maior. Essa progressividade,
por seu turno, procura dar concretude aos princípios da eqüidade vertical e da capacidade
contributiva, já vistos no item 3.1. A premissa para o uso da progressividade é a de que
aqueles contribuintes detentores de maior capacidade de pagar tributos devem suportar uma
carga maior do que a dos demais, não apenas em termos de valor absoluto mas, também,
de valor relativo607. Assim, se o contribuinte A tem renda tributável superior à do
contribuinte B, A deve pagar não apenas uma quantia de dólares superior a que B paga, mas
também deve comprometer um percentual maior de sua renda.
Apesar de estar presente na legislação do imposto desde sua criação em 1913, a
progressividade jamais gozou de unanimidade entre a doutrina e a Sociedade americana
607 ROGERS, op. cit. p. 584.
como um todo608. Com efeito, de tempos em tempos, vozes, por vezes poderosas, se
levantam contra a adoção de alíquotas progressivas e a favor do uso de um percentual
único, a chamada proporcionalidade609. Um dos principais objetivos - e resultados - da
Reforma Tributária de 1986, foi justamente a drástica redução do número de faixas de
renda tributável, de quatorze para apenas duas, com alíquota máxima de 28%, o que
virtualmente extirpou a progressividade do imposto, concretizando o desejo do então
Presidente Ronald Reagan (1981-1988). Em 1993, conforme já visto, restaurou-se, pelo
menos em boa medida, a progressividade no imposto, com as mudanças implementadas
durante o governo do Presidente Bill Clinton, para quem a existência de alíquotas
progressivas era essencial para que houvesse isonomia tributária e se fizesse Justiça610.
Além da progressão das alíquotas, outra característica do imposto americano
que revela a preocupação do legislador com os aspectos sociais da tributação é a
dedutibilidade, da renda bruta do contribuinte, de determinadas despesas por este
incorridas. As deduções permitidas pela legislação podem ser vistas como autênticas
despesas não tributadas611, uma vez que o conceito de renda mais aceito nos EUA, ainda
que não com absoluta fidelidade, é o atribuído a Haig-Simons, cuja aplicação implica
tributar o consumo (potencial ou efetivo) do contribuinte.
O legislador americano, a exemplo do que se faz na maioria dos países, arrolou
taxativamente os itens de despesa que, a seu juízo, merecem ser dedutíveis da renda bruta.
608 Sobre este tema, vide, v.g.: ADAMS, Charles. For good and evil: the impact o f taxes on the course of civilization. Lanham, MD: Madison, [1994?], p.357-370. Além de Adams manifestar seu total inconformismo em face da progressividade na tributação em geral e, em especial, no imposto sobre a renda, noticia a opinião, no mesmo sentido, de vários juristas, economistas e políticos.
609 CHIRELSTEIN, Marvin A. Federal income taxaíion. 8*. ed. New York, NY: Foundation Press, 1999, p. 5-6.
610 CHIRELSTEIN, op. cit., p. 6. 611 EDGAR, op. cit., p. 309.
Na confecção desse rol, presumivelmente o Congresso levou em conta a natureza e a
importância do gasto, não só para a pessoa do contribuinte em si, mas para sua família e,
em alguns casos, para a coletividade. Assim é que a relação de abatimentos permitidos
inclui despesas de natureza distintas, como aquelas necessárias para a obtenção da própria
renda612, gastos com a saúde do contribuinte e sua família (acima de determinado valor),
contribuições para planos de aposentadoria e para instituições de caridade, etc. A
dedutibilidade de algumas dessas despesas inquestionavelmente produz reflexos de
natureza social, ou seja, colabora no sentido de melhorar as condições de vida dos
contribuintes e de suas famílias de modo geral e até, como nos casos das contribuições
caritativas, das pessoas hipossuficientes, ainda que não haja consenso quanto à sua real
natureza613. Há quem pense, contudo, que a grande maioria das deduções permitidas
deveria ser substituída por subsídios concedidos pelo governo federal e assim previstos no
orçamento público anual. Dentre os que defendem esta idéia, destaca-se o Professor
Stanley S. Surrey, ex-Secretário-Assistente para Política Tributária do Departamento do
Tesouro. Surrey denominou tais deduções de "despesas tributárias" (tax expenditures),
porquanto as vê como verdadeiros gastos do governo, realizados de forma indireta614.
Outro aspecto digno de nota é a existência do assim chamado imposto mínimo
alternativo, que garante que as pessoas percebedoras de receitas provenientes de
determinadas fontes, as receitas preferenciais, paguem um valor razoável a título de
imposto. Não fosse esse instituto, muitos contribuintes dotados de capacidade contributiva
612 Conforme já visto no item 1.2 do Capítulo 1, à luz do conceito de Haig-Simons o valor correspondente a tais despesas deve ser necessariamente abatido da renda bruta do contribuinte, uma vez que o objetivo é tributar o aumento líquido de seu potencial econômico.
613 Algumas das teorias que procuram explicar a dedutibilidade de certas despesas foram analisadas no item 1.2 do Capítulo 1.
614 SURREY, Stanley S. Pathways to tax reform: the concept o f tax expenditures. Cambridge, MA: Harvard University Press, 1974.
substancial pagariam uma importância irrisória, graças às isenções, deduções e créditos
especiais, previstos na legislação, ferindo, assim, de morte os princípios da igualdade
tributária e da capacidade contributiva.
De modo geral, a doutrina americana aceita a idéia de que o imposto sobre a
renda não deve ser apenas um meio de a União obter recursos, devendo também ter alguma
função social, principalmente na melhoria da distribuição da renda615. Apesar disso,
questões como adoção de alíquota única ou diminuição das faixas de renda tributável, que
implicam a extinção, ou pelo menos um profundo corte, da progressividade, de tempos em
tempos voltam a ocupar o centro das atenções, conforme já visto anteriormente. A própria
extinção do imposto federal sobre a renda e sua substituição por um tributo sobre o
consumo, possivelmente um imposto (federal) sobre valor adicionado (value-added tax
ou VAT) não é hipótese totalmente descartada, sendo discutida não apenas nos meios
políticos e acadêmicos mas inclusive no seio do próprio governo federal616. As vantagens
de tal substituição residiriam, de um lado, na maior simplicidade que um imposto sobre o
consumo permite e costuma ter, tanto na ótica do contribuinte como na do fisco; e, de outro,
no fato de que um imposto sobre o consumo atinge contribuintes que não são alcançados
pelo imposto sobre a renda, diminuindo destarte a sonegação. No entanto, em um tributo
sobre o consumo o respeito aos princípios da igualdade tributária e da capacidade
contributiva se revela extremamente difícil, bem como a consideração da situação pessoal
do contribuinte.
615 ROGERS. op. cit., p. 579.
616 Veja-se, por exemplo, sobre o tema: BRASHARES, Edith. op. cit., p. 549-577; U. S. Congress, Congressional Budget Office Effects o f adopting a value-added tax, .Washington, DC: Government Printing Office, Washington, DC, 1992.; U.S. Congress, Joint Committee on Taxation. Description and analysis o f
proposals to replace the federal income tax. Washington, DC: Government Printing Office, 1995; U.S.
Department o f the Treasury, Internai Revenue Service, Planning Division. Administrative issues in
Assim, a análise do perfil atual do imposto federal americano sobre a renda das
pessoas físicas parece permitir que se conclua que o tributo atua como instrumento de
Justiça Social.