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PERFIL ATUAL DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DAS PESSOAS FÍSICAS NO BRASIL

2.1 O IRPF145 e a Constituição

2.1.4 Princípio da irretroatividade tributária

Esse princípio, também conhecido como o da irretroatividade impositiva207,

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encontra-se insculpido no art. 150, UI, a, da Constituição e, na verdade, completa o

recém analisado princípio da anterioridade209 assim como, nesse passo, o próprio princípio

202 BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 2.ed. São Paulo: Saraiva, 1972, p. 302. 203 DÓRIA, Antônio Roberto Sampaio apud COÊLHO, op. cit, p. 212.

204 AMARO, op. cit., p. 125; COÊLHO, op. cit., p. 214; MACHADO, op. cit., p. 253. 205 AMARO, op. cit., p. 128.

206 Neste sentido, o seguinte aresto:" Tributário - Imposto de Renda - Ciclo de Formação do Fato Gerador - Momento da Disponibilidade Econômica ou Jurídica de Rendimento - CTN, art. 116 - ... - Súmula 584/STF. 1. O fato gerador do Imposto de Renda identifica-se com a disponibilidade econômica ou jurídica do rendimento (CTN, art. 116). Inaplicabilidade da Súmula 584/STF, construída à luz de legislação anterior ao CTN. 2 ...3. A lei vigente após o fato gerador, para imposição do tributo, não pode incidir sobre o mesmo, sob pena de malferir os princípios da anterioridade e irretroatividade. 4. Precedentes jurisprudenciais. 5. Recurso improvido. ( STJ - Ia T. - REsp 46.430 - RS - Rei. Min. Milton Luiz Pereira - j. 21.8.95, u. - RJIOB 1/9197; grifos apostos.)

207 MARTINS, op. cit., p. 135.

208 “Art. 150 - Sem prejuízo.... é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios: III - cobrar tributos:

a) em relação a fatos geradores ocorridos antes do início da vigência da lei que os houver instituído ou aumentado;”

209 MARTINS, op. cit., p. 138.

da legalidade. Decorre outrossim do princípio geral da irretroatividade relativa das leis210,

previsto no art. 5 , XXXVI, da Carta Magna211.

Sacha Calmon Navarro Coêlho observa que o constituinte de 1988 entendeu

necessária a expressa previsão desse princípio, em matéria tributária, no texto da Carta

Magna, em razão de entendimento jurisprudente que teria consagrado, em sede de imposto

de renda, a retroatividade fiscal213.

Luciano Amaro214, após criticar o uso, pelo constituinte, no já citado art. 150,

III, a, da expressão “fatos geradores”, lembra que esse princípio é dirigido não só ao

aplicador da lei, mas também ao próprio legislador. Com efeito, o comando se destina ao

aplicador da norma tributária, na medida em que lhe impede fazer incidi-la sobre fato

pretérito; mas também visa o legislador, quando lhe proíbe a edição de regras para tributar,

ou gravar mais onerosamente, fato já ocorrido.

Quanto à crítica feita por Amaro, parece ser realmente procedente: o mais

adequado seria o uso da expressão “fatos”, sem adjetivá-la; porque se a sua ocorrência,

antes da vigência da lei instituidora do tributo, não tem o condão de dar nascimento à

obrigação tributária, por certo não se trata de “fatos geradores”.

Especificamente quanto ao imposto sobre a renda, o grande tema envolvendo

esse princípio consistiu na identificação da legislação aplicável, já analisado no item 2.1.3,

210 AMARO, op. cit., p. 115-116. No mesmo sentido: CARVALHO, Paulo de Barros, Curso de direito

tributário. 4. ed. São Paulo: Saraiva, 1991, p. 99, para quem a prescrição do art. 150, II, a, “é despicienda,

visto que a diretriz contida no art. 5 , XXXVI, da Constituição Federal é portadora deste mesmo conteúdo axiológico, irradiando-se por todo o universo do direito positivo, incluindo, portanto, a região das imposições tributárias.”

211 “Art. 5 " - ...

XXXVI - a lei não prejudicará o direito adquirido, o ato jurídico perfeito e a coisa julgada;” 212 COÊLHO, op. cit., p. 322.

213 Refere-se à já comentada Súmula 584 do Supremo Tribunal Federal. 214AMARO, op. cit., p. 116.

em que a questão nuclear residia em determinar o momento da ocorrência do fato gerador

do tributo. Conforme visto, este é do tipo periódico, eis que formado por uma série de fatos

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que ocorrem ao longo do mês ou do ano. Assim, não pode restar dúvida de que o

princípio da irretroatividade, a exemplo do que também faz o princípio da anterioridade,

exige que a legislação aplicável ao cálculo do imposto devido seja aquela vigente antes do

início do ano-calendário considerado (aquele durante o qual os rendimentos foram

percebidos).

A doutrina que sustentou, no passado, tese contrária, costumava amparar-se216

no disposto no art. 105 do Código Tributário Nacional217. No entanto, tal dispositivo jamais

permitiu a retroação da lei tributária. O escólio de Luciano Amaro sobre esta matéria é

esclarecedor:

"O que merece reparo, no texto do art. 105, é a referência aos fatos pendentes, que seriam os fatos cuja ocorrência já teria tido início mas ainda não se teria completado. No passado, pretendeu-se que as normas do imposto de renda, incidindo sobre fato gerador periódico (em geral, o ano civil), poderiam ser editadas até o final do período. O art. 105 teria pretendido endossar este entendimento. Esta aplicação, evidentemente retro-operante da lei, nunca teve respaldo constitucional. Com efeito, se o fato dito

pendente for gerador de tributo e sua ocorrência já tiver tido início, a lei tributária

posterior ao início do período que pretendesse atingi-lo estaria sendo retroativa." 218 (Grifos do original.)

Ainda quanto a esse tema, vale a pena trazer à colação o ensinamento de Sacha

Calmon Navarro Coêlho, ver bis:

215 A partir de l s de janeiro de 1989, a incidência do imposto sobre a renda das pessoas físicas passou a ser, como regra geral, mensal, por força do disposto no art. 2° da Lei 7.713, de 22 de dezembro de 1988, embora sujeitando-se a ajuste anual.

2lg AMARO, op. cit., p. 117; 186-187.

217 "Art. 105 - A legislação tributária aplica-se imediatamente aos fatos geradores futuros e aos pendentes, assim entendidos aqueles cuja ocorrência tenha tido início mas não esteja completa, nos termos do art. 116." (grifo aposto.)

2‘8 AMARO, op. cit., p. 186.

"A expressão fato gerador pendente leva à falsa idéia de um fato gerador "complexivo" dependente das determinações de "outros direitos". Não é nada disso, porém. O fato gerador pendente, na dicção do CTN, é uma subespécie do fato gerador futuro, se e quando dito fato gerador se caracterizar como uma situação jurídica que por sua vez caracterizar um ato jurídico bilateral (negócio jurídico) sujeito a condição que seja

suspensiva... As palavras do CTN, dessarte, são incorretas, porque fato gerador

pendente não é o que teve início e ainda não teve fim, e sim, o que sequer teve começo (pois o fato gerador ocorre ou não ocorre.)...No entanto, alguns doutrinadores insistem em assimilar o fato gerador do imposto de renda à tipologia do fato gerador pendente, ao argumento de que se inicia no primeiro dia do ano-base e fica pendente no seu término, de determinações de outros ramos do Direito, como se o dies ad quem fosse condição e não termo, no sentido de marco temporal."219 (Grifos do original.)

Hugo de Brito Machado, por seu turno, assevera que o "art. 105 do Código

Tributário Nacional já não tem validade, ou, mais exatamente, não foi recepcionado, posto

que contraria o art. 150, inciso III, da Constituição."

Assim, do exame da doutrina transcrita depreende-se que o disposto no art. 105

do CTN não tem o condão de fazer a legislação vigente no ano da declaração do imposto

retroagir ao ano em que os rendimentos foram percebidos ou, em outras palavras, ao ano

em que os fatos geradores ocorreram.