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PERFIL ATUAL DO IMPOSTO SOBRE A RENDA DAS PESSOAS FÍSICAS NO BRASIL

2.1 O IRPF145 e a Constituição

2.1.2 Princípio da legalidade ou da reserva legal

O princípio da legalidade, ou da reserva legal, insculpido no art. 150, I, da

158

Constituição é, na verdade, uma decorrência, ou um desdobramento, do princípio maior

segundo o qual “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em

virtude de lei", expresso no art. 52, inciso II, da Carta. Por seu turno, é completado por

outros dois princípios: o da anterioridade e o da irretroatividade.

Segundo esse princípio, tanto a instituição como a majoração de tributo

somente podem ser operadas por lei. A norma parece visar, na verdade, a segurança

jurídica dos contribuintes contra atos praticados pela Administração Pública com excesso

de poderes. Nesse diapasão, a lei é, portanto, ao mesmo tempo o fundamento e o limite da

ação do_Poder-E-xeeutivo^.

Esse postulado é um dos mais antigos na história universal da tributação.

Bernardo Ribeiro de Moraes preleciona que suas origens repousam no antigo princípio

158 “Art. 150 - Sem prejuízo de outras garantias asseguradas ao contribuinte, é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios:

I - exigir ou aumentar tributo sem lei que o estabeleça;”

do consentimento antecipado dos tributos pelos súditos, sendo que, nos primórdios da sua

aplicação, a concordância era manifestada individualmente e, mais tarde, passou a sê-lo

coletivamente159. Considera-se como marco histórico do princípio do consentimento a

Magna Carta Libertatum, sancionada pelo rei João Sem Terra, da Inglaterra, em 1215, na

cidade de Runnyemede. O art. XII da Carta Magna consignava (em latim) que “nenhum

auxílio ou contribuição se estabelecerá em nosso Reino sem o consentimento de nosso

comum Conselho do Reino”160. Esse princípio é, até hoje, conhecido pela expressão em

inglês no taxation without representationm . Sacha Calmon Navarro Coêlho lembra,

citando Celso Albuquerque Mello, que a Magna Carta foi escrita em latim e mantida

neste idioma por mais de duzentos anos, “para que o grosso da população não pudesse

invocá-la em sua defesa”, uma vez que fora elaborada, apenas, para garantir os direitos dos

senhores feudais de então162. Com o passar do tempo, a autorização direta dos súditos foi

sendo, paulatinamente, substituída pela lei, configurando, assim, o princípio da legalidade.

Essa nova fase teria como termo inicial a edição do Bill o f Rights163, em 1689, igualmente

na Inglaterra. Segundo Moraes, o art. 4 do Bill o f Rights vedava “toda cobrança de

impostos para a Coroa, ou para uso da Coroa, sob o pretexto de prerrogativas, sem o

consentimento do Parlamento, por um tempo maior ou modos diferentes dos designados por

ele próprio.”164

159 MORAES, Bernardo Ribeiro de. Compêndio de direito tributário, v. 2., 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 1994, p. 89.

160 Idem.

161 Em português, algo como: “nenhum tributo sem consentimento” (tradução livre do autor desta Tese.) 162 COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Comentários à Constituição de 1988 - sistema tributário. Rio de Janeiro: Forense, 1990, p. 282.

163 Algo como "Lei (ou Declaração) de Direitos." 164 MORAES, op. cit., p. 89.

Lembra Luciano Amaro165 que o princípio da legalidade tributária e

tipicidade, como ele denomina o instituto, é informado pelos ideais de Justiça e de

segurança jurídica. O conteúdo desse princípio não se limita à autorização legislativa para a

criação ou majoração de tributo; a lei deve, também, definir todos os aspectos relevantes à

cobrança do tributo, de modo a permitir identificar-se quem deve pagá-lo (o sujeito

passivo), quanto (o valor, usualmente indicado pelas respectivas bases de cálculo e

alíquota), a quem (o sujeito ativo) e à vista de que fatos ou circunstâncias deverá fazê-lo

(o fato gerador)166. Ou seja, não basta a mera e formal instituição do tributo, com a menção

de seu nomen juris, para que o requisito da legalidade seja atendido: é preciso que o

legislador forneça o exato perfil da exação, a fim de que seus limites legais não sejam

desrespeitados pela autoridade administrativa. Ou ainda: o princípio da legalidade tributária

implica a reserva absoluta (e não apenas relativa) da lei167, como aliás deixa claro o art. 97

do Código Tributário Nacional - CTN168.

Por óbvio que a “lei” apta à instituição e majoração do tributo é aquela que se

revela conforme a Constituição, porquanto uma “lei” inconstitucional lei não é, na medida

em que não produz os efeitos esperados. Assim, v.g., se a lei, ao arrolar os fatos geradores

do tributo, extrapolar os limites do campo de incidência constitucional do mesmo, revelar-

se-á inconstitucional; por conseguinte, não haverá incidência do tributo e conseqüente

nascimento da obrigação tributária correspondente.

165 AMARO, op. cit., p. 109.

166 Daí a denominação "princípio da legalidade tributária e tipicidade", utilizada por Amaro.

167 Neste sentido: AMARO, op. cit., p. 109; CARRAZZA, op. cit., p. 154; 157; COÊLHO, op. cit., p. 285-287; MARTINS, Ives Gandra, Sistema tributário na Constituição de 1988. São Paulo: Saraiva, 1989, p. 131-132; MORAES, op. cit., p. 96; XAVIER, Alberto. Os princípios da legalidade e d a tipicidade da

tributação. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1978, p. 17.

168 Doravante, as referências ao Código Tributário Nacional serão feitas mediante o uso da sigla "CTN."

Embora a Constituição admita que alguns tributos federais169, sob condições e

dentro de limites previamente fixados pela lei, possam ter suas alíquotas alteradas mediante

ato do Poder Executivo, entre aqueles não figura o imposto sobre a renda.

Obviamente, a lei instituidora ou aumentadora do tributo deve ser editada pela

respectiva entidade tributante, sob pena de ferimento do princípio maior da Federação (ou

princípio federativo170), insculpido nos arts. I2, caput, e 18, caput, da Carta Política e

espraiado por todo o seu texto171. Assim, no caso do imposto sobre a renda, somente a

União detém tal prerrogativa.

Durante muito tempo discutiu-se sobre a possibilidade de se instituir ou majorar

tributo através de medida provisória, com força de lei: a doutrina, de modo geral, repeliu

tal possibilidade, ao argumento de malferir o princípio da legalidade, que exigiria lei em

sentido formal e material172. Com a promulgação da Emenda Constitucional 32, de 11 de

setembro de 2001, tais dúvidas foram afastadas, pelo menos no que concerne à criação e à

majoração de impostos173.

169 Constituição, art. 153, par. lo. 170 CARRAZZA, op. cit., p. 88-102. 171 Rezam os dispositivos citados:

“Art. Ia - A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos:

Art. 18 - A organização político-administrativa da República Federativa do Brasil compreende a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios, todos autônomos, nos termos desta Constituição.”

172 Sobre este tema, vide: LEONETTI, Carlos Araújo. A contribuição de melhoria na Constituição de 1988. Florianópolis: Diploma Legal, 2000. p. 58-60.

173 A Emenda 32/01 conferiu nova redação ao art. 62 da Constituição, que versa a adoção de medidas provisórias, com força de lei. O parágrafo 2a deste dispositivo, então acrescido, dispõe, verbis:

"Par. 2e - Medida provisória que implique instituição ou majoração de impostos, exceto os previstos nos arts. 1 5 3 ,1, II, IV, V e 154, II, só produzirá efeitos no exercício financeiro seguinte se houver sido convertida em lei até o último dia daquele em foi editada." BRASIL. Constituição (1988).Emenda Constitucional no. 32, de 11 de setembro de 2001. Altera dispositivos dos arts. 48, 57, 61, 62, 64, 66, 84 e 246 da Constituição Federal, e dá outras providências. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil03/Constituicao/Emendas/ Emc/emc32.htm Acesso em: 16 set. 2001.

Em decorrência do caráter de reserva absoluta da lei, consagrado por este

princípio, há que se examinar com muito cuidado as normas tributárias veiculadas pelos

atos normativos em geral, assim entendidos os atos administrativos praticados pelas

autoridades públicas e que têm por escopo regulamentar disposições de lei. No topo da

pirâmide formada por tais atos normativos encontra-se o decreto, ato privativo do Chefe do

Poder Executivo (nos três níveis de governo), que tem por fim a regulamentação de uma lei

ou o exercício de alguma de suas outras prerrogativas constitucionais ou legais. Na

instância federal, que é a aplicável ao imposto sobre a renda, tal competência está expressa

no art. 84, IV, in fine, da Constituição174. A regulamentação das leis tributárias pode ser

feita diretamente no corpo do próprio decreto ou em regulamento por aquele aprovado. A

regulamentação atualmente em vigor do imposto sobre a renda, por exemplo, está

consubstanciada no corpo do Decreto (federal) 3.000, de 26 de março de 1999, mais

conhecido como RIR/99175, e não em regulamento à parte. Em princípio, a regulamentação

de tributo deveria se restringir a complementar a lei, preenchendo-lhe as lacunas sem,

evidentemente, dispor em contrário ou exorbitar os limites nela fixados. Assim, o conteúdo

da regulamentação dever-se-ia limitar àquelas matérias expressamente remetidas pela

própria lei ou que de qualquer forma exijam disciplinamento mais minudente, conforme

determina o CTN, em seu art. 99. No entanto, é comum, ao menos no Brasil, que a

"regulamentação" de um tributo se apresente como uma autêntica consolidação da

174 Constituição, art. 84, IV:

" Art. 84 - Compete privativamente ao Presidente da República:

IV - sancionar, promulgar e fazer publicar as leis, bem como expedir decretos e regulamentos para sua fiel execução;" (grifos apostos.)

175 Esta sigla significaria “Regulamento do Imposto sobre a Renda editado em 1999.” D e ora em diante, neste Capítulo, as referências à sigla “RIR/99” ou a “ Regulamento” deverão ser entendidas como feitas ao Decreto 3.000, de 26 de março de 1999.

legislação daquela exação. Assim, a "regulamentação" costuma não apenas conter

dispositivos típicos de um regulamento (ou de um decreto regulamentário) mas também

reproduzir dispositivos constitucionais e legais atinentes ao tributo em questão, usualmente

identificando suas respectivas fontes. Essa praxe, que também se verifica relativamente ao

imposto sobre a renda, objetiva facilitar o trabalho de consulta e de aplicação da legislação

tributária, não apenas por parte dos contribuintes mas, igualmente, pelos próprios agentes

do fisco, assim como dos operadores jurídicos e dos demais profissionais que atuam em

tributação. Assim, há que se distinguir as normas que são fruto do regulamento em si e que,

portanto, podem ser modificadas por ato normativo de igual hierarquia, daquelas que

apenas são ali reproduzidas, mas que têm sua gênese na lei ou na própria Constituição.

Por derradeiro, cabe o registro de que o princípio da legalidade não impede que

se introduzam inovações na legislação tributária por via de tratados, acordos ou outros atos

internacionais, como prevê o próprio CTN em seu artigo 98. Apesar de a matéria ainda

provocar muita polêmica na doutrina, o Supremo Tribunal Federal parece ter pacificado o

entendimento segundo o qual os acordos internacionais, após aprovados pelo Congresso

Nacional nos termos do art. 49, I, da Constituição, ingressam no mundo jurídico como se

fossem leis ordinárias federais, podendo assim ter sua eficácia suspensa por uma lei

ordinária federal176.

176 AMARO, op. cit., p. 173-174; COÊLHO, op. cit., p. 290; CORRÊA, Sérgio Feltrin. In: FREITAS, Vladimir Passos de (Coord.) Código Tributário Nacional Comentado. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1999, p. 429-430; MELO, José Eduardo Soares de. Curso de direito tributário.S&o Paulo: Dialética, 1997, p.