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5 AS PRÁTICAS URSINAS: EMERGÊNCIAS E ATUALIZAÇÕES

5.1 CÓDIGOS E CLASSIFICAÇÕES

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B6 c e++ g- q-- r- s-- t+ w. Este estranho código foi retirado a partir do preenchimento de um formulário em uma página da internet específica para ursos. Este código traduziria seus atributos físicos e suas atitudes de um sujeito com base em séries de questões e variáveis que levantariam sua “identidade ursina”. O código compõe o Sistema de Classificação do Urso Natural, em sua versão 1.10 de 1994. Trata-se de um sistema “incrivelmente científico que vem sanar as dúvidas dos usuários quanto a sua classificação” (DONAHUE; STONER, 1996 11), que se utiliza de um questionário tipo survey para demarcar e classificar o usuário com base em temas dos quais os curiosos devem assinalar um valor de 0 a 9 para determinado atributo, sendo que “0” significa ausência de um atributo ou valor. Não apresentaremos os códigos ursinos em sua íntegra, mas estes se encontram disponibilizados no APÊNDICE B desta pesquisa.

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O primeiro fator do código, o Fator B, diz respeito à barba (APÊNDICE B):

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B0 - (Rara / Ausência de barba) - O mínimo absoluto que poderia ser classificado como uma barba. E sim, nós somos da opinião que um “sem-barba” ainda pode encontrar companhia entre os Ursos!

B1 - (Barba muito leve) - Este é o tipo de barba de pessoas que querem ter uma barba, mas não conseguem. Ou seja, alguns fiapos durante a semana.

B2 - (Barba ligeira) - Uma barba muito curta ou desbastada mantida em todos os momentos.

B3 - (Barba fina) - Uma barba, em todos os aspectos, fina e curta.

B4 - (Barba completa) - Uma barba que é completa, exceto para alguns carecas, ou para os que a mantém aparada.

B5 - (Barba) - Normalmente barbas cheias e arredondadas se enquadram nesta categoria.

B6 - (Barba muito completa) - A barba não aparada. Pode ser um pouco espessa, mas deve ser muito cheia. Grossas e completas, geralmente encontram-se mais altas do que nas bochechas.

! Disponível em: <http://www.resourcesforBears.com/nbcs>. 11

B7 - (Barba comprida e espessa) – Barba pouco fina com pelo comprido. Não se afasta do queixo e não é aparada.

B8 - (Barbas muito longas) – Muito espessas, que não viram uma Gillette por muito tempo.

B9 - (Barba ZZTop) - É preciso dizer mais? (DONAHUE; STONER, 1996)

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É interessante notar que a classificação parte de um perfil gravitacional, médio, de um urso “ideal” e, a partir dele, passa a assumir positividades ou negatividades. Percebe- se que há um grupo mais expressivo de medições de fatores físicos, mais fáceis de serem apontados, que vão se associando a outros fatores como: a graduação de masculinidade/feminilidade, as atitudes na cama e a proximidade com outros requisitos comportamentais construídos à época. De qualquer forma, os códigos parecem incitar os indivíduos para que se identifiquem conforme os parâmetros construídos.

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Os códigos foram mais praticados no momento em que surgiram os sites de relacionamento específicos para ursos, nos quais os indivíduos, ao criarem seus perfis, se deparavam com um campo de preenchimento no qual preencheriam sua “identidade”. Porém, tal prática caiu em desuso nos dias de hoje (HENNEN, 2008).

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Outros esquemas mais simples (e eficientes) são praticados em contextos ursinos como, por exemplo, as classificações de “tipos” de ursos, que pressupõe uma menor variação de identidades, a seguir:

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- Bear (Urso) - um homem corpulento, com barba ou cavanhaque, de peito e corpo peludos, frequentemente adulto (ou com a aparência de mais velho);

- Cub (Filhote) - um jovem (ou com aparência jovem) com alguns dos atributos “naturais” dos ursos. Normalmente relacionam-se de modo dependente em relação ao parceiro, mas essa não é a regra;

- Chaser (Caçador/Admirador) - um termo que se refere àqueles que não são ursos, filhotes ou lontras (ursos magros), mas que são sexualmente ou emocionalmente atraídos por eles;

- Muscle Bear - Urso particularmente musculoso;

- Otter (Lontra) - Ursos mais magros e de porte menor, mas que apresentam grande quantidade de pelos corporais e barba;

- Grizzly Bear - São ursos corpulentos, com massa corporal proporcional em todo o corpo e peludos. Não necessariamente gordos;

- Usuários Radicais Sem Organização ou (U.R.S.O) – um grupo de jovens homossexuais de alma rebelde que gostam de ursos mais experientes. Relacionam- se de modo independente em relação aos parceiros e normalmente mantêm várias relações paralelas. Também são conhecidos por ursos cheaters;

- Leather Bear ou Urso Leather- Um urso que também se assume como Leather. Geralmente usa roupa e acessórios típicos desta comunidade;

- Hirsute - Urso com uma quantidade excepcional de pelos corporais;

- Polar Bears - Ursos mais velhos que têm o cabelo e pelo corporal branco ou grisalho;

- Chubby Bear (Do inglês, Urso Fofinho) - Urso com peso corporal bem elevado e com barriga muito proeminente. Apesar de alguns Chubbies serem Ursos e identificarem- se com a comunidade, existem outros que não o são. As comunidades de Ursos e Chubbies têm as suas particularidades e podem ser muito diferentes em alguns aspectos (WIKIPEDIA, 2013).

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As classificações de tipos ursinos são mais eficientes, tanto a partir do que se vê em sites específicos de ursos, nas interações entre grupos e o mesmo se constatou entre os participantes desta pesquisa. Um dos motivos apontados por Hendricks (2001) é que estas classificações estão mais baseadas nos aspectos corporais dos sujeitos, além de serem mais figurativas e metafóricas. Conforme já dito, o discurso ursino também demonstra grande eficiência ao englobar outros subgrupos da comunidade gay masculina em suas classificações. Assim, os sujeitos antes classificados como pertencentes a outros grupos são reclassificados e adjetivados como ursos, como no caso dos Chubbies (Chubby Bears) e dos Leather (Leather Bears). Ou de uma categoria mais genérica como os caçadores (chasers) que englobariam praticamente todos os perfis físicos de homens magros e “sarados”.

Toothman (2001) apresentou uma análise similar ao construir o campo das práticas ursinas no Estado do Iowa (EUA). A pesquisa apresentou um discurso ursino no qual outras práticas são atraídas por um centro gravitacional do urso “padrão” como as práticas leather, a cultura daddy/boy, chubbies, chasers, a cultura sadomasoquista (S&M), assim como um grupo menos demarcado de homens com corpo “normal”, mas que apresentam barba e muitos pelos (FIGURA 7).

Figura 7 – O campo ursino no Estado de Iowa (EUA) Fonte: Toothman (2001).

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Mais uma vez chamamos atenção para a emergência da identidade ursina como um ponto nodal (LACLAU; MOUFFE, 1987), como uma atualização no campo das identidades de homens gays marcado por diversas práticas que vão assumindo coerência precária em torno do discurso ursino. Fica cada vez mais claro que os corpos são demarcadores de extrema importância nestas práticas ao ponto de se assumirem como fatores primeiros de classificação. Porém, a classificação dos sujeitos a partir de fatores por demais corpóreos pode também trazer seus perigos, principalmente os de limitação de outras práticas, determinações raciais, entre outras (HENDRICKS, 2001).

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Para pensarmos em masculinidades, Brown (2001) nos traz um levantamento interessante de classificações masculinas emergentes em sociedades anglo-saxãs, que ilustram a polissemia que compõe a “masculinidade” ursina: (a) o gordo bastardo, que seria um tipo de skinhead masculino, parrudo ou obeso, de colarinho azul,

bebedor de cerveja e fã de jogos de futebol/rugby; (b) o bebê adulto, que seria o homem gordo (gordinho) que apresenta características corporais que lembram as dos bebês; (c) o chubby, furry bear – que seria um dos extremos do espectro de corpos ursinos, marcado pelo excesso de peso, contornos corporais e excesso de pelos no corpo; (d) o big-bellied daddy, que seria o homem parrudo, com “barriga de chope”, que alimenta a fantasia da figura paterna nos subgrupos Daddies/Garotos; (e) o heavy hippie, que seria um estereótipo que se afasta das imagem do hippie magro “rural”, ou seja, um hippie parrudo ou gordo, mas que apresenta tatuagens ou piercings, barba e cabelos mais longos; (e) o leatherman parrudo, uma imagem do homem parrudo ou gordo, peludo, que se veste de couro e usa piercings nos mamilos; (f) o enormous softie – que é uma imagem de homem que foge ao discurso ursino em hegemonia e encontra maior expressão no discurso chubby, representado, muitas vezes, pelo boneco da marca de pneus Michelin; (g) o bulky muscleman, que seria o homem musculoso e uma espécie de Glamour bear, representados pelos quadrinhos de semi- deuses escandinavos ou nas competições de os “homens mais fortes do mundo” (BROWN, 2001, p.49).

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Estas classificações, ainda muito centradas em aspectos corporais, trazem alguns indícios comportamentais que remetem a construções de masculinidades “tradicionais”, sendo que qualquer um destes tipos ainda se encontraria na força “gravitacional” do discurso ursino. Mass (2001), por sua vez, afirma que não há atualmente o “urso”, isto é, não há uma entidade, uma delimitação corpórea fundamental, que circunscreva ou capture tal essência como em outros subgrupos como as barbies (caracterizados pelos clones do bairro Castro em São Francisco- EUA) ou as opera queens (as travestis de apresentações musicais e de comédia). Não há uma essência justamente porque o discurso ursino se encontra sustentado por diversas concepções de masculinidades que são fluidas, contextuais e que tendem a oscilar conforme as mudanças nas demandas locais, por exemplo, o uso de barba. Diante disso, o peso corporal elevado e a parrudez vem se mostrando como um dos poucos fatores mais estáveis de definição do corpo ursino (MASS, 2001).

No próximo tópico, buscaremos trazer um percurso de inserção do discurso ursino estadunidense em práticas homoafetivas de brasileiros, dando voz principalmente às vivências dos participantes desta pesquisa e às informações coletadas no levantamento documental.

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