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5 AS PRÁTICAS URSINAS: EMERGÊNCIAS E ATUALIZAÇÕES

5.2 URSOS NO BRASIL

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De acordo com blog Urso do Rio 12, o discurso ursino ganha circulação brasileira no final da década de 1990. O principal canal de circulação é a internet, com destaque para websites que paulatinamente passaram a conter vídeos pornográficos de ursos e também em canais de bate-papo do protocolo de comunicação Internet Relay Chat (IRC), no qual foram se articulando redes brasileiras de relacionamento gay e um canal específico para o público ursino - o #ursosdobrasil (URSOS DO RIO). Neste período, foi criada também a primeira versão de um site brasileiro de relacionamento nos moldes de sites ursinos de outros países, o Ursos do Brasil, e foi articulado o primeiro encontro de ursos do Brasil na cidade do Rio de Janeiro (no ano de 1997). Este foi o período em que três participantes (URSOS 2, 4 e 18) desta pesquisa interagiram e entraram em contato com o discurso ursino.

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Com a criação de outras ferramentas de comunicação como o ICQ, MSN Messenger, os grupos do Yahoo, Orkut e os bate-papos em servidores como Terra e UOL, as interações no canal do IRC pedem força, mas o discurso ursino se amplia nestes novos meios. No ano de 2003, o site UrsosdoBrasil.com.br foi retomado no Rio de Janeiro e passou a ser um grande divulgador de encontros que já vinham ocorrendo em outros locais como São Paulo, Campinas, Porto Alegre, Belo Horizonte, Recife e Brasília: “[...] já tinha o bearwww, que eu tinha perfil. Tinha o bearlicious, o 411, ou seja, já tinha antes, mas parece que depois que teve o ursos.com aumentou demais” (URSO 18).

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! Disponível em: <http://ursosdorio.blogspot.com.br/2007/02/histria-­‐dos-ursos-no-brasil-com-­‐um-­‐ 12

Os encontros que ocorriam inicialmente em bares e espaços menores foram também se expandindo para festas maiores e para encontros nacionais em datas festivas em boates do Rio de Janeiro e São Paulo:

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“Sei de São Paulo e Campinas. Na verdade teve uma primeira festa grande no Rio. Teve um ano onde todo mundo se encontrava. Esqueci o nome da festa. Se chamava ‘Pelo’, se eu não me engano. Eu acabei indo depois em festas no Rio e em Bh. Enfim, depois eu me engajei num jeito, quando comecei a andar com gente assim... Tinha o IRC, não sei se conhece. Tinha o IRC dos ursos, aí eu conheci muuuita gente. Muita gente que tenho contato até hoje é dessa época. Eu, como eu sempre fui sempre dado a conhecer muita gente, comecei a participar da organização de encontros em Campinas. Até então não tinha Ursound. Antes tinha a BearDance, antes disso ainda, tinha um almoço, que chamava BearLounge. Tinha o Bailão, a Vieira, né? Na Vieira ia quem gostava de mais velha e de gordinho, meio que era isso. Bailão também, né? Posterior a isso vieram as festas do Rogério e a Ursound que não vai acabar nunca” (URSO 18).

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Além disso, a expansão dessas práticas encontrou visibilidade midiática em reportagens de jornais de grande circulação nacional como o Globo, Correio Brasiliense, Folha de São Paulo, assim como em publicações e sites específicos para o público LGBT como o Mix Brasil, G Magazine, Porn e a estadunidense Bear Magazine (URSOS DO RIO). Outro gatilho de grande importância para a circulação da temática dos ursos no Brasil se deu a partir da participação de um integrante ursino (Rogério Munhoz) no reality show 20 e poucos anos, exibido no canal MTV:

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“MTV, 2000, foi quando ouvi falar, igual a todo mundo que entrou nos ursos no começo dos anos 2000. De certa forma, eu não peguei o início, existe um movimento desde 1997, mais ou menos. Lá por 99 se configura como um movimento. Toma uma amplitude muito maior com essa aparição midiática do Munhoz em 2000 e eu entro nisso de 2002 pra 2003, quando tinha um canal de mIRC que fervia, com muita gente do Brasil inteiro. Quando já havia festas e as pessoas já se encontravam em festas da parada de São Paulo. Já tinham festas voltadas pra ursos lá. Mas ainda eu brincava

que era uma grande cidade do interior desterritorializada, todo mundo se conhecia naquele momento” (URSO 2).

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“Teve uma época, lá pra 2002, 2003, teve uma época em que urso virou moda. O Rogério Munhoz foi no Jô, tinha feito 20 e poucos anos. E eu o conheci bem nessa época e ... teve uma reportagem, começou a aparecer na mídia. Tanto que eu lembro que nas primeiras paradas de 2001 e 2002, eu fui com prazer de ir pela causa. E era muito legal ir. Eu frequentava muito @Loka, foi uma época bacana de ir em parada. Todo mundo passou a adorar ursos lá (risos) Teve um modismozinho nessa época, por ter aparecido na mídia, de 2001 a 2003. E aí pegou um pouco esse negócio do urso. Eu até já tive essa coisa de usar camiseta com a pata (risos)” (URSO 18).

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De acordo com os participantes desta pesquisa que vivenciaram e experimentaram esta época, o discurso ursino chegou ao Brasil em consonância com dois enunciados apontados por Wright (1997), tanto o “anárquico”, quanto o “tribalista”,

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“No início tinha todo um discurso aqui no Brasil de autoajuda. Comecei a conhecer algo de urso em 2002, 2003. Comecei primeiro no site, depois a frequentar os eventos no final de 2003 e ainda imperava uma coisa que era muito comum no começo: ah, ser urso é ser você mesmo, é quase uma autoajuda para aceitar que estava fora do parâmetro sarado, fashion, descolado, batedor de cartão de boate. Talvez uma coisa das pessoas aceitarem, gostarem, uma coisa que eu acho interessante no universo dos ursos é essa coisa de você aceitar o seu corpo como ele é, né? Mesmo que alguns insistissem que ser urso é de um jeito só” (URSO 2).

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O blog Ursos do Rio destaca também que, a partir do ano de 2000, começaram a ser articulados outros sites e grupos locais de ursos, que consequentemente impulsionaram encontros fora do eixo Rio-São Paulo. Porém, após pesquisa realizada, os encontros locais vêm apresentando irregularidades, enquanto festas maiores nestes eixos têm se tornado os eventos de maior referência na cena ursina atual. Cena esta que tomou proporção maior ao ser impulsionada por novas aparições midiáticas de sujeitos que se assumem como ursos, por exemplo, o Doutor Marcelo,

no programa global Big Brother Brasil e também pela expansão do acesso à internet e das redes sociais. Conforme os participantes,

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“[...] somos ilustres desconhecidos na cena de hoje, que é gigantesca. Então, essa transição quebrou com aquela coisa do todo mundo se conhece, coisas como feijoada dos ursos, almoços dos ursos, encontros em livraria. No Brasil, alguns encontros eram em livrarias, coisas impensáveis hoje porque o mundo das boates invadiu o meio ursino. Já têm grandes festas que atraem 2000 pessoas, as menores atraem 200, 300, todos os lugares lotados, cheios, pra pessoas se conhecerem. Não é aquela coisa de fazer amigos, há festas como qualquer outra festa do meio gay, a socialização é pelas festas” (URSO 2).

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“O legal da Ursound é o açougão. Ali tem do jeito que você quiser. O interessante é na noite mesmo, mas ainda se usa muito internet. E hoje os aplicativos. E aumentou muito com os aplicativos, pois você sabe quem está perto de você. Eu era anti- celular... Daí eu comecei com esse lance de android, instalei e me assustei, pois vi que tinha gente perto de mim ali e acabou rolando. Nas boates você sempre acha alguém. O legal é que nem todo mundo tem acesso a São Paulo e pode ir à Ursound (FIGURA 8)” (URSO 18).

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Figura 8 - Folder do evento Ursound. Fonte: Ursound (2008) 13.

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Urso 2 nos traz uma opinião importante no que intitula por “desmontagem dos parâmetros ursinos”. Além de os ursos passarem a “jogar” na cultura de festas características do meio LGBT masculino, outro motivo é pela adoção de novas tecnologias de comunicação por parte dos sujeitos, como os aplicativos para celulares. Há uma suspeita, em conversas cotidianas e com base em opiniões por parte dos entrevistados, que os aplicativos têm enfraquecido os encontros locais, pois facilitam a interação das pessoas sem o “risco” de se exporem ao público em festas e em encontros ursinos. Outro efeito desta “desterritorialização” ursina é a desestabilização dos limites corpóreos tão característicos das primeiras classificações ursinas: “muita gente, por ter um corpo sarado, mas por ter uma barba e cultivar pelos corporais, vem se considerando urso. Talvez os ursos já sejam uma coisa do passado” (URSO 2).

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Diante deste breve percurso narrativo de ursos no Brasil, com base em blogs e na vivência de alguns participantes, no próximo capítulo, traçaremos a emergência

! Disponível em: < http://ursoundblog.wordpress.com/2008/04/05/flyer-oficial-2/> 13

de práticas ursinas no Espírito Santo. Isso requerer um exercício anterior de descrição das narrativas de vida por parte dos entrevistados e até os contatos com o discurso ursino.

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