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4 METODOLOGIA DE PESQUISA

4.1 PRODUÇÃO DE DADOS

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Esta pesquisa apresenta um corpus que vai além do nível textual (BAUER; AARTS, 2011) e abrange um conjunto finito de diferentes materiais que foram previamente selecionados pelo pesquisador. Inicialmente, foi realizada uma análise documental (BRAVO, 1991) em websites e publicações relacionados ao tema do ursos. Entre as publicações mais utilizadas destacam-se as coleções Bear Book I e Bear Book II

organizadas por Wright (1997; 2001) e o estudo Faeries, Bears and Leathermen de Hennen (2008).

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Em relação aos blogs, maior atenção foi dada ao blog Ursos do Rio de Janeiro (URSOS DO RIO), que apresenta de forma mais organizada o percurso de algumas práticas ursinas no Brasil e, além disso, conta com participantes que vivenciaram a emergência destas práticas locais. Além deste, atentamo-nos também para o blogs Resourses for Bears (s/d) e UrsosdoBrasil.net (2009) que nos apresentam os códigos e as classificações ursinas utilizados para descrevermos enciados presente no discurso analisado. Foram também realizadas pesquisas em catálogos de imagens e fotos ursinas na internet no intuito de exemplificarmos os esquemas corpóreos e as metáforas do corpo relacionadas ao fenômeno dos ursos.

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Porém, como esta pesquisa está focada no Espírito Santo e não foram encontrados documentos que descrevessem séries históricas deste grupo, foi necessário nos atermos aos percursos e às práticas dos participantes deste estado, tendo em vista dois eixos principais: (a) as práticas dos sujeitos que se identificam como ursos, sendo que levamos em conta suas histórias de vida e os diversos contextos em que se encontram inseridos, com destaque para a família, o trabalho e as sociedades nas quais vivem; (b) a vivência em um campo de práticas homoafetivas e o contato com o discurso ursino; (c) como essas práticas estão articuladas c o m elementos heterogêneos que, contextualmente, assumem configuração de verdade e propõe estatutos aos sujeitos, ou seja, os jogos de verdade e as relações de força que atuam nas socializações e nos exercícios de si por si dos entrevistados (FOUCAULT, 1997c); (d) processos de reiteração ou de inovação de esquemas sociais pelos participantes.

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O exercício descritivo desses dois eixos se deu por meio entrevistas individuais com ursos no Espírito Santo que seguiram um roteiro semiestruturado (APÊNDICE A). A entrevista é um sitio onde relações de poder são articuladas com diferentes verdades (FONTANA; FREY, 2003). Trata-se de um processo social, no qual são desenvolvidas, exploradas e negociadas diferentes percepções e realidades entre um entrevistador e um entrevistado (GASKELL, 2002).

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O intuito foi de compreender o “mundo da vida” dos respondentes, “as relações dos atores sociais com sua situação” (GASKELL, 2002, p.65). Como se encontram inseridos em múltiplas redes de poder que atuam nos processos de subjetivação, solicitamos aos participantes que relatassem seu cotidiano e suas histórias de vida, para que eles mesmos se situem frente aos acontecimentos sócio-históricos de sua época, tendo em vista as relações familiares, de trabalho, fraternas, nos grupos sociais que elegeram participar, nas interações sociais como um todo, assim como nas práticas de si (FOUCAULT, 1997c).

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Quanto à seleção dos entrevistados, inicialmente, foram encaminhadas mensagens que convidavam à pesquisa aos participantes da página virtual Ursos do Espírito Santo, localizada na rede social Facebook. Dessas mensagens, obtivemos a participação de um número muito pequeno de entrevistados, contabilizando três. Diante disso, conforme previsto, a utilização da técnica do snowball sampling, conhecida no Brasil como técnica da “bola de neve” (BIERNACKI; WALDORF, 1981), foi a que melhor contribuiu na aproximação com os participantes. Foi extremamente importante que o pesquisador lançasse mão de redes de contato, nas quais os participantes foram sucessivamente indicando outros.

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Percebemos também que a aproximação prévia do pesquisador com a temática e a participação anterior em eventos e em páginas de relacionamento foi, conforme os próprios entrevistados, fundamental para que se abrissem à participação, contribuindo para que contabilizássemos um total de 19 (dezenove) entrevistas. Consideramos que este número de entrevistados foi o necessário, tendo em vista o ponto de saturação do sentido (GASKELL, 2002).

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Os participantes apresentam idades que variam entre 22 e 38 anos. A maioria se identificou como pertencente à classe-média e menor parte (6 participantes) à classe- média alta. Quando questionados em relação à raça, a grande maioria a identificou como branca e pequena parte como parda (4 participantes). O nível de escolaridade é praticamente dividido entre superior completo e superior incompleto, sendo que poucos cursaram pós-graduação (3 participantes). No intuito de mantermos o

anonimato dos entrevistados, suas narrativas serão referenciadas conforme enumeração precedida do termo Urso: Urso 1, Urso 2, Urso 3 e assim por diante.

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Todos os locais e horários de entrevista foram acordados tendo em vista a facilidade de locomoção e disponibilidade dos entrevistados. Grande parte das entrevistas foi realizada em locais “públicos” como praças de alimentação de shopping centers em Vitória e Vila Velha, lanchonetes e também na UFES - Campus Goiabeiras. Além desses locais, entrevistas foram realizadas em residências dos participantes, seja por comodidade ou por receio de serem identificados em locais públicos. As entrevistas ocorreram em sua grande maioria nos finais de semana e nos horários após a jornada normal de trabalho. As entrevistas tiveram em média 50 minutos de duração. Todas as entrevistas foram gravadas em suporte digital, por meio de aparelho celular e foram transcritas para um software de edição de textos.

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Durante o planejamento deste estudo, foi proposta também a realização de observação direta em eventos onde grupos de ursos se interagiam com outros grupos sociais. Angrosino e Peréz (2003) nos recordam que observar e adentrar em uma situação social é outra importante forma de coleta de materiais. Os processos de observação são uma interação que é também moldada pelas relações de poder existentes (ANGROSINO; PEREZ, 2003, p.49). Os eventos dos ursos ocorriam na sua maioria em espaços privados ou em bares com pequena circulação de pessoas. Porém, alguns grupos haviam participado do Piquenique de Todas as Cores, que foi realizado no Parque Pedra da Cebola em Vitória.

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Havíamos também apontado eventos realizados em um bar de Vila Velha, o UQ – Ursos de Quinta, onde se encontrava outro público. Porém, no período reservado para a coleta de dados, não identificamos a presença de grupos de ursos no Piquenique. O UQ foi o primeiro evento ursino que se tem notícia no Estado do Espírito Santo e ocorreu em Vila Velha, em novembro de 2012. Havia uma proposta de realização mensal deste evento, mas foram interrompidos após a realização da segunda edição. Esta é uma das limitações que esta pesquisa apresenta. Reforçamos as questões sobre as impressões dos participantes nesses eventos, porém com consciência de que este não substitui o método acima proposto.

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Os dados coletados das entrevistas foram organizados em uma matriz, em um software de edição de planilhas, na qual os tópicos que compõem os objetivos e finalidades da pesquisa foram dispostos em colunas e os trechos das narrativas dos entrevistados foram situados em linhas correspondentes à temática selecionada. Foi aberta uma última linha para o acréscimo de notas, que contribuiu para que complementássemos essas informações com a pesquisa documental realizada. Os dados levantados pela pesquisa documental por meio de blogs e publicações específicas acerca dos ursos, assim como dos catálogos de imagens, contribuíram para a construção de um percurso das práticas ursinas, sempre tendo em vista sua atualização no Brasil e a vivência dos participantes nesses acontecimentos, tal como disposto no Capítulo 5.

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