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Códigos: portadores de informação e indutores de alinhamento

PARTE I – Processos de mudança através de códigos de ética

Capítulo 3. Códigos de ética

3.1. Códigos: portadores de informação e indutores de alinhamento

A referência a códigos no contexto empresarial tem que ver, muitas vezes, com códigos desenvolvidos por organizações profissionais ou industriais, quer sejam nacionais quer sejam organizações internacionais, os apelidados meso-codes (Kaptein & Wempe, 1998). Neste caso, as organizações podem adotar para si esses códigos e muitas vezes podem mesmo subscrevê-los publicamente1. Mas os códigos também podem ser desenvolvidos por e para uma determinada organização, os micro-codes. Há organizações que usam, para apelidar esses códigos, expressões2 como “princípios éticos”, “princípios empresariais”, “código de boas práticas”, “credo corporativo”, mas as mais comummente utlizadas são “código de conduta” e “código de ética”.

1 Exemplos de muitos destes códigos podem ser encontrados em Compendium of Ethics Codes and Instruments of Corporate Responsibility (McKague, 2007), sendo o Pacto Global um dos mais utilizados. 2

Apesar de abranger a atuação das pessoas em contexto profissional, a expressão código deontológico não é muito utilizada nas empresas porque é essencialmente aplicada a uma profissão específica (médicos, engenheiros, advogados…). Como numa empresa coexistem frequentemente várias profissões, tem que existir subsidiariedade entre os códigos, ou seja, a observância do código da organização não pode impedir a aplicação simultânea das regras de conduta de grupos de profissionais específicos.

Mudança cultural como alinhamento e transformação: o caso do Código de Ética EDP Ainda que por facilidade de linguagem se possam usar indistintamente as expressões “código de conduta” ou “código de ética” é possível fazer-se uma distinção:

 “Código de conduta tende a designar as condutas e as práticas relacionadas com resultados e virtudes como a pontualidade e o rigor” contemplando portanto “linhas de orientação práticas que capacitam a implementação prática do ethos do código”  “Código de ética é uma expressão mais associada a documentos focalizados em

princípios como a justiça e o carácter” enunciando portanto “valores filosóficos” de uma organização. (Rego et al., 2006, p. 267).

Apesar das duas expressões serem utilizados indiferentemente, esta distinção já pode revelar consequências díspares na sua utilidade. Os de conduta, sendo mais focados em temas e condutas mais facilmente “observáveis” e portanto mais facilmente “controláveis”, poderão ser considerados mais úteis para “homogeneizar” determinados tipos de comportamentos. Por exemplo, na fusão de duas empresas (com culturas distintas) serviriam para que “todos” os colaboradores ficassem a saber claramente o que é ou não permitido a partir daí, em temas que poderiam anteriormente ter políticas diferentes em cada umas das empresas, como por exemplo ofertas ou utilização pessoal do património da empresa. Estes códigos seriam considerados portanto como instruções (regras) a ter em conta, a ser consultados em qualquer momento para se aferir do entendimento da organização sobre esse tema particular, sobre o que a gestão de topo espera de cada um.

Os códigos de ética, sendo mais focados em princípios, não permitem uma tão fácil observação do seu cumprimento e poderão ser considerados como instrumentos que enunciam os comportamentos que a gestão espera dos colaboradores. Estes princípios contudo, sendo à partida “consensuais” não suscitam, em termos teóricos, grandes dúvidas. No entanto, a sua interpretação e os valores aí plasmados suscitam frequentemente reações distintas, nomeadamente quando entram em conflitos entre si, como já se referiu no capítulo dedicado à gestão da cultura.

Alguns códigos são mais “de ética” e outros mais “de conduta”, mas uma grande parte combina as duas orientações, o que pode ser facilmente constatado a partir da análise de códigos disponíveis nos sites das organizações, mesmo que escolhidos aleatoriamente.

Mudança cultural como alinhamento e transformação: o caso do Código de Ética EDP Constata-se também que há empresas que possuem códigos de “ética” entendidos como grandes princípios de orientação para a empresa “mãe”, que se desdobram em códigos de “conduta” para unidades de negócio e/ou departamentos. É por exemplo o caso da EDP. Este desdobramento é muitas vezes mesmo efetuado por imposições legais (como é o caso de atividades reguladas ou exigências de mercados bolsistas) ou para áreas especialmente sensíveis, como compras ou financeira.

Apesar destas diferenças de denominação, que poderão ser mesmo a fonte de algumas das ambiguidades sobre a sua utilidade, utiliza-se aqui indistintamente a expressão “código” ou “código de ética corporativo” (CEC) para aqueles dois tipos de códigos por não ser relevante nesta dissertação o código em si, ou mesmo o seu conteúdo.

Os códigos poderão pois ser portadores de informação ou indutores de alinhamento, mas não é necessariamente o seu conteúdo que os distingue no eventual impacto nos comportamentos. Serão portadores de informação se se ficarem “apenas” como “o” único elemento do sistema formal; poderão ser indutores de alinhamento se tiverem em conta também outros elementos do sistema formal e simultaneamente o sistema informal, ou seja, se tiverem em conta a cultura da organização. Apesar de não ser relevante para esta dissertação o conteúdo do código em si é necessário explorar as razões e motivações subjacentes à sua introdução, dado que terão consequentemente implicações na sua implementação.

O que é e para que serve um código?

Um código é, genericamente, um documento específico que detalha as linhas de orientação morais ou regras éticas para os colaboradores e, por vezes, para os fornecedores (Helin & Sandstrom, 2007; Kaptein & Schwartz, 2008; Schwartz, 2001). Pode encontrar-se definições um pouco mais pormenorizadas: “Código de ética é um código formal que estabelece objetivos gerais de carácter ético que a organização pretende alcançar e prosseguir, interna e externamente, atendendo às diversas partes interessadas. É constituído pelo sistema de valores e compromissos da organização, assumidos pelas pessoas enquanto membros da mesma” (IPQ, 2007).

Mudança cultural como alinhamento e transformação: o caso do Código de Ética EDP Pode ir-se ainda mais longe na pormenorização: “um código ético (ou uma declaração de princípios, um ideário, uma carta de intenções, etc.) é um documento em que a empresa estabelece objetivos de carácter ético que deseja conseguir, dentro e fora da mesma, isto é, com os fornecedores de capital de risco, trabalhadores, diretivos … e/ou com clientes, fornecedores, instituições financeiras, comunidade local, economia nacional. Contém, de uma maneira ou de outra, uma declaração de objetivos – o que se costuma chamar a “missão da empresa”-, os princípios éticos fundamentais e uma certa concretização daquela missão e destes objetivos em áreas específicas, de particular interesse” (Moreira, 1999, p. 67).

Nestas duas últimas definições já se invocam objetivos a alcançar, “interna e externamente”, nomeadamente com “fornecedores”, mas esta última definição, contempla exemplos de partes interessadas e desagrega as internas em “trabalhadores” e “diretivos”. Da análise destas definições já se pode concluir que o âmbito de aplicação e eventuais objetivos de um código podem ser muito diferentes entre organizações, assim como as razões e motivações subjacentes à introdução de um código.

Apesar de não ser especialmente relevante para esta dissertação a adoção de uma definição considera-se a proposta por Kaptein & Schwartz (2008, p. 113) por ser mais ampla e simultaneamente mais precisa sobre o que é e para que serve: “um código é um documento único e formal desenvolvido por e para uma organização que contém um conjunto de prescrições para orientar os comportamentos, presentes e futuros relativos a um conjunto de assuntos, de gestores e colaboradores na relação de uns com os outros, na relação com a empresa, com stakeholders externos e/ou com a sociedade em geral”.

Uma forma de compreender a necessidade da existência de códigos é elencar as razões e motivações subjacentes à sua introdução: pela negativa ou pela positiva.

A introdução de um código, pela negativa, tem que ver com algo que se pretende evitar, reduzir, minimizar, com algo que não se pode deixar que aconteça, com algo para

desencorajar práticas de negócios e comportamentos que comprometam a integridade ou ameacem o bem coletivo. São exemplos dessas razões e motivações: “reduzir o risco dos custos de má conduta, reduzir os riscos de crise, reduzir a probabilidade/valor das penalizações legais; reduzir a exposição dos executivos a penalizações individuais,

Mudança cultural como alinhamento e transformação: o caso do Código de Ética EDP legais, financeiras ou mesmo de reputação; reduzir os custos da «monitorização»; reduzir os custos de coordenação; reduzir os custos de transação, reduzir as pressões sociais e políticas para leis e regulamentos restritivos.” (Moreira, 2004).

Por sua vez, a introdução de um código pela positiva, tem que ver com algo que se pretende reforçar, melhorar, alargar, que permita contribuir para algo positivo. São exemplos dessas razões e motivações: “criar confiança organizacional, elevar a moral dos colaboradores e o compromisso; criar um clima favorável à criatividade; valorizar a(s) marca(s); aumentar a qualidade do produto/serviço, aumentar a atratividade para os melhores colaboradores, diferenciar-se dos concorrentes, aumentar a posição na comunidade e o acesso a novas oportunidades.” (Moreira, 2004).

No entanto, as razões e motivações da introdução de um código pela negativa têm sido crescentemente as mais invocadas, nomeadamente por imposições externas e por regulação específica, por exemplo no âmbito do governo das sociedades. Com efeito, a lei norte-americana que ficou conhecida por Sarbanes-Oxley Act (lei SOX), promulgada em 2002, é aplicável não só às empresas norte-americanas cotadas, mas também, em nome da segurança e defesa dos interesses dos investidores, às empresas não americanas admitidas à cotação em bolsas de valores dos EUA. A lei SOX regulou múltiplos aspetos específicos do governo das sociedades cotadas estipulando, designadamente, “a divulgação da existência de um código de ética aplicável aos diretores de topo, ou das razões da sua inexistência (comply or explain)”. Para reforçar os mecanismos de gestão e controlo das empresas cotadas, das regras de governo das sociedades adotadas pelo New York Stock Exchange (NYSE), no Manual das Empresas Cotadas do NYSE, na versão aprovada em Novembro de 2003, destaca-se que “as empresas cotadas devem criar a função de auditoria interna e adotar e divulgar um código de conduta e ética aplicável a todos os colaboradores”. Note-se que a lei SOX destaca o papel diferenciador relativamente a “diretores de topo” e “todos os colaboradores”, revelando por isso a necessidade de estabelecer responsabilidades específicas para cada grupo.

Cientes das potenciais consequências destas medidas, Canary & Jennings (2008) efetuaram em 2008 um estudo comparativo entre os CEC pré e pós-SOX, com resultados que suportam conclusões precedentes.

Mudança cultural como alinhamento e transformação: o caso do Código de Ética EDP Os assuntos dominantes nos CEC convergiram em fatores que refletem temas de ética, leis e práticas. Ao considerar quer a estrutura quer o conteúdo, os resultados indicam que os códigos, de todos os sectores e ao longo do tempo, enfatizam as leis, os regulamentos e os procedimentos de conformidade. No entanto os códigos pós-SOX destacam mais a importância da conformidade e da legislação do que os pré-SOX. Ou seja, como forma de acolher as orientações e as normas repressivas da lei SOX, as empresas estão a tentar induzir mudanças culturais, começando a detalhar ainda mais os programas de “conformidade”. Os autores deste estudo concluem que as empresas, particularmente no período pós-SOX, tentam fazer da ética uma preocupação central das práticas quotidianas. O que também é claro, é que “os CEC refletem um sistema social que visa promover o comportamento ético, enfatizando as exigências legais, a regulamentação e o controle formal de comportamento”.

Em suma, estas imposições externas são uma das razões e motivações de muitas organizações, sobretudo das empresas abrangidas pela lei SOX, ou que de alguma forma alinhem as suas práticas de gestão por estas empresas. A tendência será portanto para implementar códigos, regulamentação e programas de ética numa lógica muito mais repressiva, muito mais de controlo, muito mais pela negativa. Configuram pois, parece, mais uma lógica de códigos “de conduta” do que de “códigos de ética”.

Apesar de se usar indistintamente as duas expressões (conduta ou ética) para os códigos e de a maior parte deles contemplarem simultaneamente as duas lógicas (negativa ou positiva), o peso atribuído a cada uma indiciará desde logo os objetivos do código.

Estes dois tipos de razões e motivações ou formas de encarar a existência do código (pela negativa ou pela positiva) coincidem com abordagens mais normativas (o que se deve ou não fazer) ou mais axiológicas (reflexão sobre os princípios e valores) sobre os seus processos de implementação, assunto que se explora de seguida.

Mudança cultural como alinhamento e transformação: o caso do Código de Ética EDP