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Perpectivas sobre a implementação: compliance e axiológica

PARTE I – Processos de mudança através de códigos de ética

Capítulo 3. Códigos de ética

3.2. Perpectivas sobre a implementação: compliance e axiológica

As abordagens mais normativas ou mais axiológicas dos conteúdos dos códigos refletem-se na escolha da abordagem dos seus processos de implementação e respetivo controlo: poderão ser mais orientados para a compliance ou para a reflexão e interiorização dos princípios e valores. Os processos de implementação poderão também combinar as duas abordagens, mas a forma de controlar a observância do código, será distinta.

Helin et al (2011) referem que no “no seu lado obscuro” o código pode ser uma ferramenta de gestão para “dominar ou iluminar” realçando os seus efeitos a partir do exercício do poder. Por um lado, um código pode dominar, ou seja, pode aumentar a centralização, impedir o julgamento moral e criar diferentes formas de resistência na organização ao procurar impor um quadro comum em diversas situações e em diferentes pessoas e ao possibilitar o fomento deacusações dedesobediênciaquando essas pessoas em situaçõesreais não estejam em conformidade com o explicitado. Por outro lado, um código pode iluminar, ou seja, pode fornecer suporte ético, incentivar o diálogosobre a ética no local de trabalho e promover a capacitação, esclarecendo as expectativas em torno detomada de decisões e reduzindo assim a necessidade de delegação de poderes

para justificar a falta de clareza sobreo que é ounãopermitido.

Da mesma forma Moreira (1999) alerta para esta dualidade de potenciais efeitos advertindo sobre o melindre e ambiguidade de que a temática se reveste. Defende que um código pode ser um “instrumento de humanidade”, ajudando à “prossecução de verdadeiros objetivos da empresa que devem ser humanos, pois só estes podem ser qualificados como vitais para a sua missão como instituição económica e social” (p. 67). Este é o lado positivo, o lado que ilumina. Alerta, no entanto, para os seus perigos, e mais ainda para os potenciais efeitos perniciosos internos, quer nos que acreditam na sua utilidade quer dos que resistem à sua introdução. “…a introdução de um código pode também ser um delicado processo com efeitos perversos e mesmos contraproducentes. Há que contar com resistências ao processo de introdução de um código e saber que o fracasso do processo pode levar ao aumento do cinismo dos seus membros” (p. 67).

Mudança cultural como alinhamento e transformação: o caso do Código de Ética EDP Este melindre e ambiguidade dos códigos é uma das formas de analisar os já referidos “efeitos contraproducentes” assinalados por Kaptein.

Também Stansbury & Barry (2007) enfatizam a ambiguidade destes efeitos. Consideram que algumas formas de controlo incutidas pelos programas de éticapodem enfraquecer a capacidade e a motivação dos colaboradores para exercer o seu próprio julgamento moral, especialmente em situações novas. Apesar da promessa aparente destes programas como veículos para desencorajar práticas de negócios e comportamentosdos colaboradoresque comprometam a integridade ou ameacemo bem coletivo, importa examinar as suas limitações e as ameaças que eles representam, quer para os “controladores”quer para os “controlados”.

Estes mesmos autores lembram que com as novas rotinas introduzidas por um código a gestão espera uma consciencialização prática dos seus membros. No entanto esta consciencialização não é, naturalmente, automática: pode não ter qualquer efeito ou mesmo, contrariamente ao esperado, ter efeitos perniciosos. A implementação inapropriada de um código pode levar ao “paradoxo do controlo” já que os programas

de ética que dependam de controlo coercitivo podem comprometer seriamente a sua própria eficácia. Este perigo poderá ocorrer devido a pelo menos três desvantagens potenciais: “o espectro de doutrinação, a politização da ética e uma atrofia de competência” (Stansbury & Barry, 2007)

O “paradoxo do controlo” e os “efeitos contraproducentes” dos códigos (quer nos controladores quer nos controlados, quer na equipa de gestores quer nos colaboradores, ou seja, em toda a organização) são frequentemente lembrados não só na academia mas também na sociedade em geral, através das variadas notícias dos sucessivos escândalos empresariais ocorridos a propósito de falhas ética.

Estas notícias, enfatizando o lado negativo, fazem esquecer frequentemente que um código pode também “iluminar”, ser “um instrumento de humanidade” e um “veículo

para desencorajar práticas de negócios e comportamentos dos colaboradores que comprometam a integridade ou ameacem o bem coletivo” (Moreira, 1999).

Mudança cultural como alinhamento e transformação: o caso do Código de Ética EDP As “circunstâncias” em que os códigos são concebidos e implementados influenciarão as escolhas dos gestores sobre a preponderância da abordagem (negativa e positiva) que, por sua vez, induzirão consequências nos recetores mas também nos emissores: da parte de quem implementa (os gestores) o código, devem ser conhecidas as razões e motivações para a sua introdução, o que fazer dele e com ele e a forma como está (se é que está) regulamentado o seu (in)cumprimento; da parte de quem o recebe (os colaboradores) é necessário perceber como interpretam as razões da sua emissão, como decorre a receção local, qual a interpretação do seu conteúdo e da estratégia de implementação e finalmente, o que acontece (e já aconteceu) quanto ao seu (in)cumprimento.

Para compreender as consequências de implementar um código ter-se-á que ter em conta cada um dos lados e a sua dinâmica.

Se cada organização, independentemente da sua dimensão, tiver um programa para implementar um código que seja desenhado cuidadosamente, implementado e aplicado de forma séria, justa e consistente poderá prevenir violações, detetar as que ocorram e corrigir apropriada e rapidamente as violações ao código, na senda de uma cultura ética.

Uma cultura ética forte reforça e é reforçada por um programa de conformidade sólido. A adesão “consciente” ao código pelos gestores de topo inspirará os gestores intermédios e reforçará a sua adesão. Por sua vez, gestores intermédios comprometidos “conscientemente” encorajarão as suas equipas a agirem de acordo com o código. Este é, naturalmente, o plano que os gestotes ou os agentes de mudança terão que ter em mente na condução de um projeto de mudança cultural.

Um “bom” plano não é condição suficiente, mas é certamente condição necessária para tentar criar, manter ou reforçar uma forte cultura ética em qualquer organização. Adicionalmente, há que ter em conta a relação que cada um vai estabelecendo com o código bem como as diferentes interpretações, que farão com que a adesão ao código seja, efetivamente, ”consciente”. O mesmo é dizer, como já se referiu no capítulo sobre gestão da cultura, há que ter em conta que a mudança de valores não possa ser atribuída à submissão mas antes à crença genuína.

Mudança cultural como alinhamento e transformação: o caso do Código de Ética EDP Para se compreender a complexidade e as problemáticas que decorrem da criação de um “bom” plano para conceber um processo de criação e implementação de um código, conclui-se esta secção recordando as seis recomendações de Kaptein & Schwartz (2008): as duas primeiras, mais genéricas, são relativas ao contexto em que se insere o código; as últimas quatro são relativas ao código propriamente dito.

A primeira, relativa à relação do código como os outros processos de gestão, sugere que os códigos devem ser considerados como uma parte de um amplo programa de gestão para gerir a relação com as partes interessadas (não só os colaboradores, mas não também, por exemplo, uma parte da cadeia de fornecimento que poderá estar “obrigada” a seguir o código). Tal significa que um código é um instrumento que não está isolado de outros processos (por exemplo o de compras, avaliação ou recrutamento). Poderá até ser afirmado que, em si, o código não tem sentido: o que é fundamental é o seu processo de elaboração e implementação, ou seja, o processo de reflexão sobre e com o código.

A segunda das recomendações está relacionada com a diversidade dos contextos. A eficácia dependerá de muitos fatores mediadores e moderadores (que podem variar mesmo dentro da organização) e desenvolver e implementar um código requer ter em conta esses fatores, em cada departamento, em cada local. Há aqui, portanto uma referência explícita à diversidade de situações e à necessidade de se ter em conta a especificidade local, o processo de interpretação do código.

Sobre a avaliação do código, referem que deve ser feita uma distinção entre a qualidade e a eficácia do código, ou seja, uma distinção entre o julgamento que se possa fazer sobre o conteúdo do código e o julgamento sobre o impacto do seu conteúdo. Muitos códigos têm “bons” conteúdos e muitas vezes nem diferem entre organizações (por vezes são muitos semelhantes porque se inspiram ou seguem um código setorial). A eficácia da implementação é que pode ser diferente, mesmo que com códigos semelhantes ou na adoção de um código de uma instituição nacional e/ou internacional.

As recomendações específicas sobre a eficácia dos códigos concentram-se também sobre os indicadores: por um lado, o conteúdo do código é a base para determinar os indicadores, para medir a sua eficácia; por outro lado, o comportamento que é abordado no código corresponde ao comportamento que é esperado.

Mudança cultural como alinhamento e transformação: o caso do Código de Ética EDP De acordo com a quinta recomendação, a medição da eficácia dos códigos deve ter em conta um conjunto de fatores externos (como as expectativas das partes interessadas e a envolvente) mas há que se contabilizar fatores internos, tais como: a característica da organização, os objetivos do código, o desenvolvimento do processo, o conteúdo do código (e dos códigos específicos locais), a implementação e monitorização do processo de divulgação do código, o contexto interno e finalmente as características e a conduta quer dos gestores quer dos colaboradores em geral.

Finalmente, na sua última recomendação Kaptein & Schwartz sugerem que medir a eficácia do código requer múltiplos métodos e fontes de dados.

Note-se que quase todas as recomendações para se conceber e implementar um “bom” plano de introdução de um código e para conceber, implícita ou explicitamente, um projeto de mudança cultural apelam ao processo de reflexão sobre e com o código.

Paralelamente ao “bom” plano, há que contemplar a dinâmica induzida pelo código, ou seja, a relação que cada um vai estabelecendo com ele, uma vez que as diferentes interpretações do código podem levar a que a sua adesão seja, efetivamente, ”consciente”. A “viajem” do código constitui-se, na prática, como um dos fatores mais importante para induzir uma forte cultura ética, assunto que se explora de seguida.