• Nenhum resultado encontrado

C ONSEQÜÊNCIA DA INADIMPLÊNCIA DA F AZENDA

No documento Precatórios: problemas e soluções (páginas 125-129)

PÚBLICA: CADUCIDADE DO DIREITO AO PAGAMENTO PARCELADO

O não-pagamento da primeira parcela fez caducar o direito de a Fazenda realizar o pagamento em dez parcelas, passando a dever todo

JORNADADEESTUDOS

o montante de uma só vez, com poder liberatório para o pagamento de tributos. Tal entendimento decorre do fato de que as parcelas devem ser “anuais, iguais e sucessivas”, fato pelo qual a Fazenda deveria es- tipular o número de pagamentos e, conseqüentemente, o valor (nomi- nal) das parcelas.

De fato, tratando-se de direito potestativo da Fazenda, esta deveria exercê-lo no prazo de pagamento da primeira parcela.

Os direitos potestativos, segundo Agnelo Amorim Filho,57 impõem

um estado de sujeição de uma parte da relação jurídica à outra, indepen- dentemente da vontade destas últimas, caracterizando-se, ainda, pelo fato de serem insuscetíveis de violação, e a eles não corresponder uma prestação. Exatamente o caso em questão, quando a Fazenda poderia, a seu exclusivo critério, parcelar e escolher o prazo, sem que a outra parte pudesse opor-lhe nenhuma objeção. No tocante à forma de exercício dos direitos potestativos, afirma Amorim Filho58 que estes “se exerci-

tam e atuam, em princípio, mediante simples declaração de vontade do seu titular, independentemente de apelo às vias judiciais, e, em qualquer hipótese, sem o concurso da vontade daquele que sofre a sujeição”.

Nesses termos, Agnelo Amorim Filho,59 discorrendo acerca da fixa-

ção de prazos (pelo antigo Código Civil) para o exercício dos direitos potestativos, afirma:

[...] há certos direitos cujo exercício afeta, em maior ou menor grau, a esfera jurídica de terceiros, criando para estes um estado de sujeição, sem qualquer contribuição da sua vontade, ou mes- mo contra a sua vontade. [...] É natural, pois, que a possibilidade de exercício dêsses direitos origine, para os terceiros que vão sofrer a sujeição, uma situação de intranqüilidade, cuja intensi- dade varia de caso para caso. Muitas vêzes aquêles reflexos se projetam muito além da esfera jurídica dos terceiros que sofrem a sujeição e chegam a atingir interesses da coletividade, ou de parte dela, criando uma situação de intranqüilidade no âmbito mais geral. Assim, a exemplo do que ocorreu com referência ao exercício das ações condenatórias, surgiu a necessidade de se

5 7 “Critério científico para distinguir a prescrição da decadência e para identificar as ações

imprescritíveis”. In: Revista dos Tribunais, nº 300, p. 12 et seq.

5 8 Revista dos Tribunais, nº 300, p. 14, destaque no original. 5 9 Revista dos Tribunais, nº 300, p. 21, destaque no original.

LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 115

CAPÍTULO 3

estabelecer também um prazo para o exercício de alguns (ape- nas alguns) dos mencionados direitos potestativos, isto é, aquêles direitos potestativos cuja falta de exercício concorre de forma mais acentuada para perturbar a paz social.

No caso em questão, embora a Emenda Constitucional não tenha fixado – de forma clara – o prazo para o exercício do direito, como fez por ocasião da promulgação da Constituição de 1988, esta fixação foi feita de forma velada.

Analisando o disposto no art. 33 do ADCT, verifica-se que a mora- tória e o parcelamento ali autorizados deveriam ser feitos “no prazo máximo de oito anos, a partir de julho de 1989, por decisão editada pelo Poder Executivo até cento e oitenta dias da promulgação da Cons- tituição”.

No tocante aos prazos estipulados nos arts. 33 e 78 do ADCT, a única diferença é a sua extensão, ou seja, oito e dez anos, respectiva- mente. Com relação ao art. 33, no entanto, verifica-se que a Constitui- ção, além do parcelamento, concedeu moratória às Fazendas, permi- tindo-lhes “pular” o pagamento que seria devido até 31 de dezembro de 1988, diferindo-o para julho de 1989. Como já se afirmou, moratória semelhante não foi concedida pela Emenda Constitucional n. 30/00, obrigando as Fazendas a realizar o pagamento dos precatórios até 31 de dezembro de 2000.

Finalmente, estipulou o art. 33 do ADCT que, para o exercício do direito potestativo (“poderá ser”) então concedido, deveria o Executi- vo editar decisão “até cento e oitenta dias da data da promulgação da Constituição”.

Em tais casos, ensina Agnelo Amorim Filho60

[...] que, quando a lei, visando à paz social, entende de fixar prazos para o exercício de alguns direitos potestativos (seja exer- cido por meio de simples declaração de vontade [...]; seja exer- cido por meio de ação [...]), o decurso do prazo sem o exercício do direito implica na (sic) extinção deste, pois, a não ser assim, não haveria razão para a fixação do prazo.

Voltando à questão da fixação do prazo para o exercício do direito, verifica-se que tal prazo foi fixado de forma tácita no art. 78 do ADCT, 6 0 Revista dos Tribunais, nº 300, p. 22, destaque no original.

JORNADADEESTUDOS

o que se pode verificar pela análise de seu teor e por regras de herme- nêutica, principalmente aquela que diz que regras de exceção se inter- pretam restritivamente.

Como se viu, a Fazenda tinha precatórios a honrar até o final do exercício de 2000. Com a possibilidade de parcelamento em até dez anos – e lembramos que o direito aqui concedido é potestativo, po- dendo seu titular exercê-lo ou não –, para que o prazo máximo fosse alcançado, a primeira parcela (correspondente a um décimo) deveria ter sido honrada já no exercício de 2000. Tal interpretação decorre do fato de as parcelas deverem ser anuais, iguais e sucessivas. Portan- to, não honrada a primeira parcela, não há como obedecer aos demais comandos, obrigatórios, da anualidade, igualdade e sucessividade.

Tal impossibilidade decorre do fato de o direito potestativo conce- dido ser uno, vale dizer, o parcelamento é facultado, mas uma vez exercida a faculdade, o pagamento em parcelas anuais, iguais e suces- sivas é obrigatório.

Assim, se a Fazenda tinha precatórios a serem pagos até 31 de de- zembro de 2000, e a Constituição lhe permitiu parcelá-los em até dez anos, para pagamento em parcelas iguais, anuais e sucessivas – sem qualquer moratória para o adimplemento da obrigação –, a contagem do prazo deve iniciar-se, obrigatoriamente, da vigência do dispositivo, sob pena de se estender, por mais de dez anos, o benefício concedido. Desta forma, pelo menos um décimo do valor devido pela Fazenda deveria ter sido pago até 31 de dezembro de 2000, sob pena de não poder mais aquela entidade exercer o direito ao parcelamento.

De fato, se o valor pode ser parcelado, mas as prestações têm de ser anuais, iguais e sucessivas, para que o direito potestativo seja validamente exercido, todos os anos deve haver pagamento de parce- la, até o adimplemento total da obrigação. Poder-se-ia alegar que a Fazenda teria o prazo de dez anos para quitar seu débito. Tal alegação, no entanto, afronta a Constituição, por descaracterizar a anualidade do pagamento das parcelas. Assim, se a Fazenda não exerceu seu direi- to potestativo de escolher o número de parcelas, já no primeiro ano de pagamento devido, este caducou pelo seu não-exercício.

Verifica-se, assim, que o não-pagamento da primeira das parcelas até o dia 31 de dezembro de 2000 fez caducar o direito das Fazendas ao parcelamento.

LIQUIDAÇÃO DO PRECATÓRIO: PAGAMENTO... 117

CAPÍTULO 3

De qualquer forma, admitamos, para argumentar, que esse entendi- mento esteja equivocado, isto é, que aceitamos ter a Fazenda, em qual- quer hipótese – mesmo que nada tenha pago –, direito ao parcelamento em dez anos. Ainda assim, o credor terá direito ao poder liberatório do valor da parcela não paga.

No documento Precatórios: problemas e soluções (páginas 125-129)