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N ATUREZA DE ALGUMAS NORMAS CONSTITUCIONAIS

No documento Precatórios: problemas e soluções (páginas 179-183)

Invoca-se, pela sua pertinência, a palavra sempre oportuna e sábia de Geraldo Ataliba. A certa altura de seu República e Constituição, lem- brando Alberto Xavier, afirma que

[...] desde 1946 ressurge no mundo ocidental vigoroso movi- mento de idéias no sentido de restaurar, em sua plenitude, os ingredientes essenciais do estado de direito, com a readoção e

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até aprimoramento dos instrumentos que o promovem e asse- guram [...]1

José Afonso da Silva, ao tratar das distinções existentes entre as nor- mas que integram os princípios fundamentais, afirma terem as mesmas

relevância jurídica diversa.2 Evoca os ensinamentos de Canotilho e de

Vital Moreira, para quem essas normas são normas-síntese ou normas-ma- triz, cuja relevância consiste exatamente na integração das normas de que são súmulas, ou que as desenvolvem, mas que têm eficácia plena e aplicabilidade imediata, como as que contêm os princípios da soberania popular e da separação de poderes (arts. 1º, parágrafo único, e 2º). Sobre a expressão “República Federativa do Brasil”, diz que é, em si, uma declaração normativa, sintetizando as formas de Estado e de governo, “sem relação predicativa ou de imputabilidade explícita, mas vale tanto quanto afirmar que ‘o Brasil é uma República federativa’”.3

Posição semelhante adota Canotilho, referindo-se ao sistema jurídi- co português:

[...] o sistema jurídico do Estado de direito democrático por- tuguês é um sistema normativo aberto de regras e princí- pios. Este ponto de partida carece de <<descodificação>>: (1) é um sistema jurídico porque é um sistema dinâmico de normas; (2) é um sistema aberto porque tem uma estrutura de dialógica (Caliess), traduzida na disponibilidade e <<capaci- dade de aprendizagem>> das normas constitucionais para captarem a mudança da realidade e estarem abertas às concepções cambiantes da verdade e da justiça; (3) é um sistema normativo porque a estruturação das expectativas referentes a valores, programas, funções e pessoas é feita através de normas; (4) é um sistema de regras e de princípios, pois as normas do siste- ma tanto podem revelar-se sob a forma de princípios como sob a sua forma de regras.4

1 ATALIBA, Geraldo. República e Constituição. São Paulo: Editora Revista dos Tribu-

nais, 1985, p. 150.

2 SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 23ª ed. São Paulo:

Malheiros Editores Ltda., 2004. p. 96.

3 SILVA, 2004, p. 96.

4 CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional e teoria da Constituição. 3ª

ed. (Reimpressão). Coimbra: Livraria Almedina, 1999, p. 1.085. (Os destaques se encontram no original).

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CAPÍTULO 1

Retomando-se o pensamento de José Afonso da Silva sobre a pro- posição antes destacada, diz o autor tratar-se de uma norma implícita, e norma-síntese e matriz de ampla normatividade constitucional. Da mesma forma, salienta que a afirmativa segundo a qual a

República Federativa do Brasil constitui-se em Estado Demo- crático de Direito” não é mera promessa de organizar tal tipo de Estado, “mas a proclamação de que a Constituição está fun- dando um novo tipo de Estado, e, para que não se atenha a isso apenas em sentido formal, indicam-se-lhe objetivos concretos, embora de sentido teleológico, que mais valem por explicitar conteúdos que tal tipo de Estado já contém [...]”.5

Segundo Canotilho, os princípios são normas de natureza ou dota- dos de papel fundamental no ordenamento jurídico graças à posição hierárquica que ocupam nos sistema das fontes ou à sua importância estruturante dentro do sistema jurídico. E dá como exemplo “[...] o

princípio do Estado de Direito”.6

Diante da alocução “Estado Democrático de Direito”, e segundo as lições transcritas, dúvidas não restam de que se está diante de uma realidade jurídico-normativa, constitucionalmente imposta à observân- cia e ao respeito tanto da sociedade quanto dos Poderes Públicos. Im- porta, porém, ainda, uma aproximação do seu sentido.

Encontra-se superada, por sua insuficiência, a idéia segundo a qual Estado de Direito é aquele que se subordina à lei. A ascensão de Hitler ocorreu com plena observância da Constituição de Weimar. Vale, en- tão, concordar com Ataliba, que, invocando Balladore Palliere, afirma que, para reputar-se um Estado como de Direito, “[...] é preciso que nele se reúna à característica da subordinação à lei, a da submissão à jurisdição [...]”.7 (Destaques no original).

Talvez seja esta a característica mais marcante e a mais importante para o desenvolvimento dessas reflexões: a submissão do Estado às decisões proferidas pelo Poder Judiciário.

Prosseguindo, Balladore Palliere afirma que só é possível reconhe- cer um Estado de Direito em que:

5 SILVA, loc. cit.

6 Cf. CANOTILHO, op. cit., p. 1.086.

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a) o estado se submeta à jurisdição; b) a jurisdição deva aplicar a lei preexistente; c) a jurisdição seja exercida por uma magistratu- ra imparcial (obviamente independente) cercada de todas as ga- rantias; d) o estado a ela se submeta como qualquer pars, chama- da a juízo em igualdade de condições com a outra pars [...].8

Conforme observa Geraldo Ataliba, diante das exigências descritas, poucos são os estados contemporâneos capazes de receber a qualifica- ção de Estado de Direito:

Tal concepção corresponde ao princípio rule of law – governo da lei e não dos homens – que inspirou o direito constitucional anglo-saxão, na longa e árdua luta pela supremacia do direito e superação do arbítrio.9

Algumas vezes a noção de Estado de Direito se iguala à de “estado constitucional”. Isso pretende significar que se reconhecem afirmados os padrões do constitucionalismo

[...] onde o ideário das Revoluções Francesa e Americana se tra- duziu em preceito constitucional, em torno da teoria da tripartição de poder, fórmula empírica – resultante da experiência histórica – que assegura a independência do Judiciário e idoneidade aos meios e modos de exercício da jurisdição, [...]

é ainda Ataliba10 quem o diz.

Aquelas Revoluções marcaram a luta contra o absolutismo e o arbí- trio do rei, na medida em que deram origem à consagração dos direitos fundamentais, que John Locke sintetizara no termo “propriedades”, para nele incluir “a vida, a liberdade e os bens”.11

Com uma terminologia distinta e algo diferente, a vigente Consti- tuição da República recebeu e ampliou a noção de direitos fundamen- tais, conservando, porém, a sua característica de oponibilidade ou de instrumento de defesa do cidadão contra o arbítrio dos Poderes Públi- cos. O art. 5º da Constituição passou a consagrar, além do princípio da 8 PALLIERE, apud ATALIBA, 1985, p. 94.

9 ATALIBA, 1985, p. 94. 1 0 ATALIBA, loc. cit.

1 1 LOCKE, John. Segundo tratado sobre o governo. Tradução de E. Jacy Monteiro. São

Paulo: Instituto Brasileiro de Difusão Cultural S.A. IBRASA, 1963 (Col. Clássicos da Democracia, v. 11), p. 67. Título original: The Second Treatise of Government.

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CAPÍTULO 1

igualdade aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País, o direi- to à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade. O direito de proprie- dade se projeta, em razão de imperativo constitucional – o inciso IV, segunda parte, do art. 1º – no plano da “livre iniciativa”, que, ao lado dos “valores sociais do trabalho”, representa um dos fundamentos da República Federativa do Brasil que se constitui em “Estado Democrá- tico de Direito”.

A livre iniciativa, ou liberdade de empreendimento, impregnada da noção de valor social, pode ser classificada como um dos componen-

tes da ideologia da democracia econômica e social,12 entendida como

“o conjunto dos princípios constitucionais, que funcionarão como di- retrizes básicas para a aferição do sentido da ideologia adotada e

parâmetro de valoração das medidas de política econômica”.13

No documento Precatórios: problemas e soluções (páginas 179-183)