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T IPICIDADE DA EXECUÇÃO POR QUANTIA CERTA CONTRA A F AZENDA P ÚBLICA

No documento Precatórios: problemas e soluções (páginas 57-63)

A execução por quantia certa está estruturada pelo Código de Pro- cesso Civil como instrumento para realizar a expropriação de bens do devedor com o objetivo de satisfazer o direito do credor (CPC, art. 646). Por seu intermédio, o órgão judicial sub-roga-se na posição do devedor, para efetivar a responsabilidade patrimonial que garante aos credores a satisfação da obrigação do devedor e, independentemente de seu assentimento, utiliza os bens expropriados como meio de solver a obrigação exeqüenda.

Como sub-rogado, o Poder Judiciário se apropria de bens do execu- tado necessários para satisfazer o crédito do exeqüente, mas não de quaisquer bens, e sim daqueles que são disponíveis ou alienáveis. Ina-

lienabilidade, portanto, é sinônimo de impenhorabilidade.1

1 “São absolutamente impenhoráveis: I – os bens inalienáveis...” (CPC, art. 649).

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Uma vez que a inalienabilidade e, conseqüentemente, a impenhora- bilidade são atributos do patrimônio público, a execução das dívidas passivas das pessoas jurídicas de direito público não pode submeter-se ao procedimento comum traçado pelo Código de Processo para reali- zação de quantia certa. Daí a previsão de uma execução especial, dis- ciplinada nos arts. 730 e 731 do Código de Processo Civil, cujo desen- volvimento se dá sem penhora e sem expropriação. Por isso mesmo, a doutrina a qualifica de execução imprópria ou indireta. A Fazenda Pública devedora não é citada para pagar sob ameaça de penhora. É chamada para embargar a execução e, depois de superadas as even- tuais objeções, ou na falta destas, o juiz, por meio do Presidente do Tribunal, requisita à Administração que inclua no orçamento a verba

correspondente ao título exeqüendo (CPC, art. 730, I),2 devendo, no

exercício seguinte, o valor do crédito ser posto à disposição do Judi-

ciário para o competente pagamento ao exeqüente.3

Nos Estados, o competente para processar o requisitório, em face das pessoas jurídicas de direito público locais, é o Presidente do Tribunal de Justiça, mesmo quando o julgado exeqüendo provenha de outro Tribunal ou de juiz de outro Estado. Não se trata de com-

petência jurisdicional, mas de competência administrativa.4 Quem

encaminha o precatório à Administração local deve ser alguém que tenha condições de controlar a ordem cronológica das requisições, dentro da recomendação constitucional. Não pode, por isso, um tribunal de um Estado enviar precatório para a entidade adminis- trativa de outro Estado.

2 “O juiz requisitará o pagamento por intermédio do presidente do tribunal compe-

tente” (CPC, art. 730, I); e o pagamento far-se-á “na ordem de apresentação do precatório e à conta do respectivo crédito” (CPC, art. 730, II).

3 Na verdade, a inclusão obrigatória no orçamento do exercício seguinte beneficia os

precatórios que forem apresentados até 1º de julho. Se tal não se der, a inclusão ocorrerá no segundo exercício subseqüente (CF, art. 100, § 1º).

4 “Os atos prolatados por Presidente do Tribunal em processos de precatório são

de natureza administrativa. Sendo correta decisão que não admite agravo regi- mental manejado contra tais atos” (STJ, 1ª T., REsp 11.524-RS, Rel. Min. Garcia Vieira, ac. 7.5.2002, DJU 3.6.2002). Por isso, “não cabe recurso extraordinário de decisão sobre precatório, por se tratar do exercício de função materialmente ad- ministrativa (STF, 2ª T., AI 162775/SP, Rel. Min. Celso de Mello, ac. 1.8.1995, RDA 201/192).

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CAPÍTULO 2

Acolhendo tal argumentação, num conflito de competência entre o Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (instância recursal do feito em que se deu a condenação) e o Tribunal de Justiça de Minas Gerais (sob cuja jurisdição se encontrava o Município condenado), o STJ de- cidiu pela competência do Tribunal mineiro, assentando que:

A expressão “Presidente do Tribunal que proferiu a decisão exe- qüenda”, constante no § 2º do art. 100 da Constituição, só pode ser entendida, em face do caput do citado artigo e dos princípios federativos, para significar “Presidente do Tribunal que deter- minar o pagamento da quantia requisitada via precatório e não o Presidente do Tribunal que conheceu do recurso à sentença condenatória”.5

No Estado em que houver além do Tribunal de Justiça um ou mais Tribunais de Alçada, também deve prevalecer a competência unificada do Tribunal de Justiça, pela mesma necessidade de controlar a ordem de cumprimento dos diversos precatórios expedidos contra a mesma pessoa de direito público local.6

1.1 O título executivo utilizável na execução prevista no art.

730 do Código de Processo Civil

A execução especial por meio de precatório é modalidade de execu- ção por quantia certa, como deixa bem claro o sistema do Código de Processo Civil (arts. 730 e 731). Como se passa com todas as execu- ções, sua admissibilidade depende da existência de um título executivo: “toda a execução tem por base título executivo”, que pode ser, segun- do o art. 583 do CPC, “judicial ou extrajudicial”.

5 STJ, 1ª Seção, CC 2.139-RS, Rel. Min. Antônio Pádua Ribeiro, ac. 11.10.1991, RSTJ

26/52.

6 “As requisições de pagamento, na Justiça Estadual, são feitas por intermédio do

Presidente do Tribunal de Justiça, ainda que a competência recursal na causa tenha sido do TA (Bol. AA SP 918/86)” (THEOTÔNIO NEGRÃO, Código de Processo Civil e legislação processual em vigor. 35ª ed. São Paulo: Saraiva, 2003, p. 764, nota 19 ao art. 730). Também no Rio Grande do Sul, segue-se a orientação de que, inexistindo vinculação entre a competência jurisdicional e a do registro do precatório, “todos os precatórios, inclusive aqueles expedidos em feitos cuja competência recursal seja do Tribunal de Alçada – hipótese em causa –, são registrados neste Tribunal de Justiça” (RSTJ, 26/54).

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A circunstância de a Constituição mencionar na regulamentação do precatório que este deve referir-se a pagamento “em virtude de sen- tença judiciária” (CF, art. 100, § 1º) suscitou divergências acerca do cabimento da exeqüibilidade dos títulos extrajudiciais contra a Fazen- da Pública. A jurisprudência do STJ, no entanto, superou a controvér- sia, proclamando reiteradamente que “é admissível a execução contra a Fazenda, seja o título judicial ou extrajudicial, em interpretação ex-

tensiva do art. 730 do CPC”.7

O argumento que predominou foi no sentido de que a “sentença judiciária” aludida no dispositivo constitucional era requisito para dis- ciplinar a expedição do precatório, não necessariamente para titulação originária do crédito exeqüendo. Assim, no procedimento do art. 730 do CPC, o juiz, quando se tratar de título extrajudicial, pronunciaria a sentença, após os embargos da Fazenda Pública, ou depois de trans- corrido in albis o prazo para sua oposição, ordenando a expedição do

competente requisitório.8 Dessa maneira, o requisito da sentença,

imposto pela Constituição, estaria satisfeito em momento anterior à expedição do precatório, o qual, em seu bojo, já o reproduziria. Ao processar-se, portanto, o precatório, já estaria presente a “sentença judiciária”, mesmo nos casos de execução inaugurada com fundamen- tação em título extrajudicial.

Tendo a Emenda n. 30 inovado na disciplina dos precatórios, pas- sando a cogitar, de forma expressa, de “sentença judicial transitada em julgado” (art. 100, § 1º, CF), vozes se ergueram novamente contra a execução de título extrajudicial na espécie, sob o argumento de que esse tipo de título jamais poderá, por si, gerar a coisa julgada.9

A jurisprudência do STJ, todavia, não foi abalada pela circunstância de o novo texto constitucional do § 1º do art. 100 falar em “sentença judicial transitada em julgado” em vez de “sentença judiciária”. Como destaca o Ministro José Augusto Delgado, continua “consolidada na

7 STJ, 2ª T., REsp 289.421-SP, Rel. Min. Eliana Calmon, ac. 5.3.2002; no mesmo sentido:

STJ, 3ª T., REsp. 42.774-6/SP, Rel. Min. Costa Leite, ac. 9.8.1994, RSTJ 63/435; STJ, 3ª T., REsp. 79.222/RS, Rel. Nilson Naves, ac. 25.11.1996, RSTJ 95/259.

8 TRF, 4ª Reg., Ag. 52.108-SP, Série Cadernos do CEJ, nº 23, p. 452.

9 FRANCO, 2002, p. 132; DIAS, Francisco Geraldo Apolônio. Execução da obriga-

ção de dar, fazer e não fazer em face da Fazenda Pública. In: Série Cadernos do CEJ, v. 23, p. 243.

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jurisprudência, embora não esteja na doutrina”, a inteligência de que “o precatório deve ser emitido tanto com base em título judicial como extrajudicial”. O que – adverte o ilustre Ministro – se deve ter é o cuidado de, na execução do título extrajudicial, seguir todo o formalismo legal, “sem se esquecer da aplicação do art. 730 do Código de Proces- so Civil”.10 Em outras palavras, não se pode deixar de proferir senten-

ça, quer ocorra ou não a oposição de embargos, os quais, no rito espe- cial do art. 730 citado tem mais a natureza de contestação do que a de embargos propriamente ditos.

Em julgado recente, o Supremo Tribunal demonstrou que não há incompatibilidade da execução do título extrajudicial com a sistemáti- ca da EC n. 30, desde que se faça a harmonização do art. 730 do CPC com a exigência do § 1º do art. 100 da CF, no que toca ao requisito da sentença transitada em julgado:

Dessa forma, o art. 730 do CPC há de ser interpretado assim: a) os embargos, ali mencionados, devem ser tidos como con- testação, com incidência da regra do art. 188, CPC;11

b) se tais embargos não forem opostos, deverá o juiz profe- rir sentença, que estará sujeita ao duplo grau de jurisdição (CPC, art. 475, I);12

1 0 DELGADO, José Augusto. Precatório judicial e evolução histórica. Advocacia admi-

nistrativa na execução contra a Fazenda Pública. Impenhorabilidade dos bens públi- cos. Continuidade do serviço público. In: Série Cadernos do CEJ, v. 23, p. 133.

1 1 Data venia, não vejo como sustentar o entendimento do STF, no acórdão citado, de

aplicar a contagem em quádruplo (CPC, art. 188) ao prazo de resposta (embargos) da Fazenda Pública, no procedimento do art. 730 do CPC, quando fundado em título executivo extrajudicial. Judicial ou extrajudicial o título, pouco importa, já que o procedimento legal é um só. A solução correta, sem dúvida, é a adotada pelo STJ, que, aliás, tem a última palavra na interpretação da lei federal ordinária: o prazo do art. 730 não se amplia a benefício da Fazenda executada pela óbvia razão de que foi estabelecido pela lei exclusiva e especificamente para a própria Fazenda Pública (Cf. STJ, 4ª T., REsp 139.866/AL, Rel. Min. Milton Luiz Pereira, ac. 15.2.2001, DJU, 28.5.2001, p. 173; STJ, 2ª T., REsp 200.482/PR, ac. 01.04.2003, DJU 28.4.2003, p. 181).

1 2 Em relação à remessa ex officio, o STJ tem interpretado o art. 475, II, do CPC como

critério que limita o duplo grau de jurisdição apenas aos embargos relacionados com a execução fiscal. Dessa maneira, a sentença de outros embargos somente poderia ser revista em segundo grau por meio de apelação. Não cabe, segundo o STJ, portanto,

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c) com o trânsito em julgado da sentença condenatória, o juiz requisitará o pagamento, por intermédio do Presidente do Tribunal, que providenciará o precatório.13

Em suma, fez o voto do Relator do aresto da Suprema Corte a se- guinte e oportuna advertência:

Esclareça-se que não há falar haja a EC 30/2000 suprimido a execução judicial de título extrajudicial contra a Fazenda Pública. O art. 730, CPC, está de pé, convindo esclarecer que a EC 30/2000 não inovou, no ponto. O que precisa ser compreendido é que, ainda sob o pálio da Constituição pretérita, exigia-se, relativamen- te à execução de título extrajudicial contra a Fazenda Pública, na forma do art. 730, CPC, sentença transitada em julgado.14

O que, na verdade, não pode faltar, in casu, é a sentença no proce- dimento do art. 730 do CPC, antes de ordenar-se a formação do precatório.

1.2 Execução definitiva e execução provisória

O que, por outro lado, produziu a inovação da EC 30/2000 foi a eliminação da possibilidade da execução provisória contra a Fazenda Pública fundada em precatório. Quando no § 1º do art. 100 se inseriu a necessidade de o precatório ser apoiado em “sentença transitada em julgado”, o que realmente intentou o constituinte foi abolir o entendi- mento até então acolhido pela jurisprudência de que a execução de sentença contra a Fazenda Pública poderia ser instaurada antes do trânsito em julgado, se o recurso pendente não tivesse efeito suspensi-

vo.15 Isso agora positivamente não é mais admitido pela Constituição.

remessa ex officio quando os embargos à execução contra a Fazenda Pública são rejeitados (STJ, Corte Especial, EREsp 251.841/SP, Rel. Min. Edson Vidigal, ac. 25.03.2004, DJU 3.5.2004, p. 85).

1 3 STF, 2ª T., RE 421.233-AgRg/PE, Rel. Min. Carlos Velloso, ac. 15.06.2004, DJU

6.8.2004.

1 4 Voto do Ministro Carlos Velloso no RE 421.123, cit.

1 5 Diante da restrição consagrada pela EC nº 30/2000, quando se tratar de obrigação

de quantia certa, “a execução provisória não é mais possível por nenhuma forma” (Francisco Geraldo Apolônio Dias, op. cit., p. 257). Antes da EC 30/2000, já a Medida Provisória nº 1.984-20, art. 4º, proibia execução contra a Fazenda Pública

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