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3.2 PENAS COMINADAS

3.2.1 Cabimento da suspensão condicional do processo

A suspensão condicional do processo é instituto previsto no art. 89 da Lei n. 9.099, de 26 de setembro de 1995. Como ensinam Reis e Gonçalves (2016, p. 124) é “espécie de transação processual em que o titular da ação abre mão de seu prosseguimento e da busca de uma condenação, enquanto o acusado, sem discutir sua responsabilidade pelo delito, submete- se, por certo tempo, ao cumprimento de determinadas condições”. Versa o dispositivo legal:

Art. 89. Nos crimes em que a pena mínima cominada for igual ou inferior a um ano, abrangidas ou não por esta Lei, o Ministério Público, ao oferecer a denúncia, poderá propor a suspensão do processo, por dois a quatro anos, desde que o acusado não esteja sendo processado ou não tenha sido condenado por outro crime, presentes os demais requisitos que autorizariam a suspensão condicional da pena (art. 77 do Código Penal). (BRASIL, 1995, grifo nosso)

Da leitura do artigo entende-se que a suspensão condicional do processo se aplica a todas as infrações penais, mesmo aquelas que não sejam de menor potencial ofensivo, mas cuja pena mínima em abstrato não seja superior a um ano. Assim, se aplica aos crimes previstos no Código Penal ou em legislações especiais. Dessa maneira, como sugerem Capez e Marcão (2016, p. 332; 2017, p. 190), é perfeitamente cabível ao crime de embriaguez ao volante, em razão de sua pena privativa de liberdade mínima cominada ser de seis meses de detenção.

Reis e Gonçalves (2016, p. 125-126) lembram que a existência de causas de au- mento obrigatórias que possam aumentar o limite mínimo da pena em abstrato deve ser levada em conta para fins de verificação do cabimento do sursis processual. Por outro lado, a existência de agravantes genéricas não impede a concessão do benefício. Ocorre que o crime do art. 306 da lei de trânsito não possui causas especiais de aumento, tornando aplicável a suspensão con- dicional do processo em qualquer hipótese.

Além disso, é preciso considerar as divergências nos tribunais superiores quanto ao que deve ser feito em caso de recusa do Parquet em oferecer o benefício. Uma corrente, par- tindo do pressuposto que a ação penal cabe com exclusividade ao Ministério Público, aprecia o instituto como solução de consenso e não como direito subjetivo do acusado, constituindo-se em um poder-dever do Ministério Público, cabendo-lhe exclusivamente a análise dos requisitos de aplicação da suspensão. Nesse viés já se manifestou o STJ:

Consoante entendimento desta Corte, a suspensão condicional do processo não é di- reito subjetivo do acusado, mas sim um poder-dever do Ministério Público, titular da ação penal, a quem cabe, com exclusividade, analisar a possibilidade de aplicação do referido instituto, desde que o faça de forma fundamentada. (BRASIL, 2015) De outro lado, há o entendimento de que a suspensão condicional do processo é direito subjetivo do réu, quando este preencher todos os requisitos objetivos e subjetivos da lei. O mesmo tribunal já produziu informativo jurisprudencial nesse sentido:

A suspensão condicional do processo representa um direito subjetivo do acusado na hipótese em que atendidos os requisitos previstos no art. 89 da Lei dos Juiza- dos Especiais Cíveis e Criminais. Por essa razão, os indispensáveis fundamentos da recusa da proposta pelo Ministério Público podem e devem ser submetidos ao juízo de legalidade por parte do Poder Judiciário. Além disso, diante de uma negativa de proposta infundada por parte do órgão ministerial, o Poder Judiciário estaria sendo compelido a prosseguir com uma persecução penal desnecessária, na medida em que a suspensão condicional do processo representa uma alternativa à persecução penal. Por efeito, tendo em vista o interesse público do instituto, a proposta de suspensão condicional do processo não pode ficar ao alvedrio do MP. (BRASIL, 2013b, p. 13, grifo nosso)

A discussão, como dito, gira em torno do que deve ser feito em caso da negativa do Ministério Público. Para a primeira, o processo deve ser remetido ao Procurador-Geral de Jus- tiça, aplicando-se por analogia o art. 28 do Código de Processo Penal, consoante a Súmula n. 696 do Supremo Tribunal Federal. Para a segunda, poderia o juiz analisar a legalidade e, dis- cordando do órgão acusador, oferecer de ofício a suspensão condicional do processo.

Nesse sentido, Fukassawa (2015, p. 52-53) é da opinião que o Ministério Público deverá propor a suspensão do processo quando presentes os requisitos legais, caso contrário o Juiz poderá deliberar ex officio, uma vez que os objetivos da suspensão condicional do processo “são a reparação, desburocratização, despenalização etc., que devem ser sempre alcançados segundo critérios de política criminal legislativa”. Mas destaca a existência de forte corrente diversa segundo a qual “ao juiz é vedada a possibilidade de proposta do sursis processual que,

se não formulada pelo promotor de justiça, é caso de se obter o pronunciamento do Procurador Geral de Justiça”.

A despeito dessas divergências, o que fica claro é que, em todo caso, o Ministério Público, quando preenchidos os requisitos subjetivos e objetivos da lei, deverá propor o sursis processual ― quer considerando ser um direito subjetivo, quer considerando um poder-dever do Parquet. O promotor de justiça responsável pelo caso não poderá, injustificadamente, deixar de oferecer. A ausência imotivada da proposta autoriza a declaração de nulidade da sentença, quando impugnado pela defesa no momento adequado. É a compreensão do Superior Tribunal de Justiça de que se trata de nulidade relativa:

Nos moldes do consignado no acórdão ora recorrido, a ausência de oferta da sus- pensão condicional do processo pelo querelante não foi impugnada durante o curso do processo-crime, não sendo razoável admitir que a sentença condenatória venha a ser anulada por tal fundamento, por se tratar de nulidade relativa, a qual deveria ter sido alegada pela defesa na primeira oportunidade em que se manifestou nos autos. Precedentes (BRASIL, 2018c, grifo nosso).

E são os requisitos, conforme a dicção legal: que o acusado não esteja sendo pro- cessado ou tenha sido condenado por outro crime e que a culpabilidade, os antecedentes, a conduta social e personalidade do agente, bem como os motivos e as circunstâncias autorizem a concessão do benefício.

Quanto ao delito capitulado no art. 306 da Lei n. 9.503/97, não havendo perigo de dano concreto, a valoração destes requisitos subjetivos, em tese, raramente é negativa: a culpa- bilidade não desborda à inerente ao próprio crime; não há motivação a ser analisada; as circuns- tâncias do crime, na ausência de perigo concreto, são da normalidade do trânsito, sendo possível sopesar a maior ou menor concentração alcoólica no sangue do condutor apenas quando reali- zados testes periciais de medição.

Assim, salvo eventual reincidência ou a existência de processo por outro crime, deverá o Ministério Público ofertar o sursis processual. E, se no curso da suspensão o acusado não der causa a revogação do benefício, nos termos do § 5º do art. 89 da Lei n. 9.099/95, o juiz ao final do prazo decretará a extinção da punibilidade (BRASIL, 1995). É hipótese em que não haverá nenhum efeito penal relativamente à conduta praticada, remanescendo somente as pe- nalidades administrativas impostas pela autoridade de trânsito. Conquanto não haja dados esta- tísticos disponíveis, é possível que grande parte dos processos tenha seu desfecho nestes termos, de modo que, em tese, o condutor ébrio não venha a experimentar nenhuma sensação da atuação estatal por meio da sanção penal.