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Capítulo III – Cafés Históricos do Porto: estabelecimentos

1. Cafés Históricos do Porto extintos

1.5. Café Imperial

O Café Imperial foi o último estabelecimento desta natureza a abrir portas no núcleo urbano de cafés da Avenida e suas imediações. Antes dele já tinham sido fundados o Avenida, o Sport, o Monumental, o Guarany e o Central (todos eles já atrás analisados, à exceção do Café Guarany, que teremos oportunidade de estudar mais à frente). Foram, portanto, estes os cafés que enriqueceram e animaram esta artéria urbana da cidade do Porto, ao longo do século XX. O Guarany é o único que ainda permanece ativo e o Imperial é um daqueles casos deveras controversos, uma vez que a estrutura formal do estabelecimento original ainda se mantém incólume, apesar de muito descaracterizada e adulterada, atendendo à remodelação e reconversão do espaço interior, que recentemente foi realizada, para albergar um restaurante da cadeia multinacional McDonald’s, motivo pelo qual o consideramos extinto, uma vez que, na atualidade, se afasta já das particularidades específicas que outrora o definiram como café – analisadas no primeiro capítulo desta dissertação –, sendo, atualmente, caracterizado pelas suas novas funcionalidades como restaurante.

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Fundado a 27 de maio de 1936 na Avenida dos Aliados – quarteirão dos Congregados (entre as ruas de Sampaio Bruno e dos Clérigos), no edifício que foi construído no lugar do antigo prédio do extinto Café Central, que foi demolido para a abertura da Avenida – [Fig. 120], com projeto dos arquitetos Ernesto Korrodi (1889- 1944) e seu filho Ernesto Camilo (1905-1985), a efeméride de abertura do Café

Imperial [Fig. 121-122] foi muito noticiada na imprensa da época. No Jornal de

Notícias foi possível ler que o Imperial “[…] pode e deve enfileirar ao lado dos melhores cafés do país e do estrangeiro”435.

435

Jornal de Notícias. Porto, 28 de maio de 1936. Citado por DIAS, Marina Tavares; MARQUES, Mário Morais – Porto Desaparecido, p. 169.

Figura 121: Café Imperial em 1982, antes da remodelação de adaptação às funções de restaurante, da cadeia multinacional McDonald’s.

Fonte: DIAS, Marina Tavares; MARQUES, Mário Morais –

Porto Desaparecido, p. 167.

Figura 122: Interior do Café

Imperial, antes das ações de

remodelação da década de noventa.

Fonte: DIAS, Marina Tavares; MARQUES, Mário Morais –

Porto Desaparecido, p. 166.

Figura 120: Localização Geográfica do Café Imperial. Imagem recolhida em 17 de julho de 2012. Fonte: http://www.monumentos.pt/Site/APP_PagesUser/Default.aspx.

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Na entrada do café encontra-se, ainda hoje, uma majestosa e deslumbrante águia em bronze, da autoria de Henrique Moreira, que tutelava uma porta giratória, ao gosto da Exposição Colonial Portuguesa436, que tinha ocorrido na cidade do Porto, dois anos antes437. No salão interior, que ainda se mantem, destacam-se de imediato, por cima do balcão central, os grandes e magníficos vitrais Arte Deco [Fig. 123-124], onde são percetíveis, do lado esquerdo, o retrato de um casal elegante a proceder ao seu ritual de consumo de café, e do lado direito, uma alusão ao cultivo, transporte, transformação e consumo do café438. Segundo Helder Pacheco, estes vitrais, da autoria de Ricardo Leone, são mesmo “dignos de Savoy ou do Waldorf Astoria (se calhar, até da catedral de Westminster, ou do Mosteiro da Batalha)”439. Mário Cláudio traça-nos uma descrição muito interessante sobre estes vitrais:

“[…] E, maravilhoso como nada que se lhe comparasse, assombrava-me o gigantesco painel de vidro martelado do Imperial, figurando um par ilustre, de tão esguio, agudo de ombros e de gestos, a paulatinamente saborear o seu café, inserido num quadro de delicioso tropicalismo, enquanto rebentavam os desgraçados dos indígenas, no carreto de sacos e sacos do precioso pó de beberragem, […]”440.

436

Exposição realizada no Palácio de Cristal e seus jardins, no Porto, entre os dias 16 de junho e 30 de Setembro de 1934. Tinha como objetivo fundamental, dar a conhecer o ambiente geográfico e cultural de todas as colónias portuguesas da época, procurando enaltecer Portugal como um grande império colonial.

437

Cf. LOFF, Manuel; FERREIRA, Silva – História do Porto – Insubmisso à Tirania: A Cidade Durante

a Ditadura, p. 69. 438

Cf. Vitrais pela cidade. In Arte em Toda a Parte. Consultado em 10 de julho de 2012. Disponível em http://arteemtodaaparte.wordpress.com/tag/antigo-cafe-imperial/.

439

PACHECO, Helder – Ver o Porto: 25 Anos de Escrita Sobre a Cidade. Porto: Edições Afrontamento, 2008, p. 36. Talvez esta comparação de Helder Pacheco seja um pouco precipitada, mas, não haja dúvidas de que estes vitrais são, realmente, majestosos.

440

CLÁUDIO, Mário – A Cidade no Bolso. Porto: Campo das Letras, 2000, p. 18. Figura 123: Pormenor do casal elegante, nos

vitrais de Ricardo Leone. Foto tirada em 17/07/2012.

Fonte: Imagem do autor.

Figura 124: Pormenor dos vitrais de Ricardo Leone, com a alusão ao cultivo, transporte, transformação e consumo do café. Foto tirada em 7/07/2012.

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Na entrada, encontravam-se dois balcões laterais: o da direita, para venda de jornais, e o da esquerda, para a comercialização de café a peso. As paredes [Fig. 125- 126] são guarnecidas com grandes espelhos e, por cima destes, encontra-se um friso com painéis de estuque, onde são representados motivos de dança, em baixo-relevo, da autoria de Henrique Moreira e que outrora detinham uma cor prateado, encontrando-se atualmente revestidos a dourado. No teto destacam-se os quatro grandiosos e majestosos candeeiros em cristal [Fig. 127], que atribuem um ambiente de grande requinte ao espaço. Ao fundo, do lado direito, existia um bar, com teto de cristal, “que viria a ser conhecido popularmente como sacristia e utilizado como lugar preferencial de tertúlia”441. Pouco mais de um ano após a abertura do café, é inaugurado, no piso inferior, “[…] o seu moderno e vasto salão de bilhares, que fica a ser o maior do país. […]”442. Este salão encontra-se hoje adaptado, pela McDonald’s, a restaurante.

Em inícios da década de noventa, este café foi, inclusivamente, palco de vários espetáculos de música ao vivo, que ocorriam, fundamentalmente, ao fim-de-semana e atraíam imenso público443. Foram frequentadores assíduos deste café, entre muitas outras personalidades ilustres da segunda metade do século XX, o célebre professor de português, linguística e literatura, Óscar Lopes, acompanhado do seu pai, o folclorista Armando Leça, e da violoncelista Irene Freitas. O polifacetado João Gaspar Simões, também foi um assíduo frequentador do Imperial444.

441

DIAS, Marina Tavares; MARQUES, Mário Morais – Porto Desaparecido, p. 169.

442

AZEVEDO, Ercílio de – Memória dos Anos 30: Outubro de 1937. Porto, O Tripeiro, série nova, n.º10, ano VI, 1987, p. 319.

443

Cf. COSTA, Maria Teresa Castro – Os Cafés do Porto, p. 11.

444

DIAS, Marina Tavares; MARQUES, Mário Morais – Porto Desaparecido, p. 169. Figura 125: Parede lateral

esquerda no interior do estabelecimento. Foto tirada em 17/07/2012.

Fonte: Imagem do autor.

Figura 126: Pormenor de um dos painéis de estuque, com baixos-relevos dourados. Foto tirada em 17/07/2012. Fonte: Imagem do autor.

Figura 127: Pormenor de um dos candeeiros do estabelecimento. Foto tirada em 17/07/2012.

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É curioso saber que, em pleno período de contestação antiditadura, era no interior do Café Imperial que os manifestantes se protegiam da polícia, que era barrada pela porta giratória do café. Esta fachada ainda se conserva, mas a porta giratória não sobreviveu [Fig. 128]. O mesmo acontece no interior do estabelecimento que, apesar de ainda se encontrar com a estrutura formal original, foi, todavia, muito alterado, com as intervenções de remodelação e adaptação às funções de restaurante, ocorridas entre 1990 e 1995, abrindo ao público no dia 9 de novembro deste último ano e permanecendo assim até hoje [Fig. 129]. Da traça original sobreviveram, somente, os elementos decorativos (a Águia Imperial, os frisos com os painéis de baixos-relevos e os magníficos vitrais Arte Deco).

Poder-se-á dizer que foi preferível este fim para o Imperial, atendendo ao destino mais gravoso de todos os seus congéneres, que foram totalmente substituídos por agências bancárias. Todavia, talvez fosse desnecessária toda a descaracterização formal que o Imperial sofreu, para se adaptar às suas atuais funções.

1.5.1. Identificação do Café Imperial com os três critérios de definição e valorização de um Café Histórico

Pelo que foi atrás exposto, podemos depreender que o Café Imperial responde, integralmente, aos três critérios de definição e valor propostos, podendo assim, no âmbito desta dissertação e do que pretendemos aqui defender, ser considerado um café

histórico.

Figura 128: Estado atual da fachada do antigo Café Imperial. Foto tirada em 17/07/2012.

Fonte: Imagem do autor.

Figura 129: Estado atual do interior do antigo Café Imperial. Foto tirada em 17/07/2012.

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Especificando esta ilação, podemos asseverar que, no que concerne ao critério de

valor para a história, este café identifica-se com o mesmo, na medida em que, foi

frequentado por diversas personalidades ilustres da sociedade portuense do século XX, com especial relevo para Óscar Lopes, Armando Leça, Irene Freitas, João Gaspar Simões, entre muitos outros. É também interessante o facto de ter sido no interior deste café que, em tempos de ditadura, os manifestantes democratas se salvaguardavam das investidas policiais.

O valor artístico é facilmente identificável neste café, uma vez que, como podemos comprovar nas imagens recolhidas, a sua fachada e interiores, apesar de muito descaracterizados e adulterados quanto à sua estrutura formal original, apresentam um requinte decorativo de grande luxuosidade. Este facto é comprovado pelos deslumbrantes vitrais Arte Deco de Ricardo Leone, localizados por cima do balcão do estabelecimento, pelos painéis com baixos-relevos dourados que formalizam o friso por cima dos espelhos das paredes, da autoria de Henrique Moreira e pela pomposa Águia

Imperial, localizada na fachada do café, da autoria deste mesmo prestigiado escultor

português, que muitos trabalhos de ornamentação escultórica realizou na Avenida dos Aliados.

Relativamente ao valor de memória, o Imperial responde a este critério pelo facto de ser um dos dois únicos exemplares de cafés da Avenida dos Aliados que, entre os anos trinta do século XX e até, sensivelmente, os meados da centúria, animaram social e culturalmente, esta artéria urbana da cidade. Só o Imperial – que apesar de já não possuir a função de café, ainda conserva a sua estrutura formal original – e o

Guarany é que sobreviveram.