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Os primeiros botequins em Portugal e sua proliferação

Capítulo I – Cafés Históricos: critérios de definição e valorização

2. Contextualização histórica do Café como estabelecimento

2.3. Os primeiros botequins em Portugal e sua proliferação

Os primeiros botequins chegam a Portugal em pleno século XVIII. No entanto, antes de 1755 o hábito português de frequentar estes estabelecimentos ainda não se encontrava muito enraizado, verificando-se uma afluência mais generalizada entre os negociantes estrangeiros, que desenvolviam os seus negócios na cidade de Lisboa. A capital portuguesa será, portanto, o berço da tradição dos cafés em Portugal, que se irá, ulteriormente, expandir pela cidade do Porto e depois, por todo o país. Na cidade de Lisboa notabilizaram-se, neste período de finais da primeira metade da centúria de setecentos, e como verdadeiros pioneiros do café como estabelecimento de comércio em Portugal, o Botequim do Rosa na Rua Nova dos Mercadores e o Botequim de Madame

Spencer, ambos fundados por volta de 1740105.

Mas será com o violento terramoto de 1755 e a ulterior reorganização urbana da cidade iluminista lisboeta, levada a cabo pelo Marquês de Pombal, que os botequins passarão a ter um valor relevante na Baixa Pombalina. Para esta realidade, muito contribuiu o facto daquele político e diplomata português ter ordenado que “todos os botequins ostentassem tabuleta publicitária”106, num gesto de divulgação destes estabelecimentos. Este espírito de iniciativa, preconizado pelo Marquês de Pombal, deveu-se ao facto do diplomata ter sido um frequentador habitual e assíduo das “tertúlias de botequim […], contando-se mesmo que se tornou grande amigo do mais célebre botequineiro da capital: o Casaca”107. Este botequineiro lisboeta simboliza uma nova era na história da cidade: a era dos cafés – que proliferou por todo o país.

Por esta altura notabilizou-se o primeiro café lisboeta, verdadeiramente luxuoso, que “contou com a presença do Marquês no dia da inauguração: o Café de Marcos

Filipe no Largo do Pelourinho”108. Este estabelecimento evidenciou-se pelas suas neves

104 Ibidem. 105 Cf. Ibidem, p. 18. 106 Ibidem, p. 19. 107 Ibidem. 108 Ibidem.

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(espécie de granizado) que, segundo nos conta Maria Oliveira, eram recolhidas nas montanhas e cuidadosamente transportadas para a capital, onde eram vendidas como refrescos, após a junção de aditivos, constituindo principal venda dos botequins naquela época, a par com a infusão de café.

O Café Martinho da Arcada [Fig. 9-10], anterior a 1782, materializa na sua estrutura interna – transformada em 1989 para a atividade de restaurante que conserva na atualidade – “o essencial daquilo que seria o traçado dos estabelecimentos de café dessa época […], permitindo um vislumbre daquilo que, um dia, foram todos os seus congéneres da Baixa”109. Tinha como frequentadores habituais literatos e jacobinos, atraídos pelo jogo que lá se praticava – Fernando Pessoa era seu frequentador habitual.

Rumores existem de que, mais tarde, já em pleno século XIX, pelo Martinho da

Arcada passou o poeta Bocage que, todavia, fez do Café Nicola o seu habitat diário

onde, segundo reza a tradição, “declamou muitas vezes sonetos improvisados, motejando sobre personagens e hábitos locais”110. O Nicola ficou conhecido pela designação de academia, facto que se deveu à presença assídua de políticos e literatos que o frequentavam. 109 Ibidem. 110 Ibidem, p. 22.

Figura 9: Exterior do Café Martinho da

Arcada, Lisboa. Imagem recolhida em 18

de Maio de 2012. Fonte:

http://www.joaoleitao.com/fotografias- lisboa/baixa/cafe-martinho-arcada/

Figura 10: Interior do Café Martinho da

Arcada, de acordo com as atuais funções

de restaurante. Imagem recolhida em 18 de Maio de 2012.

Fonte:

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No século XIX, os botequins começam, então, progressivamente, a ser denominados de cafés. Durante esta centúria destacam-se, na cidade de Lisboa, o Café

Marrare do Polimento [Fig. 11] e o Café Martinho [Fig. 12].

O primeiro, inaugurado em 1820, ficou célebre pelo facto de ser assiduamente frequentado por Almeida Garrett. Era decorado com mobiliário de luxo e os seus clientes patenteados com as mais requintadas baixelas. Em 1866 acaba por encerrar os seus serviços.

O segundo ficou conhecido por ser um marco da vida literária da cidade de Lisboa, estando “ligado à Revolução da Maria da Fonte e sempre associado à revolta política”111. Este café tinha como particularidade – num período em que os cafés se destinavam exclusivamente à presença de clientes masculinos – o facto de possuir uma “pequena sala nos fundos, destinada unicamente às senhoras, onde estas podiam desfrutar das tão apreciadas neves, após a sua deambulação pelo Passeio Público”112. A celebridade deste café foi, inclusivamente, congratulada, por ter registado a presença habitual de Alexandre Herculano, Bulhão Pato e, mais tarde, Rafael Bordalo Pinheiro.

Todavia, acaba por perder clientela e encerrar as suas portas no mês de maio de 1968.

111

OLIVEIRA, Maria Alexandre Bacharel – Tipificação dos espaços privados, p. 9.

112

Ibidem.

Figura 11: Café Marrare do

Polimento, Lisboa. Imagem

recolhida em 18 de Maio de 2012.

Fonte: DIAS, Marina Tavares – Os Cafés de Lisboa. 2ª Edição. Lisboa: Quimera Editores, 1999, p. 39.

Figura 12: Fachada do Café

Martinho, Lisboa. Imagem recolhida em 18 de Maio de 2012. Fonte:

http://restosdecoleccao.blogspot.p t/2011/09/cafe-martinho.html

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Já em pleno século XX, destaca-se a abertura do Café A Brasileira, em 1905, por intermédio de Adriano Telles. Este, em sociedade com Cândido Alves, Félix de Mello e Alves de Sousa, já tinha aberto, dois anos antes, em 1903, a primeira casa A Brasileira no Porto, na Rua de Sá da Bandeira. O Café A Brasileira de Lisboa [Fig. 13-14] começou por “vender somente café moído tendo, depois da remodelação de 1908 já com mobiliário de café de estilo renascentista […], adquirido a designação de café113. A sua fachada e interior são redesenhados em 1925 por Norte Júnior, que inseriu “pinturas modernistas de Almada Negreiros, Jorge Barradas, Stuart, Bernardo Marques e José Pacheko”114. Por questões relacionadas com anos de exposição ao fumo, pó e humidade, que levaram à deterioração destas telas, as mesmas foram, em 1970, substituídas pelas pinturas de “Manuel Baptista, Fernando de Azevedo, Nikias Skapinakis, Vespeira e António Palolo, João Hogan, Carlos Calvet, Joaquim Rodrigo, Eduardo Nery e João Vieira”115. Desconhece-se o que sucedeu às anteriores.

Mas o Café A Brasileira não se ficou só pelo Porto e por Lisboa. Em 1907 é também fundada, por Adolpho Azevedo, A Brasileira de Braga que – apesar de se saber que os cafés eram privilegiadamente locais de frequência masculina – tinha a particularidade de apresentar no logótipo associado à casa, uma figura feminina.

113 Ibidem, p. 10. 114 Ibidem. 115 Ibidem.

Figura 13: Exterior do Café A

Brasileira, Lisboa. Imagem recolhida em 18 de Maio de 2012. Fonte:

http://dezinteressante.com/?attach ment_id=1516

Figura 14: Interior do Café A Brasileira, Lisboa. Imagem recolhida em 18 de Maio de 2012.

Fonte:

http://www.trekearth.com/gallery/Europe/Por tugal/South/Lisboa/Lisbon/photo890450.htm

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Digno de relevância é, ainda, a reabertura, em 1929, do Café Nicola [Fig. 15-16] – encerrado desde 1834 –, por intermédio de Joaquim Albuquerque, que o manteve na sua família por três gerações. Refere Maria Oliveira que “a fachada, da autoria de Norte Júnior, data do ano de reabertura e os interiores, de Raul Tojal, de 1935”116. Afirma ainda, a mesma autora, que “a marca de café associada ao Nicola […] espelha a imagem do poeta Bocage, outrora frequentador de um estabelecimento homónimo sito no mesmo local”117.

O Café A Brasileira e o Café Nicola manifestam-se, em Lisboa, como os mais relevantes exemplares, em representação do verdadeiro eixo cosmopolita da cidade e de tudo o que resta do Chiado literário e artístico de épocas remotas. Certo é que esta realidade se espelha na cidade do Porto, à imagem dos cafés: Majestic, Brasileira e

Guarany, principais representantes destes valores na cidade tripeira.

3. Critérios de definição e valorização do Café Histórico como bem