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Capítulo I – Cafés Históricos: critérios de definição e valorização

3. Critérios de definição e valorização do Café Histórico como

3.2. Valor Artístico

Uma das principais questões que se podem colocar quando nos vemos confrontados com um determinado bem (uma determinada obra), consiste em decidirmos se o mesmo poderá ou não ser considerado uma obra de arte. Esta decisão poderá derivar, apenas, do juízo crítico que se faz. No entanto, é importante percebermos em que consiste, propriamente, esse juízo e até que ponto ele será ou não legítimo144.

Ao longo da história, o juízo de valor sobre as obras de arte foi formulado de formas distintas. Obras que no passado eram consideradas como primas criações humanas, são atualmente desvalorizadas, enquanto revalorizamos outras já esquecidas ou desacreditadas145. O juízo de valor e o seu entendimento, conforme o enquadramento histórico em que a obra se insere, percebendo os critérios pelos quais ela foi definida em cada época histórica torna-se, assim, fundamental, para percebermos o valor artístico de um determinado bem. Afirma Giulio Carlo Argan que:

“Sem o juízo, a arte seria uma amálgama confusa de fenómenos díspares, onde as obras que caracterizaram uma época ou uma cultura, alterando-lhes por vezes o curso, se misturariam em paridade de valor com milhentas obras insignificantes, e nem sequer poderia manter-se a diferenciação, bem clara em cada civilização, entre a arte e ofício”146.

Percebe-se então que o juízo é necessário, mas não poderá limitar-se à simples atribuição declaratória de que uma determinada obra é considerada arte, possuindo

144

Cf. ARGAN, Giulio Carlo – Guia de História da Arte. Lisboa: Editorial Estampa, 1992, p. 18.

145

Cf. Ibidem.

146

62

assim valor artístico, nem ser o único critério da investigação histórica, em que, sabendo que aquela determinada obra é considerada uma obra de arte, deverá ser localizada no espaço e no tempo, relacionada com outras obras do mesmo género, explicada mediante as condições em que foi produzida e as consequências que originou.

É necessário perceber que, no passado, os principais parâmetros que estiveram na origem do juízo de valor de uma determinada obra de arte, se relacionavam, fundamentalmente, com critérios de beleza, imitação mimética da natureza, obediência a cânones icónicos ou formais, significação religiosa, entre outros aspetos, valores estes que, nos dias de hoje, se encontram ultrapassados, face ao desenvolvimento da ciência e à perceção contemporânea de que a história é a ciência que estuda as ações humanas, ou seja, “o parâmetro do juízo é a história”147.

Seguindo na linha de pensamento deste mesmo autor verificamos que, na atualidade, “uma obra é vista como obra de arte quando tem importância na história da arte e contribuiu para a formação e desenvolvimento de uma cultura artística”148. Ou seja, o juízo, ao reconhecer a qualidade artística de um objeto/imóvel/estabelecimento, reconhece-lhe, inclusivamente, a sua historicidade. O juízo crítico consiste, fundamentalmente, no aspeto do sentir a obra de arte, intuindo-lhe o seu valor. No entanto, assevera Giulio Carlo Argan que, “pondo de lado o facto de essa intuição implicar uma experiência histórica da arte, ela mais não é do que uma hipótese de trabalho, que espera da investigação histórica a necessária averiguação”149.

Uma outra teoria muito pertinente quanto ao valor artístico de um determinado

bem pertence a Alois Riegl quando, no início do século XX, no âmbito de uma

definição de monumento histórico, defende que o objeto artístico:

“Ou é simplesmente constituído em objeto de saber e integrado numa conceção linear do tempo e, nesse caso, o seu valor cognitivo relega-o, sem apelo, nem agravo para o passado, melhor dizendo, para a história em geral, ou para a história da arte em particular; ou então, pode também, enquanto obra de arte, dirigir-se à nossa sensibilidade artística, ao nosso desejo de arte

147 Ibidem, pp. 18-19. 148 Ibidem, p. 19. 149 Ibidem.

63 (Kunstwollen). Neste caso, torna-se parte constitutiva do presente vivido, mas sem a mediação da memória ou da história”150. (Itálico nosso).

A pertinência desta teoria de Riegl reside na proposta de duas formas de perceção de valor de um determinado objeto artístico: por um lado o facto de possuir qualidades estéticas relevantes no campo da História da Arte, como por exemplo, objetos que possuem características típicas de uma determinada vanguarda artística; por outro lado, com a sua teoria da Kunstwollen, Riegl conseguiu formular a ideia de que um determinado objeto pode possuir valor artístico, simplesmente pelo facto de ser detentor de qualidades estéticas que apaixonam o observador pela emoção e sensibilidade, independentemente de possuir ou não valor para a História da Arte.

Estabelecendo uma relação de analogia desta teoria com a temática dos cafés

históricos, poderíamos concluir que, para estes serem considerados como tais terão, no

âmbito do valor artístico, de responder convenientemente a dois preceitos: o facto de o estabelecimento possuir características estéticas e plásticas que o identifiquem e relacionem com alguns dos mais relevantes e importantes movimentos artísticos dos séculos XIX e XX; ou então, possuir o mesmo ou semelhante valor por, simplesmente, deleitar o seu observador e frequentador habitual, com qualidades estéticas, pelas quais se encontra estruturalmente construído – sejam elas de cariz arquitetónico, escultórico, pictórico ou decorativo –, que o façam sentir-se emocionalmente atraído, num sentimento que, segundo Riegl, se manifesta pelo simples e puro desejo de arte (Kunstwollen).