• Nenhum resultado encontrado

O “calcanhar de Aquiles” da metodologia do Jesus Histórico

No documento Download/Open (páginas 103-107)

2 DITOS HISTORIOGRÁFICOS DE JESUS DE NAZARÉ

2.2 O “calcanhar de Aquiles” da metodologia do Jesus Histórico

Defender a importância de qualquer método científico não significa tê-lo, em última análise, como modelo perfeito para as investigações. É importante estarmos conscientes de que toda e qualquer metodologia possui suas limitações. Da mesma forma que “as teorias científicas não podem ser provadas, mas apenas corroboradas”229, o método, seja ele qual for, não é capaz de conduzir as pesquisas em direção à palavra final sobre um determinado

228 NOGUEIRA apud CHEVITARESE; CORNELLI, 2006, p. 72.

229 MAIA, N. F. Verdades da ciência e outras verdades: a visão de um cientista. São Paulo: Editora UNESP,

assunto investigado. Os métodos, por possuírem limitações, sempre fornecerão respostas limitadas.

Para que uma metodologia continue a progredir é importante que ela seja analisada, criticada, testada e refutada por outros olhares científicos, a fim de que adquira uma postura permanente de aperfeiçoamento, o que a levará a conquistar melhores resultados no futuro. Como disse R. Popper, um filósofo da ciência no século XX: “Científico é o que é passível de ser descartado, refutado, desacreditado, na base de razões científicas”230.

Neste ponto trazemos à discussão algumas considerações de Nogueira que, analisando a metodologia do Jesus Histórico através de um olhar metodológico textual, fez interessantes apontamentos. Ele considera o método historiográfico como demitologizante, reducionista e não dispõe de instrumentos hermenêuticos que tratem do papel religioso de Jesus de Nazaré além de não conseguir analisar a influência do Messias sobre seus seguidores.

Ele segue suas críticas argumentando -baseado em uma obra intitulada Jesus do conhecido exegeta de Heidelber, Klaus Berguer- que a historiografia não observa o critério da continuidade narrativa. Os argumentos berguerianos trazidos à pauta são:

1º - As fontes são reduzidas a fragmentos de fontes prioritárias em detrimento de outras igualmente antigas. Por exemplo, prioriza-se o livro de Marcos e rejeita-se o livro de João que também remonta ao primeiro século.

2º - Divisões artificiais como: pré-pascal e pós-pascal, são inseridas e usadas como referenciais.

3º - Dimensões da realidade são consideradas como únicas possíveis, significando que tudo que não pode ser comprovado factualmente recebe o carimbo pejorativo de lenda.

4º - Os argumentos de que fontes mais recentes são conhecedoras das fontes mais antigas e acrescentam aspectos lendários (“falsificações lendárias”) às narrativas mais antigas.

Nogueira também defende que a construção historiográfica diminui o impacto sobre os leitores, posto que, segundo estes procedimentos, “o encontro com o texto não pode ser uma nova experiência da realidade, não pode ser um encontro; ele é sempre reduzido à nossa perspectiva moderna de compreensão do mundo”231.

Dada a diversidade de material produzido e posturas metodológicas divergentes, no intuito de explicar quem foi Jesus de Nazaré, meados do século XX foram marcados por um grande ceticismo sobre a possibilidade de se descobrir um Jesus segundo a proposta historiográfica. A realidade era que a busca por um Jesus Histórico, conforme modelo da

230 NOGUEIRA apud CHEVITARESE; CORNELLI, op. cit., p. 117. 231 NOGUEIRA apud CHEVITARESE; CORNELLI, 2006, p.76.

historiografia, tinha alcançado vários resultados negativos, posto que o interesse dos pesquisadores em querer atualizar a pessoa de Jesus tinha deslocado bastante sua imagem do seu cenário original.

Escrevendo sobre o ceticismo de grande parte da pesquisa bíblica a respeito da tentativa de se reconstruir um Jesus nos moldes historiográficos, Nogueira diz:

A pesquisa sobre o Jesus Histórico é um campo da Antiguidade cuja legitimidade é muito questionada. Esse questionamento tem origem em grupos muito diferentes e por motivos muito diversos. No lado teológico, o primeiro argumento levantado para justificar as restrições à pesquisa sobre Jesus de Nazaré como objeto da historiografia é que sabemos muito pouco sobre ele e que, portanto, importa mais conhecer o que se testemunha sobre ele do que o que é possível reconstruir232. Continuando o seu raciocínio, ele também diz que este ceticismo, na verdade preconceito, pode ser vislumbrado nos círculos de historiadores:

Mas existe também o ceticismo sobre o trabalho acadêmico de reconstrução histórica de Jesus de Nazaré que parte de círculos de historiadores. Em especial no contexto universitário brasileiro, onde se respira ar anticlerical, falar de Jesus em instituições públicas seria uma forma de desrespeitar a consagrada divisão de Igreja e Estado, e de cruzar a perigosa fronteira da fé com a ciência [...]. Desconsidera-se, aqui, a enorme importância que os textos e personalidades históricas fundantes do Cristianismo nas origens tiveram na história da cultura e do pensamento do Ocidente233.

Contra a pesquisa historiográfica sobre Jesus pesam dois principais argumentos: a suspeita de que toda a tradição de Jesus nos evangelhos esteja permeada de interpretações e acréscimos impossibilitando a reconstrução das palavras originais e o ceticismo acerca das narrativas miraculosas. Porém, suspeita não é sinônimo de constatação.

Em relação aos milagres, existem historiadores que estão trilhando um caminho no mínimo interessante. Eles têm desenvolvido alternativas que se encaixem na proposta metodológica historiográfica para explicar as narrativas miraculosas presentes nos evangelhos - por mais que elas sejam apenas tentativas.

Conquanto seja limitada, e ainda continue sendo reducionista, em certa medida, esta nova postura de tentar explicar os milagres através de um viés científico se apresenta com mais coerência e evita a postura radical e anticientífica dos críticos que defendem, sem constatação científica, que os escritores dos evangelhos são farsantes e que tudo não passa de uma criação da religião. Desejando contrapor esta posição de caráter preconceituoso,

232 Ibid., p. 69.

examinaremos algumas conclusões de natureza racionalista sobre as realizações milagrosas de Jesus - algumas delas são tão criativas que chegam a beirar o ridículo.

O teólogo iluminista C. F. Bahrdt (1741-1792) defendeu a ideia de que os milagres eram uma espécie de “truque de mágica” em que nos bastidores existia uma sociedade de essência secreta que montava o palco para a realização dos seus feitos e auxiliava Jesus durante o “espetáculo”234.

O argumento racionalista evolui com o teólogo de Heidelberg, H. E. G. Paulus (1761– 1851). Ele argumentou que existiam causas intermediárias, não secretas, ou seja, todos os que estavam presentes junto com Jesus entendiam como as coisas se passavam, porém, elas não estão mencionadas nos relatos dos evangelhos235.

Um novo caminho foi proposto por David Friedrich Strauss (1808 -1874). Segundo ele as histórias dos milagres deveriam ser interpretadas de uma maneira poética. Ela tinha a função de mostrar a superioridade de Jesus sobre outras figuras veterotestamentárias que realizaram feitos miraculosos no passado. De acordo com Strauss, esta imagem, criada em torno da figura de Jesus, apresentando-o como ser poderoso, gerava efeitos psicossomáticos que produziam curas miraculosas. Neste caso os indivíduos eram responsáveis pela sua própria cura236.

Para Bultmann, as histórias dos milagres seriam uma transferência do contexto helenístico para o judaísmo. M. Dibelius, em 1919, classificou grande parte das histórias sobre os milagres como romances, justificando que os escritores assumiram o estilo literário da época marcada por um desejo de contar histórias. L. Bieler defendeu, em 1935, o argumento de que na Antiguidade era comum existirem nas culturas os taumaturgos que eram tomados como “homens divinos”. Segundo o mesmo, quem desempenhou, no cristianismo, este papel foi Jesus de Nazaré237.

Na década de 70, G. Vermes, pesquisador judeu, inseriu a figura de Jesus entre os taumaturgos do século primeiro. De acordo com ele os taumaturgos da época, como, por exemplo, Honi (fazedor de chuva), eram duramente criticados pelo judaísmo institucionalizado. Esta também é a posição assumida por Theissen que defende que, assim como o Reino de Deus está no centro da pregação de Jesus, as curas e exorcismos constituem o centro de sua atividade238.

234 THEISSEN; MERZ, 2002, p. 310. 235 Ibid., p. 310. 236 THEISSEN; MERZ, 2002, p. 311 237 Ibid., p. 312. 238 Ibid., p. 305.

Na mesma década de 70, M. Smith, outro estudioso judeu, catalogou Jesus como mago. Sua teoria é que ele aprendeu magia no Egito. Sua proposta – que lembra o mesmo ódio nutrido pelos líderes religiosos por Jesus no primeiro século – é que Jesus foi possuído pelo demônio Belzebu e o espírito de João Batista, através de rituais, para realizar feitos de magia239.

Crossan apresenta uma postura bastante coerente, uma vez que deixa transparecer sua consciência acerca da limitação científica atual para estudar certos fenômenos, ao entender Jesus como “um grande curandeiro”. Ele diz: “Acredito ser claro e evidente o fato de que Jesus era um grande curandeiro e, mesmo que nós não consigamos explicar essa capacidade a veracidade dela parece seguramente afirmada”240.

Entendemos que a historiografia não é a única forma de análise dos evangelhos, assim como estamos conscientes de suas limitações metodológicas e cortes na análise do texto bíblico. Porém, também compreendemos que é uma alternativa científica cabível para examinarmos textos da natureza dos evangelhos.

A historiografia, como ciência que se propõe a estudar a vida de Jesus, busca oferecer respostas embasadas em pressupostos altamente racionalistas, o que, naturalmente, causará conflitos com textos carregados de feitos extraordinários. Outra proposta, de natureza mitológico-historiográfica, nos é apresentada por Mircea Eliade, através da disciplina História das Religiões, que também se constitui em um olhar científico cabível para investigação das religiões e seus personagens sagrados.

No documento Download/Open (páginas 103-107)