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O Livro Astronômico (72-82) e sua relação com o Jesus Histórico

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3 RELAÇÃO DO JESUS HISTÓRICO COM O LIVRO DE I ENOQUE

3.3 O Livro Astronômico (72-82) e sua relação com o Jesus Histórico

Diferente do que ocorre com o Livro das Parábolas, onde existem divergências acadêmicas sobre a antiguidade do escrito, os estudiosos concordam que os fragmentos deste livro, juntamente com o Livro dos Vigilantes, encontrados em Qumran são os exemplares mais antigos que temos da literatura enoqueana.

O Livro Astronômico narra a ação de um anjo chamado Uriel revelando a Enoque todas as leis que governam o movimento dos corpos celestes. É bastante interessante ver a associação que o escritor faz entre astronomia e religião, o que é bastante diferente da nossa visão científica moderna que separa conhecimentos de ordem científica dos saberes da esfera religiosa. Contudo estamos pisando em um terreno em que tal separação não existia.

Este livro de I Enoque, ou seção, apresenta informações matemáticas corretas acerca de um calendário baseado no Sol. Sabe-se que o período do Segundo Templo foi um

momento em que ocorreram muitas disputas sobre questões ligadas ao calendário. Naquele período o calendário solar (utilizado primeiramente pelos egípcios) ganha mais força e é adotado por comunidades judaicas, o que pode ser percebido naturalmente no Livro Astronômico.

Os cálculos usados para estabelecer esse calendário se mostram um tanto complexos e provavelmente era um segredo. Segundo a tradição samaritana, por exemplo, o calendário era supervisionado pelo sumo sacerdote, tido como o guardião de todos os segredos315. Também é interessante notar que em todo o Antigo Testamento nada se fala de calendário solar.

O calendário é apresentado como tendo meses de 30 dias sendo que no fim de cada trimestre deveria ser acrescido mais um dia cujo somatório anual de dias era 364, bastante aproximado do calendário atual que possuímos, porém, ninguém sabe dizer exatamente a origem desse sistema de cálculos.

Diferente do Livro dos Vigilantes e Livro das Parábolas, analisados anteriormente, fazer uma associação entre os evangelhos e o Livro Astronômico não é algo tão nítido. Não encontramos expressões tão claras nos evangelhos que nos lembrem determinada passagem na literatura astronômica.

Entendemos que a ausência de uma expressão mais clara nos evangelhos que remeta a este escrito dá-se por alguns motivos:

1. Este é um escrito cujo objetivo principal é apresentar o movimento dos astros levando os leitores a entender o calendário solar.

2. O calendário solar não era aceito por todos os judeus (Jesus se orientava pelo calendário lunar).

3. O conhecimento deste calendário, além da sua complexidade, era do interesse das elites judaicas, não servindo aos propósitos populares de Jesus.

4. O livro não possui uma mensagem associada diretamente à figura messiânica.

Apesar da ausência de evidências mais diretas, pelas razões supracitadas, encontramos indicativos que nos levam a uma associação com os evangelhos, ainda que em um maior nível de subjetividade. A estrutura do texto de I En 80, além dos elementos presentes nos mesmos, lembra-nos aquilo que Jesus apresentou como o princípio das dores. No texto de I En 80:2 está escrito: “Nos dias dos pecadores os anos serão encurtados... tudo sobre a terra irá mudar e não aparecerão no tempo certo”.

315 BARKER, M. The Lost Prophet: The Book of Enoch and Its Influence on Christianity. Nashville: Abingdon

A quarta análise que realizamos através da Análise dos Ditos de Jesus (ADJ) confirma que a expressão “não tivessem aqueles dias sido abreviados”, presente no texto de Mt 24:21- 22, pode se enquadrar na categoria de ditos que possuem grande probabilidade de estarem ligados à pessoa de Jesus.

Apesar dos ditos serem bastante parecidos possuem diferenças significativas, que passaremos a enumera:

1. Em I Enoque a narrativa fala de abreviação de anos, enquanto no Livro de Mateus se fala de abreviação de dias.

2. No livro de I Enoque a expressão aparece inserida em um contexto de dificuldade relacionada à vida dos ímpios, no Livro de Mateus relacionada à vida de todos (justos e ímpios).

3. A narrativa de I Enoque fala de abreviação de anos na perspectiva de que os anos serão encurtados no sentido de que aquilo que era tempo suficiente para a terra produzir os seus frutos tornar-se-ia pouco tempo, ou seja, a terra precisaria de mais tempo para frutificar. No texto de Mateus a expressão se relaciona a uma preocupação divina em encurtar os dias por causa dos eleitos.

Mesmo tendo suas divergências, não podemos dizer que não existem ligações entre eles. Analisando o aspecto estrutural das narrativas do capítulo 80 de I Enoque e a estrutura de Mt 24:3-29, observa-se que existem bastantes semelhanças, o que não descarta a possibilidade do texto de I En 80 ter sido uma narrativa que tenha ajudado a construir o pensamento de Jesus no que tange à sua escatologia. Observemos algumas semelhanças estruturais entre as narrativas:

1. Ambos os relatos falam de um tempo futuro. No caso do Livro de I Enoque o anjo Uriel lhe revela os acontecimentos, em relação aos evangelhos Jesus revela aos discípulos.

2. As duas narrativas descrevem dias difíceis. Em I Enoque este dia é chamado “dia dos pecadores”, nos evangelhos aparece como “princípio das dores”.

3. Os dois textos falam dos elementos cósmicos como: Sol, Lua, estrelas (todos eles inseridos em um cenário de irregularidade).

4. Os dois relatos afirmam mudanças ocorrendo no planeta Terra. 5. Ambos os relatos falam de mudanças ocorrendo no cosmos.

6. As duas narrativas falam de um fim. A diferença é que em Enoque acontecerá uma punição sobre todos os ímpios e em Mateus 24 os anjos reunirão os escolhidos.

Como comentamos no início desta seção, diferente do que ocorre entre o Livro dos Vigilantes e o Livro das Parábolas, não existem associações tão diretas entre os prováveis

ditos de Jesus presentes nos evangelhos e o Livro Astronômico; contudo, existem lampejos que abrem portas para a possibilidade deste livro também ter sido fonte de instrução para Jesus.

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