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O Livro dos Sonhos (83-90) e sua relação com o Jesus Histórico

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3 RELAÇÃO DO JESUS HISTÓRICO COM O LIVRO DE I ENOQUE

3.4 O Livro dos Sonhos (83-90) e sua relação com o Jesus Histórico

Este livro apresenta dois sonhos que Enoque conta a seu filho Metusalém. O primeiro é referente à destruição da terra e o segundo descreve a história de Israel. Os eventos são descritos detalhadamente e os estudiosos tendem a relacionar este escrito com a revolta dos Macabeus ocorrida em 167 a.C.316;

Semelhantemente ao que ocorre no Livro Astronômico, ele é anterior à era cristã, foram encontrados evidências do Livro dos Sonhos em Qumran e não existem associações tão claras entre ditos de Jesus e ele, ou seja, não podemos afirmar com uma boa margem de segurança que o Livro dos Sonhos exerceu influência na construção ideológica de Jesus; porém, podemos encontrar certa ligação entre eles, principalmente, porque o Livro dos Sonhos retrata o fim de um Templo, que é entendido como sendo uma referência àquele que foi o Segundo Templo.

No capítulo 2, também analisamos um dito que retrata Jesus falando da destruição do templo (Mt 24:2). Por mais que alguns estudiosos neguem que estas tenham sido palavras de Jesus e se refiram a elas como acréscimos das comunidades cristãs após a destruição do Segundo Templo, entendemos que, mesmo os mais desconfiados em relação a eventos de natureza metafísica podem admitir, racionalmente, que estas palavras podem ter sido literalmente palavras de Jesus. Na sequência apresentaremos alguns argumentos que nos ajudam a perceber que o discurso de destruição do Templo não estava distante de Jesus: 1º. O discurso de destruição do Templo é anterior à época de Jesus.

2º. Existem vários textos no Antigo Testamento que falam de destruição do Templo.

3º. Sempre que práticas contrárias à Lei estavam ocorrendo dentro do templo era normal se levantarem profetas falando da destruição do Templo.

4º. Jesus estava insatisfeito com as práticas que ocorriam no templo (citamos como exemplo o episódio em que ele expulsou os cambistas).

5º. Jesus ensinava os seus seguidores a esperarem um novo reino, discurso que, naturalmente, tinha a ver com o fim de um mundo corrompido.

316 BARKER, 1988, p. 27.

6º. A maioria dos ensinos de Jesus é de natureza apocalíptica.

É interessante percebermos como a vida de Jesus está associada à expectativa de uma nova era, do estabelecimento do reino de Deus na terra. O discurso de Jesus é bastante parecido com o dos essênios, a diferença é que para os essênios era necessário esperar o novo reino, ou nova ordem, isolado do contexto social e em Jesus a espera deveria ocorrer em meio ao curso natural da existência:

Porquanto, assim como nos dias anteriores ao dilúvio comiam e bebiam, casavam-se e davam-se em casamento, até ao dia em que Noé entrou na arca, e não o perceberam, senão quando veio o dilúvio e os levou a todos assim também será a vinda do Filho do Homem. (Mt 24:38,39).

O texto enoquita que nos lembra Mateus 24 é I En 90:28,29. Ele está inserido no contexto do segundo sonho de Enoque:

Levantei-me para ver, até que ele enrolou a antiga casa. Eles removeram todas as colunas, vigas e ornamentos da casa foram enrolados com ela [...] e eu vi até que o Senhor das ovelhas trouxe uma nova casa mais larga e mais alta do que a primeira e ele a ergueu no lugar da primeira [...] Todas as colunas, vigas e ornamentos eram novos e maiores do que os primeiros [...] E todas as ovelhas estavam dentro dela.

Apesar de não aparecerem as palavras “Templo” e “destruição”, o texto fala de “casa” (como referência ao templo) e “enrolar” (como referência “deixar de existir”). Também se fala de remoção e substituição de “colunas”, “vigas” e “ornamentos.” Porém o principal é que o texto apresenta esta “casa” com sendo uma criação do “Senhor das ovelhas”.

Apesar de não podermos estabelecer uma ligação precisa entre ditos atribuídos a Jesus e partes do texto de I En 90, elas reforçam o nosso argumento de que as palavras que são apresentadas como sendo ditos de Jesus em Mt 24 têm toda probabilidade de serem dele, posto que a ideia da destruição do Segundo Templo já estava presente em textos judaicos, bem como a expectativa de um novo Templo. Todos estes eram anseios relacionados à esfera de crenças daqueles que acreditavam na apocalíptica judaica.

O que mais nos leva a refletir na possibilidade de o Livro dos Sonhos ser o cenário por trás dessas prováveis palavras de Jesus, é a falsa acusação que os seus inimigos levantaram sobre sua pessoa. Marcos diz que vários falsos testemunhos foram dados contra Jesus e alguns se apresentaram dizendo que Jesus destruiria o Segundo Templo e construiria outro não por mãos humanas:

E os principais sacerdotes e todo o Sinédrio procuravam algum testemunho contra Jesus para condená-lo à morte e não achavam. Pois muitos testemunhavam falsamente contra Jesus, mas os depoimentos não eram coerentes. E, levantando-se alguns, testificavam falsamente, dizendo: Nós o ouvimos declarar: Eu destruirei este santuário edificado por mãos humanas e, em três dias, construirei outro, não por mãos humanas.

No evangelho de João 2:19, 20 Jesus é retratado falando que era capaz de reconstruir o templo em três dias: “Jesus lhes respondeu: Destruí este santuário, e em três dias o reconstruirei. Replicaram os judeus: Em quarenta e seis anos foi edificado este santuário, e tu em três dias o levantarás”.

O texto é importante, pois apresenta os judeus ouvindo Jesus falar que era capaz de erguer o santuário em três dias. Independente do sentido destas palavras, o fato é que o texto apresenta Jesus falando que era capaz de reconstruir o santuário, o que foi interpretado pelos ouvintes como sendo uma descrição de um feito sobrenatural relacionado ao Templo Judaico. Porém, mesmo que as falsas testemunhas tenham construído a sua acusação baseadas nestas palavras, a acusação era falsa por dois principais motivos:

1º. Jesus não falou que ele destruiria o templo.

2º. Jesus não disse que o templo não seria erguido por mãos humanas.

O fato é que a formulação da acusação se reporta, ou ampara-se, em uma narrativa da época do Segundo Templo, conhecida nos ciclos judaicos, que falava que Deus iria erguer um novo Templo. Que narrativa era essa? Entendemos que era I En 90:28,29. É interessante notar que o foco principal da acusação não estava relacionado à destruição do Templo, mas à construção. Os judeus conheciam a narrativa de um templo sendo erguido por Deus. A acusação foi recebida como grave porque eles disseram que Jesus não precisava de homens para construir um novo templo, em outras palavras, eles estavam acusando Jesus de se apresentar como o próprio Deus.

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