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1 INTRODUÇÃO

1.4 CAMINHO METODOLÓGICO

Nos dois anos de pesquisa foi possível acompanhar a crise na universidade a partir de histórias de casos de fraude que circulavam como histórias entre os estudantes da universidade. As informações obtidas sobre o processo institucional foram restritas por serem também sigilosas pela justiça. Por isso, me foquei em refletir sobre como a suspeita e a história de fraude eram contadas e caracterizadas entre os estudantes de graduação.

Na condição de pesquisador de mestrado, pude ter acesso aos dados oficiais da Ouvidoria Geral da Universidade sobre as denúncias, referentes aos anos de 2018 e 2019, sem informações que identificassem denunciantes ou denunciados. Esse foi um dos materiais que analisei.

Meu primeiro contato com o campo foi na entrada do grupo de WhatsApp construído para o debate de fraude e denúncias entre estudantes organizados na UFJF. Posteriormente pude entender como ele foi criado. Mas foi através dele que pude conhecer, me informar, e estabelecer contato para a pesquisa. Este grupo reunia alunos organizados em coletivos negros, ou não, membros do DCE da UFJF e indivíduos independentes. Foi a primeira rede, e das mais importantes, que tive contato sobre o objeto de estudo. Foi a partir desta inserção que pude estar presente em algumas reuniões entre os estudantes mobilizados, e com a DIAAF.

Em relação à comissão de sindicância de 2018, eu pude realizar entrevistas em 2019 com dois membros de maior responsabilidade na Diretoria de Ações Afirmativas (DIAAF) da UFJF, que participaram desta. Acompanhei as reuniões e discussões entre estudantes organizados de coletivos negros com o DCE no ano de 2018. Pude conversar e ouvir suas reflexões sobre o fenômeno e os casos de fraude que eram conhecidos.

Em paralelo, sobre à comissão de heteroidentificação foi possível entrevistar um membro da comissão que atuava na matrícula, e um membro que participou da comissão de recurso. Ambos foram muito importantes para entender como as comissões funcionaram, e suas orientações. Assim como quem eram aqueles que se candidatavam às cotas PPI.

Outro momento importante da pesquisa foram conversas informais com mães e alunas na matrícula de Medicina em 2019 no 2° semestre. Como todas as matriculas eram presenciais, fui acompanhar esse momento. Escolhi esse curso pelo alto número de denúncias de fraude. Pude localizar mulheres negras, e confirmei que algumas eram mães de candidatos para cotas PPI. Desenvolvi algumas reflexões a partir da conversa com elas, e também com seus filhos e filhas, com quem conversei informalmente posteriormente. Pude entender melhor a perspectiva de alunos diante das comissões de heteroidentificação da UFJF.

Realizei 18 entrevistas semiestruturadas com estudantes de graduação, que tiveram participação no grupo de WhatsApp da UFJF ou se disponibilizaram a conversar sobre o tema. Foram através destas que pude conhecer mais casos de histórias de fraude que circularam entre os estudantes.

Também entrevistei um denunciante que esteve mais atuante em 2018 e outro denunciante, que expos um caso em rede social em 2019. Ambos foram entrevistados em período após o fenômeno, no final de 2019.

De forma inesperada, outro evento relevante para a pesquisa foi o acompanhamento da reação de usuários em rede social de uma exposição de fraude. No segundo semestre de 2019 foi possível mapear e catalogar os quase 600 comentários, feitos por 169 usuários. Atualmente o perfil do denunciante, com a postagem original, foi excluído. Contudo, como já citado, foi possível entrevistar esse denunciante posteriormente. Este caso é importante pela localização da denunciada.

Ela se formou em Medicina e possui fenótipo “branco” (loira, cabelos lisos, pele branca, traços de ascendência europeia), ou seja, visualmente a acusada não possui traços de ascendência negra. Não existes muitas dúvidas sobre o seu fenótipo, restando aos usuários das redes sociais se posicionarem segundo as informações que possuíam: uma foto da acusada e a lista de aprovados (de 2013) na cota A com seu nome. Em reação à exposição, em poucos minutos em que a exposição foi de conhecimento da suspeita, seu perfil foi excluído no Facebook e Instagram.

Com este caso busquei entender como a audiência invisível (Danah boyd, 2007 apud FREITAS, 2017) das redes sociais reagia ao caso particularmente. Mesmo que as pessoas tentem localizar a fraude pelas redes sociais, alguns denunciados se antecipam, como discute a autora Lívia Vaz:

Ora, como o cidadão comum terá acesso à imagem de todos os candidatos cotistas, de modo que possa, a partir desse dado elementar, denunciar eventuais falsidades? Podem ser utilizadas as redes sociais à procura de fotografias, instrumento que, com a sofisticação das estratégias colocadas em prática por fraudadores contumazes, pode não surtir efeito. É que muitos fraudadores têm retirado suas fotos das redes sociais para evitar denúncias. (VAZ, 2018, p. 48)

Essa pesquisa teve curto período de observação do fenômeno, e mesmo que eu quisesse continuar pesquisando, entrevistando, recolhendo dados primários, o período do mestrado e a necessidade de escrita da dissertação limitaram a possibilidade de ampliação do trabalho. Durante esses dois anos de intensa dedicação com o fenômeno de fraude no estudo de caso,

também acompanhei notícias e relatos em outras universidades, como também realizei conversas informais com estudantes de outras IFES.

Através desse trabalho desejo apresentar ao leitor o máximo de informações e dados coletados. E mesmo assim, ressalto, esta é uma pesquisa exploratória e inicial para um fenômeno que não parece se encerrar com as comissões de heteroidentificação nas matrículas. Esse trabalho procurou observar os conflitos que a denúncia de fraude revela no contexto universitário e algumas reflexões sobre um cenário maior, mesmo que inicialmente.

Em 2019 realizei entrevistas com vários atores importantes para compreender a “denúncia de fraude” como categoria em disputa. Destaco a importância da entrevista como recurso metodológico na relação de assimetria racial (SCHUCMAN, COSTA e CARDOSO, 2012) entre pesquisador e os principais entrevistados: estudantes ou profissionais negros, membros de coletivos ou grupos específicos de debate sobre raça, com atividade na UFJF. Como decidi não acompanhar as atividades específicas dos coletivos na universidade como parte do trabalho de campo, escolhi entrevistar membros de alguns grupos organizados estabelecendo uma formalidade no diálogo. Permitindo assim, uma possível abertura para o debate com um pesquisador, identificado por eles como branco, sobre um tema de conflito racial. Posteriormente apresento em detalhes o perfil dos entrevistados.

A assimetria racial provoca efeitos na relação entre, no meu caso, o pesquisador branco e estudantes negros mobilizados, em sua maioria. Existiram pessoas que não aprovavam ou reconheciam a validade da pesquisa feita por um branco sobre o tema racial. Algumas pessoas se recusaram a participar e eu entendo e respeito suas decisões. Em paralelo, obtive amplo apoio e valorização das pessoas entrevistadas, e que participaram da pesquisa, sendo possível compreender os limites pessoais de entendimento das suas falas sobre o racismo.

O posicionamento mais importante para mim, e acredito, para futuros pesquisadores brancos sobre raça, é reconhecer a própria raça no trabalho de campo, na academia e nos espaços em disputa. São neles que são mais evidentes seus privilégios como pertencentes a esse grupo racial. Colocar explicitamente tal identificação em primeiro plano, como um indivíduo e pesquisador racializado. Assim como explicitar sua identidade racial como parte da pesquisa e da metodologia. Ao contrário do pardo, ou do negro de pele mais clara, o branco tem percepções sobre o racismo, e vivenciados, completamente diferente de não-brancos, e isso precisa estar presente nas relações, na pesquisa e no texto.

Uma informação complementar se refere a identidade de todos os participantes da pesquisa: estudantes, denunciantes, docentes e gestores da UFJF. Troquei o nome de todos os entrevistados, mantendo somente o gênero. Também omiti o nome de grupos organizados de

estudantes, exceto DCE, que participaram da pesquisa para que seus membros não sejam identificados. Em paralelo, também omiti os nomes de casos que foram expostos e divulgados pela mídia.

Dados os limites desse trabalho, nem todo o material reunido será utilizado como fonte de reflexões para o fenômeno. Destaco como se estrutura essa dissertação: No primeiro capítulo se desenvolve uma apresentação teórico-metodológica da pesquisa. No segundo se apresenta as discussões da DIAAF sobre o fenômeno e a experiência da comissão de sindicância de 2018, criada para avaliar as denúncias de fraude. Também nesse capítulo serão apresentadas análise dos dados de denúncias de 2019, para entender como se caracteriza a suspeita de fraude. Assim como, apresento questões e reflexões do movimento de estudantes e coletivos negros da UFJF. No último capítulo, apresento o material recolhido através de entrevistas e do trabalho de campo, sobre as diversas histórias de casos de suspeita/acusação/denúncia fraude nas cotas PPI. A partir desses “casos”, foi possível compreender como a “fraude nas cotas PPI” circulam no ambiente universitário. Por fim, teço algumas considerações finais sobre o trabalho e a pesquisa realizada.