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4 QUANDO A FRAUDE TEM UMA HISTÓRIA

4.4 CASOS 3 e 4: “VOCÊS NÃO VÃO ACREDITAR QUEM FRAUDOU

4.4.1 A exposição (e não denúncia) da fraude

alguém.

Ele deixa claro que só conversou uma vez, e nunca mais conversou com ela. Demonstra assim, mesmo que não fosse amigo próximo dela, ele não teve mais proximidade. Não é possível compreender até que nível a história circulou e prejudicou suas relações interpessoais. Aparentemente ela estava estudando na universidade há alguns anos.

Mas também é importante perceber que ela tentou tirar esse rótulo se autodeclarando branca caso perguntem. Ele aparentemente reconhece essa “nova identidade racial”, que pra Rodrigo “nunca tinha sido negra, pois ela cometeu um erro na matrícula”. De forma diferente do caso 2, em que se usa da decisão institucional para manter as relações pessoais. Neste, como não houve, aparentemente o resultado da denúncia, não se pode apoiar nessa decisão. De alguma forma ela buscou manter as relações afetadas pela informação da fraude, se identificando como branca, e não-negra. Ao mesmo tempo, a fraude se torna erro pontual.

Rodrigo não sabe muitos detalhes ou reflexões sobre o caso em si. Ele me expõe e explica sua perspectiva sobre o fenômeno, como estrutural e institucional. Não como culpa da suspeita. Ele destaca para mim que o elemento de maior crise a ser observado é como a exposição foi feita.

A partir deste caso se pode entender como a não denúncia da fraude protege aquele que usa indevidamente a cota para negros. Esse caso aparentemente não foi denunciado, mas era conhecido para um grupo de pessoas. Rodrigo e Carlos ressaltam que é um caso mais antigo, e mesmo assim “tolerado” de alguma forma. O que torna esse caso relevante, assim como o 4, é que mesmo identificado, a não denuncia transformou a fraude como um elemento de ataque pessoal.

Isso pode ser observado na forma como o conhecimento da fraude somente chegou aos ouvidos de Carlos como forma de humilhá-lo. Para Rodrigo, aparentemente essa informação foi usada para expor a acusada, e não a fraude. São formas muito particulares de se contar a mesma história, e considerando a cor e o histórico de militância dos dois, existem algumas abordagens necessárias.

4.4.1 A exposição (e não denúncia) da fraude

Neste caso, segundo Rodrigo, a denúncia não foi feita como normalmente observo em outras entrevistas, ou outros dados da pesquisa. Segundo sua história, e análise, a fraude somente se espalhou na intenção de expor o caso. Mas a principal motivação seria após a

acusada ter algum conflito com alguns alunos. Estes já sabiam da fraude, e usaram isso como ataque pessoal ou ao grupo164 que ela pertence. Ele explica da seguinte forma:

Eu soube de conflito entre ela e outras pessoas. Ficou parecendo um certo rechaço, de pessoas que já sabiam, e só denunciaram depois de um conflito pessoal ou político com aquela pessoa. Um rechaço de pessoas que já sabiam da situação dela. Não foi um caso de identificar o caso, e denunciar, mas expor o caso somente. (Rodrigo)

Apresento como Carlos descreve de modo semelhante:

Eu até conversei com Rodrigo sobre isso, diretamente. Eu faço uma leitura diferente, meio semelhante. No caso dela eu não sei desde quando as pessoas sabem. Um assunto que algumas pessoas sabem, não é geral. No caso desse menino ele já está a muito tempo na faculdade, no segundo ciclo do IAD.

Alguém que olha a lista que viu o nome dele não fez nada? Ele é amigo de muita gente do movimento de estudantes lá. Essa informação deve ter

chegado em alguém que não gosta dele, ou do grupo que ele participa e fazia sentido expor. É uma soma de coisas, a pessoa pode ter ficado chateado com a fraude, mas pode ter intenções particulares ou políticas de seu grupo. Tipo no DCE, uma pessoa fala algo preconceituoso e só fala sobre isso em época de eleição. Eu concordo muito com o Rodrigo na análise institucional das cotas. Como a questão de fraude nas cotas na faculdade é complicada.

Porque não é só, no sentido de: “acontece, as pessoas denunciam ou ocultam”. Tem várias questões como amizade e políticas... me pergunto em qual momento as pessoas vão se indignar com a fraude. Em alguns contextos a fraude pode ser usada como forma de atacar uma pessoa ou um grupo. Isso é muito complicado. Não é sempre é alguém querendo se vingar politicamente. Quando estava ocorrendo aquelas discussões dos coletivos

tinham pessoas que acabaram de chegar na universidade que sinceramente estavam indignadas com a fraude. (grifos meus)

Carlos expõe suas análises do uso particular ou político de expor ou não um caso de fraude nas cotas, especialmente as raciais como no caso 4. No caso 3, aparentemente sendo conhecido há alguns anos, “esperaram” seis meses para o “avisar” sobre o caso. É necessário refletir que o movimento de reação diante do conhecimento de um caso de fraude, quando o suspeito é considerado branco, é mais complexo do que se supõe. O quê chama atenção é o silenciamento anterior à exposição destes casos. Mesmo que sejam por pequenas redes de pessoas que sabiam do caso, também se caracterizam por supostamente serem casos antigos: anteriores à 2018. A percepção daqueles que identificam casos de fraude muito antigos165, é de

164 Ele não me explica quais grupos organizados, políticos ou não, estavam envolvidos. Mas como ela fazia parte, supostamente, de um grupo, ele também supõe que fosse um ataque para desmoralizar o grupo todo. A não denúncia mantém a fraude em uma rede pequena de conhecidos. Aparentemente, são eles que precisam ser ofendidos.

165 Nos dados disponibilizados pela ouvidoria geral para a pesquisa, existem casos de denúncias em que o(a) suspeito(a) já estuda a alguns anos na universidade, ou quase se formando. Vão existir casos em que a fraude somente é identificada muito tarde. Mas é possível supor casos em que é de conhecimento de algumas pessoas por anos. Ver tabela 13.

que o espaço universitário é conivente com os fraudadores: “(...)se a expectativa era na entrada de 10 estudantes negros, porque existem somente 7?”. Mesmo que negros entrassem por outros grupos de cotas, naquelas com critérios raciais, é esperado que sejam estes os ingressantes.

Deve-se refletir sobre o conceito de identidade branca beneficiado pelo silêncio da fraude. O branco, na percepção geral dentro das relações, não existe como parte da identidade (racial) das pessoas. O indivíduo negro sempre é visto e localizado pela sua raça. A omissão do poder e privilégio branco dentro das relações produz a percepção que a fraude, como ação em benefício próprio, e não também da branquitude. Quando se pensa sobre pequenas redes de pessoas que sabem de um caso, é onde as relações sociais e raciais, protegem o suspeito de fraude. Mas, como relatado, mesmo que em determinado período tenham silenciado sobre o fato, usam dele como ataque pessoal. Reforçando a percepção que é um problema individual e moral. Mas se esse ataque não considera a raça do suspeito, branca, o que supostamente se quer atingir? O lugar dele como membro da universidade pública. Ao expor o caso, se busca deslegitimar seu lugar como universitário, sem questionar seus privilégios raciais. O conflito racial se torna não-racial. Esse conflito é muito semelhante com um relato que vi no Twitter. Descrevo como dois tweets falam de um caso:

(Tweet 1) O dia hj comecei assim:

Descobri hj que uma amiga branca fraudou as cotas.

Eu postei a lista no grupo de WhatsApp da turma daquele jeitão...

Os outros amigos sempre souberam que ela era fraudadora e não fizeram nada....

(Continuação - 2) Estão chateados comigo pq eu postei a lista no grupo, q a fraudadora é uma pessoa sensível e q eu deveria pensar na saúde mental dela bla bla bla... A vez de ser cancelada chega p todo mundo....

Separando minha brusinha p ir p ato mais tarde p expor os criminosos...#amo Este relato possui semelhanças com o que Carlos comenta sobre o caso 4:

No caso desse garoto é mais engraçado, porque ele é amigo de várias pessoas

do movimento estudantil do IAD, do pessoal bem lacrador. Só que tipo todo

mundo se afastou dele num período em que tava a coisa mais quente. Só que agora todo mundo já tá normal sabe? As mesmas pessoas que sabem o que

é fraude, continuam falando com ele normalmente. Tem pessoas que são tipo “mega famosinhas” da faculdade, são super amigos dele e não fizeram nada. Depois que souberam...então assim, essa faculdade sendo hipócrita

como sempre. Isso aconteceu com os dois casos, mas não resume e nem

define o fenômeno na universidade. Outros casos podem envolver isso. Mas

não só questão racial, mas de gênero, sexualidade, aqui é uma confusão. O jogo político fala forte e o peso das organizações do quê de fato é a indignação por uma causa. Até porque algumas causas só aparecem em

eleição de DCE e de CA. Depois todo mundo volta a ser amigo. E depois ficam “inimigas”, e “revoltadas” e “indignadas”.

Rodrigo entende que a denúncia não foi legítima na intenção de combater o problema de fraudes. Mesmo que focado nesses casos, Carlos destaca como essa disputa pode ser usada para outros temas de opressões. Casos de assédio podem ser expostos quando é possível manchar a imagem de alguém ou grupo diferente, por exemplo. O fenômeno de casos de preconceito, discriminação, crimes e outros fatos serem usados, somente quando conveniente atingir alguém socialmente ou politicamente é comum em diversos espaços. Em paralelo, os resultados oficiais, pouco expressivos, ou lentos, também demonstram para a comunidade universitária que expor é tão eficiente quanto denunciar.

No caso descrito anteriormente pelo Twitter é possível observar a individualização e humanização da suspeita branca de fraude. Como uma das características da branquitude, o problema é pessoal. Não coletivo. Assim como estudantes passaram a se relacionar com o suspeito de fraude depois de um período da exposição. Pessoas que possuem vários elementos de brancura em seus corpos, dentro do contexto brasileiro, são beneficiárias de privilégios raciais. Um destes é a simpatia e amizade de conhecidos diante de um conflito racial. Pois o branco não é responsabilizado como dentro dessa relação.

Outra questão muito importante é o fato de alguns casos não serem denunciados, mas só expostos. Exatamente porque não vira um “problema” para a pessoa além da esfera individual com a fraude e suas relações interpessoais. A universidade não está ouvindo histórias de corredor ou boatos, ela somente “ouve” denúncias. A exposição cumpre seu papel de prejudicar a imagem do alvo conhecido como branco, sabendo também que depois de um tempo será silenciado novamente.

Destaco como a “(...) ‘superioridade estética’ é um dos traços fundamentais da construção da branquitude no Brasil” (SCHUCMAN, 2012, p. 69). Ou seja, no caso 4, com o privilégio de estar bem próximo do padrão estético de beleza branca, ele pode ter sido mais “aceito por ser inteligente”, “tolerado pelas boas ações”, “desejado pela beleza”166 e “considerado pela amizade” diante da fraude por várias pessoas.

Esse caso é importante, aparentemente pelo período em que era conhecido, possivelmente por alguns anos167, como já discutido no capítulo anterior. Em paralelo, o caso

166 As relações de amizade e de amor também atravessam as relações raciais. Pessoas que sabem da fraude, podem ignorar isto por gostar em algum nível do suspeito. Considerando o fenótipo descrito sobre o caso, pelos dois narradores, este suspeito é “bonito” no padrão branco europeu. Isso tem efeito nas relações estabelecidas entre ele e os outros. Ele não controla o afeto recebido por causa de seu fenótipo, mas se beneficia em algum nível.

167 No caso 4, ele deve ter finalizado o Bacharelado interdisciplinar de Artes e Design (BIAD), e continuado no segundo ciclo.

4, por também estar em contato com o movimento estudantil, que não é um só, poderia estar mais familiarizado com a bibliografia e termos políticos. Ou seja, provavelmente, o fenótipo o tornou menos “suspeito”. E quando exposto, em algum nível, a rede de conhecidos e amigos não o julgaram negativamente. Aparentemente, em nome das relações estabelecidas, ele foi tolerado. Ou seja, por variados motivos que não se pode mapear, o seu caso foi identificado, e protegido por uma rede de pessoas. Ambos os narradores descrevem que possivelmente alguém de fora realizou a exposição.

Por isso que Rodrigo comenta que o suspeito não está se defendendo ou se justificando como pertencente ao grupo racial negro (pardo ou preto) no momento posterior à exposição. Sem a denúncia formal, ele pode se manter em silêncio, confortável no seu lugar de raça. Seus privilégios permitem que o tabu mantenha o silêncio de uma parte de alunos que conheçam o caso. Alguns, diante da situação podem ficar com raiva ou revolta dele. Mas ele não necessita se justificar para a instituição ou ninguém, ele não é normalmente racializado. Mesmo quando é evidente na sua brancura, o fenótipo branco ainda protege os fraudadores. Por isso que muitos casos são de conhecimento de poucos, o debate racial no Brasil se tornou um tema mais “polêmico” nos últimos anos ao explicitar os conflitos e desigualdades raciais. Os estudantes podem querer evitar se posicionar publicamente para não sofrerem assédio ou ofensas daquele que deseja o silêncio.

Outro ponto relevante para essa pesquisa é que a exposição de casos, com foto, nome, e outras informações do suspeito de fraude em redes sociais. Ao contrário desses casos, que mesmo sendo expostos, tinham limites bem estabelecidos. Casos em redes sociais se tornam públicos. Contudo, estes casos demonstram, em escala pequena, que não existe nenhuma certeza que um indivíduo, mesmo com o fenótipo mais evidente como aqueles próximo do fenótipo do “branco-branco”, mesmo sendo mais um branco-brasileiro, seja considerado um caso de fraude pela instituição ou outras pessoas.

Assim como existem meios de se fugir da pressão das redes sociais, e “abafar” o caso de exposição. O suspeito, caso não seja denunciado, nunca será de fato avaliado pela instituição na suspeita de fraude. Se for depender da reprovação moral e pública, isso pode ser controlado.

Essa pesquisa revela, principalmente, como o tema ainda consegue ser “direcionado” como de “responsabilidade” dos estudantes negros, mesmo que a definição de fraude nas cotas PPI seja “ser branco” de forma mais simples. Como já citado, diversos políticos atuantes, contra as cotas para negros, negam completamente a responsabilidade institucional e estrutural dos privilégios de indivíduos brancos. Que usam da cota também pela impunidade. Eles podem trocar de curso, de universidade, e usar de outros grupos de cotas, sem a exigência de

autodeclaração/heteroidentificação racial. Ou seja, existem muito mais meios de indivíduos brancos, não importa o fenótipo, continuarem nas vagas. Com exposição ou não. Existem perfis em redes sociais que estimulam a denúncia formal, não a exposição. Assim, se pressiona a instituição, e se pode levantar críticas à branquitude que frauda a cota, sabendo ou não que o faz.

É relevante relatar que passei meses da pesquisa em 2019 sem ouvir um caso de fraude novo. E mesmo com meus limites na construção de uma rede de informações, somente pude reunir essas poucas histórias perguntando diretamente sobre boatos. Mais que o silêncio, a fraude passava e sumia pelas pessoas rapidamente. Ser esquecida é uma característica dessas histórias, como muitos casos demonstram. Mas a fraude não vai causar o mesmo efeito entre os estudantes nas suas relações interpessoais e análise sobre a política.

4.4.2 Um conhecido, não amigo, fraudou a cota

A partir da entrevista com Rodrigo foi possível ouvir de outros “casos de fraude” que soube. Ele me descreve nesta sequência: 1) as pessoas descobriram; 2) o caso foi denunciado ou exposto; 3) uma parte das pessoas se afastam da pessoa e outra parte manteve a relação e a amizade com o denunciado. Mas com “ressalvas”. Então o pergunto quais ressalvas seriam essas. Ele me explica que são pessoas que falam: “o processo ainda está rolando”, “vamos esperar a decisão da comissão”, “não desejo me posicionar ainda” ou de pessoas que não querem falar sobre isso. Rodrigo me explica que estes estudantes ou amigos são identificados, por ele, como brancos.

Este posicionamento é particular e deve ser considerado nos seus limites na análise teórica. Ele não sabe maiores detalhes sobre essas reações de amigos ou conhecidos brancos diante da fraude. Compreendendo as características da branquitude diante de conflitos raciais, colocar em suspenso a própria responsabilidade diante da suspeita de alguém é uma reação possível entre indivíduos brancos. O silenciamento é regra. Ao colocar a responsabilidade na instituição para decidir se o fulano é “negro” ou “branco” se identifica tanto o tabu do debate racial como proteção de si e sua identidade racial. Como observado no caso 2, a decisão institucional não mudou significativamente a percepção racial dos estudantes que sabiam do caso. A ressalva em não considerarem um amigo como fraudador está presente nos efeitos que isso possui nas relações interpessoais. Mas a raça é visível, para defender o suspeito ou considerar a denúncia válida.

Por que a instituição deve dar a orientação de como se deve enxergar a raça (ou o fenótipo) do outro? Se no cotidiano, todo mundo enxerga o outro, na cor e no corpo? No espaço universitário, como também um espaço de poder, ser branco é regra. São nesses lugares que estudantes de diferentes identidades e localizações raciais circulam e constroem laços. Mesmo assim, as relações raciais não estão em suspenso nos conflitos e aproximações entre estudantes.

Como demonstrado, algumas pessoas podem não denunciar por variados motivos, mas colocar na responsabilidade exclusiva da instituição é se omitir na responsabilidade de refletir sobre os próprios privilégios raciais. Todos ao redor do acusado de fraude em algum momento os reconheceram como pertencentes a um grupo racial – assim como todos os marcadores sociais da diferença como gênero, sexualidade, classe dentre outros. A invisibilidade branca não é absoluta, mas manipulada por seus membros segundo seus interesses e o contexto em que estão. Uma pessoa branca pode ser contra o racismo, mas pode não reconhecer que é beneficiada estruturalmente por este sistema.

Considerando que essas falas são as respostas que dão quando questionados sobre o porquê mantem o contato ou a amizade com um denunciado de fraude, a “espera” é um posicionamento esperado da branquitude como grupo racial que se protege – e seus privilégios (BENTO, 2002).

Para refletir sobre isso, utilizo a pesquisa sobre estudantes de graduação na UFBA, do autor Lúcio Oliveira. Ao entrevistar quatro estudantes autodeclarados brancos, dos cursos de Ciências sociais (maioria de estudantes negros) e Psicologia (maioria de estudantes brancos), não percebeu efeitos no maior ou menor contato com pessoas negras nas definições de preconceito racial, identidade como branco ou reflexões sobre privilégios da brancura. Ele explica:

“O fato de não pensar sobre a própria raça ou cor não quer dizer que isso não exista ou seja menos relevante para pessoas brancas. Ao contrário, deve-se mais uma vez ressaltar que vivências dessa natureza se dão em meio ao silêncio que guarda a branquitude, e à visibilidade excessiva dos negros”. (OLIVEIRA, 2014, p. 36)

O uso do processo institucional como elemento de decisão sobre um ou mais casos de fraude é importante para localizar como se justifica o silêncio e não posicionamento – principalmente em casos de pessoas que fenotipicamente são brancas. Em paralelo, sendo brancas, e sabendo disso, também é possível ouvir respostas de defesa e humanização do acusado, como no caso do Twitter apresentado anteriormente. Mas observe, ninguém fala sobre

raça ao defender a acusada de fraude. Se fala de indivíduo. Em texto publicado online168, a autora Liv Sovik discute sobre essas tensões na discussão racial:

A exclusão racial no Brasil tradicionalmente fala em duas vozes: uma, no privado, sobre o valor de ser branco e outra, pronunciada em alto e bom som, sobre a noção de que cor e raça são de importância relativa já que a população é mestiça. O discurso que valoriza a mestiçagem tira a atenção ou encobre

a existência de brancos privilegiados pelo racismo (SOVIK, 2019) (grifos

meus)

Este caso apresenta elementos importantes para compreender a exposição de casos de fraude para além da denúncia, assim como a “ressalva” entre estudantes. Se as amizades e relações são abaladas, elas também podem possuir o segredo da fraude. Isso somente demonstra como o fenômeno é complexo e não somente o fenótipo é utilizado na reflexão sobre fraude.

4.4.3 Ressalvas (ou não) na relação com alguém que fraudou a cota

Neste momento tenho como objetivo discutir mais sobre as possíveis diferenças na relação entre a definição de fraude de Rodrigo e Carlos. Ambos possuem reflexões semelhantes sobre a fraude como um problema estrutural e institucional. Assim como ambos possuem suas