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3 O QUE OCORRE APÓS A DENÚNCIA?

3.1 A DINÂMICA DE DENÚNCIAS NA UFJF

Como começou o fenômeno de denúncias de fraude nas cotas na UFJF em sua maioria direcionadas para cotas PPI? Para além do que pude ver nas redes sociais, pude realizar entrevistas com dois membros do DCE que estavam na gestão de 2018: Matheus e Cristiana. Apresento brevemente as descrições desde o primeiro momento de denúncias recebidas pelo DCE, quanto as descrições que estes entrevistados fizeram do fenômeno e da instituição universitária. Posteriormente discuto outros assuntos a partir desses participantes.

Ao iniciar o mestrado, em março de 2018, somente sabia de alguém que havia feito um dossiê com mais de 4083 casos de suspeita de fraude nas cotas PPI. E além disso, que alguns membros de coletivos negros da universidade estavam recebendo denúncias anônimas. Assim, meu primeiro contato foi com um coletivo negro. Com o tempo conheci outros coletivos e estudantes organizados. Não as identifico para proteger suas organizações estudantis. Neste momento utilizo principalmente as falas de Cristiana e Matheus, que estiveram organizando, a partir de janeiro, como representantes do DCE, a mobilização de estudantes e coletivos negros sobre o fenômeno. A principal ação destes grupos era abrir um canal para que as denúncias pudessem ser redirecionadas para a ouvidoria. Segundo entrevistas, a DIAAF orientou e auxiliou nesse processo. O grupo no WhatsApp que eu participei teve origem nessa época.

Durante o ano de 2018 fui obtendo espaço e permissão de estar presente nessa mobilização estudantil para também entender quais eram os conflitos com a fraude e com a instituição. Somente pude conhecer Felipe provavelmente em função do tempo dedicado ao trabalho de campo e a confiança que foi construída com os membros dos coletivos. Não quer dizer que o escondiam, mas ele não tinha nenhuma obrigação de se expor e participar da pesquisa. Exatamente por ter um “estranho branco” (Pesquisador de mestrado, branco, de outra cidade, não vinculado à nenhum grupo estudantil local, e desconhecido. que estava perguntando sobre fraude). Mesmo que eu tenha acompanhado o movimento de 2018 a partir de março/abril, segundo notícias, já houve uma mobilização de estudantes secundaristas com suspeitas de fraude em 201684. Segundo reportagem85:

83 Segundo entrevista com esse denunciante, que nomeio como Felipe, não eram 40 nomes que ele havia denunciado. Eram em torno de 20, e isso se acumulou com outras denúncias que apareceram. 84 CRUZ, Márcia. Movimentos negros denunciam fraude nas cotas raciais da UFMG. Estado de Minas,

2016. Disponível em:

<https://www.em.com.br/app/noticia/especiais/educacao/2016/04/11/internas_educacao,751706/mov imentos-negros-denunciam-fraude-nas-cotas-raciais-da-ufmg.shtml>. Acesso em: 22 jan 2020. 85 RIBEIRO, Renan. Estudantes e movimentos sociais denunciam fraudes nas cotas da UFJF. Tribuna

(...) Participantes contaram que buscavam informações básicas para uma pesquisa de vestibulando, como ponto de corte e quem eram os veteranos. No processo, eles perceberam que, dentro de suas opções de cursos, não havia alunos negros. “Ficamos assustados e nos sentimos lesados. Buscamos o contato com uma advogada, redigimos um documento, reunimos fotos e entregamos à Diaaf. Tivemos algumas reuniões, mas não sabemos o que aconteceu depois.” Os proponentes da denúncia preferiram não ser identificados, para evitar represálias. “Agora há uma pressão maior, mas essas denúncias ainda são muito veladas, e é algo facilmente perceptível”, destaca. Sobre as denúncias iniciais em 2018, Cristiana diz que começou com duas denúncias a partir do Conselho de Centros e Diretórios Acadêmicos de estudantes da UFJF (CONCADA). Logo, o DCE se colocou disponível para redirecionar denúncias para a ouvidoria para quem não quisesse ser identificado. Em algum momento Felipe denunciou uma fraude que o atingiu pessoalmente. Ele não entrou em Medicina em 2018 em função de fraudes nas vagas destinadas à negros. Cristiana destaca que ele teve que denunciar seis pessoas que tinham fraudado a cota na sua frente86. A partir disso, Felipe fez um dossiê reunindo muitos nomes, e enviou para o DCE. Ele mesmo pediu uma reunião para discutir a fraude e assim entraram em contato com a DIAAF.

Mesmo que Felipe seja um denunciante, o DCE recebeu muitas outras entre janeiro e fevereiro, de outros estudantes já matriculados ou candidatos às vagas para cotas. Contudo, mesmo assim, não é possível afirmar como era de fato o perfil dos denunciantes. Mesmo Matheus e Cristiana não tiveram contato com todos. Preservando a identidade destes, não fizeram nenhum tipo de registro ou questionário sobre “quem denunciava”87.

O papel do DCE no fenômeno foi importante para receber denúncias e responder dúvidas das pessoas que queriam denunciar. Matheus e Cristiana ressaltam como o movimento se motivou inicialmente pela perda da vaga para a fraude de alguém. Os denunciantes estavam refletindo sobre a cor e raça do acusado, mas também da fraude na sua definição de injustiça e prejuízo pessoal.

2018/estudantes-e-movimentos-sociais-denunciam-fraudes-nas-cotas-da-ufjf.html>. Acesso em: 13 dez 2019.

86 O curso de Medicina, como outros cursos, possui muitas vagas, e por isso, as cotas, em seus diferentes critérios, chamavam muitas pessoas aprovadas. E caso houvesse desistência, por exemplo, durante o ano tinham as listas de espera e outras chamadas dos próximos aprovados. Quando estas listas são divulgadas, também estão separadas por cota utilizada. E assim é possível identificar a fraude ou não. 87 O portal E-Ouv, do poder executivo do país, que reúne denúncias ou manifestações do Brasil todo, é possível se identificar. Mas existe a opção de fazer uma denúncia sigilosa, onde não existem dados disponibilizados para a instituição alvo da denúncia sobre quem denuncia. Mesmo assim, mesmo as denuncias identificadas, segundo funcionária da ouvidoria geral, possuíam poucos dados sobre.

As principais formas de denúncias, sendo pessoalmente, por canal oficial, ou redes sociais são: (i) a Ordem de Advogados do Brasil (OAB) da cidade, (ii) o Ministério Público regional ou Federal, (iii) ONGs como a EDUCAFRO que reúnem suspeitas e realizam as denúncias, (iv) o próprio DCE da universidade ou CA/DA dos cursos, por redes sociais (v) coletivos negros presentes na universidade, por redes sociais e (vi) a DIAAF.

O DCE da UFJF e alguns coletivos negros, receberam estudantes com dúvidas sobre o processo e sigilo da denúncia, segundo me relataram. Esses denunciantes, segundo Matheus, tinham medo de serem identificados por aqueles que denunciavam. Ou, caso já estivessem estudando na universidade, sofrerem pressão de estudantes e professores que poderiam entender que o ato estaria trazendo “problemas” para a universidade. Neste ambiente existem meios interpessoais e institucionais de se impedir que uma denúncia ou o próprio crime seja de conhecimento mais amplo, ou público88.

Após um período inicial de denúncias recebidas, entre janeiro e fevereiro daquele ano, o DCE fez reuniões abertas89 para discutir a fraude com a comunidade acadêmica, e buscou reunir os coletivos negros para melhor mobilizar o debate público sobre e a criação de uma comissão verificadora. No mesmo período, como já citado, o Conselho Universitário (CONSU) já se reunia para discutir sobre as denúncias90.

Segundo entrevista, estas reuniões abertas foram feitas para de fato mobilizar os estudantes contra as fraudes. As denúncias chegavam todo dia, seja pela página no Facebook,

88 Cito casos de docentes que recebem denúncias de assédio de diversas alunas, mas que esse montante não o impede de lecionar mesmo com o processo iniciado. Esses casos são conhecidos entre alunos e professores, mas são “abafados” até serem expostos pela mídia, por exemplo. Se cria um ambiente de impunidade e desconfiança. As alunas tinham medo de serem reprovados na disciplina do docente assediador, caso identificadas.

89 DCE-UFJF. Postagem sobre reunião aberta sobre fraudes. Facebook, 2018. Disponível em: <https://www.facebook.com/ufjfdce/posts/738090763047509>. Acesso em: 02 jan. 2020.

90 UFJF. Medidas garantem que critérios para ingresso por cotas sejam obedecidos. Notícias UFJF, 16 fev 2018. Disponível em: <https://www2.ufjf.br/noticias/2018/02/16/medidas-garantem-que-criterios- para-ingresso-por-cotas-sejam-obedecidos/>. Acesso em: 21 jan 2020.

CONSU. Ata da Reunião do CONSU dia 26-02-18. Conselho Superior - UFJF, Juiz de Fora, p. 2-3, 2018. Disponível em: <https://www2.ufjf.br/consu/wp-content/uploads/sites/33/2018/02/Ata- 26.02.2018-CONSU_UFJF_.pdf>. / RIBEIRO, Renan. Estudantes e movimentos sociais denunciam fraudes nas cotas da UFJF. Tribuna de Minas, 01 mar 2018. Disponível em: <https://tribunademinas.com.br/noticias/cidade/01-03-2018/estudantes-e-movimentos-sociais-

denunciam-fraudes-nas-cotas-da-ufjf.html>. Acesso em: 13 dez 2019. / RIBEIRO, Renan. UFJF vai debater critérios para verificar autodeclaração racial. Tribuna de Minas, 02 mar 2018. Disponível em: <https://tribunademinas.com.br/noticias/cidade/02-03-2018/ufjf-vai-debater-criterios-para- verificar-autodeclaracao-racial.html>. Acesso em: 21 jan. 2020. / UFJF. Comissão apura denúncias de irregularidades em pedidos de ingresso por cotas. UFJF, 05 Mar 2018. Disponível em: <https://www2.ufjf.br/prograd/2018/03/05/comissao-apura-denuncias-de-irregularidades-em-

seja por WhatsApp pessoal dos membros do DCE. Nessas reuniões, que foram poucas, relatam que foi possível conversar com denunciadores, alguns que estiveram presentes. Mas principalmente foi um momento de reflexão entre o DCE e os coletivos negros da universidade, que já eram pessoas negras organizadas. Era importante construir uma rede de apoio à denúncia – e também uma relação com a DIAAF, que estimulou que se reunissem essa massa de denúncias. Matheus e Cristiana tiveram contato com muitas denúncias e denunciantes. Essa posição privilegiada foi importante para entender melhor quem denunciava e quem era denunciado.

Como comentado, as denúncias usavam do fenótipo principalmente. Ou seja, o denunciante supostamente heteroidentificava os suspeitos de fraude. A partir desta pesquisa, como se deve pensar essa heteroidentificação? Os dois denunciantes que tive contato na pesquisa já eram indivíduos negros em contato com o debate social e acadêmico. Estes possuíam suas reflexões sobre o fenômeno a partir de estudos e a própria situação racial. Contudo, aqueles que denunciam não possuem sempre a mesma reflexão sobre a fraude, ou a mesma identidade racial.

Parto do princípio que exista, em diferentes níveis, uma dificuldade de localizar os denunciados como simplesmente brancos na cor e na raça na maior parte da população. Pesquisadores, membros do movimento negro, e indivíduos organizados podem estar mais preparados para identificar tais fatores que atravessam a vida e a autodeclaração racial.

Como aponta Rodrigo Jesus (2018), no contexto de denúncias de fraude, ele observou que as pessoas acusadas/denunciadas tendem a desracializar o pardo quando se justificam na escolha da cota para negros. Ele descreve que alguns acusados/denunciados utilizam da categoria racial do pardo como uma cor. Esta proveniente da miscigenação, e não uma raça. E se fosse, não seria a negra. Ele decreve:

(...) a reiterada associação do pardo com o mestiço acaba retirando o pardo do grupo racial negro e colocando-o em uma condição de não-lugar racial, na medida em que este pardo, visto como mestiço, não se vê nem como negro e nem como branco. (...) Na perspectiva apresentada pelo Ministro Luís Roberto Barroso, portanto, os pardos não figuram apenas como o resultado desracializado da mistura entre negros (as), mas são, justamente, parte da população negra: os negros de pele clara, filhos de casamentos intra ou interraciais. A definição inequivoca, presente nas letras da reserva de vagas para concursos publicos, por exemplo, que considera negros os pretos e pardos se choca com um imaginário ambiguo que, ao mesmo tempo em que define o pardo como o resultado da mistura, argumenta que ‘todos somos resultados da mistura’. (...) Contraditoriamente, portanto, ao mesmo tempo em que ostentam um argumento igualitarista, somos todos iguais, os pardos desracializados acabam por deslegitmar uma política diferencialista como a reserva de vagas para a população negra”. (JESUS, 2018, p. 136-137)

Como o autor relata, outra questão para explicar o fenômeno está no “esquecimento” coletivo sobre o principal elemento para a criação de ações afirmativas para negros: ser parte da população vítima e alvo do racismo. Se tem a percepção, ainda errada, de que é “só” ser negro que se entra. Que nesse caso, é “só” ser mestiço, ou “ter” membros não-brancos na família, que se poderia reivindicar a vaga para candidatos pardos. Assim, faço o exercício de entender como denunciantes podem pensar de forma semelhante ou igual.

Como Rodrigo Jesus descreve, no pensamento racial hegemônico, de idealização do branco, pessoas podem se autodeclarar pardas porque entendem que não correspondem ao padrão “branco, de olhos claros, cabelos lisos etc”. Este é o branco, sem dúvidas. Se reafirma o branco como um lugar idealizado, que não se pode, mas deseja alcançar. A seguir busco refletir sobre como se poderia correlacionar a identificação de fraude e o fenótipo do suspeito.

Suponho que uma parcela de denunciantes, ao considerarem o fenótipo, vão tentar localizar o suspeito ou suspeita entre o “branco” e o “negro”. Sem necessariamente acionar reflexões ou justificações profundas sobre privilégio racial. Para demonstrar esse posicionamento relato um caso que ouvi no trabalho de campo:

Fui conversar com um estudante conhecido meu, e ele, já sabendo da minha pesquisa, veio me contar de um caso:

“O cara entrou usando cota para negro. Sei desse porque uma amiga disse para mim. Mas ele não foi aprovado na comissão de heteroidentificação. Aí ele estava no período de recurso. Descobrimos isso porque a matrícula dele não estava efetivada, e por isso não podia pegar livros na biblioteca (Caderno de campo – 2019)”.

Em seguida perguntei se sabiam se era a cota A ou D. Ele me responde:

“Nós sabíamos que ele era pobre, ele tinha comentado sobre a vida dele para alguns amigos. Então a única comissão que ele poderia ter ficado indeferido era a racial. Ele também não era deficiente. Eliminamos com base no que sabíamos dele, e o que ele dizia (Caderno de campo – 2019)”.

Então eu pergunto como ele era. Ele me diz imediatamente: “Branco!”. Então peço que me explique melhor. Ele repete: “Branco Lucas! O cara é branco, branco. Não se tem dúvidas quando olha pra ele! Vou te mostrar uma foto!”. Ele me mostra e eu o heteroidentifico como “branco” também (cabelo escuro, ondulados, olhos escuros, pele branca). Depois desse momento eu pergunto o que aconteceu com ele. O estudante me fala: “Eu sei que ele recorreu até a última instância. Ele ficou até o final do período estudando. Mas como perdeu, saiu do curso. Nunca mais o vimos”. (Caderno de campo, 2019)

A partir desse relato, é necessário destacar que o estudante era meu amigo, tinha liberdade para conversar de modo mais informal, comigo. Ele me explicou o caso de como se lembrava, pois já estávamos no segundo semestre daquele ano quando o encontrei. Essa situação é importante porque ele não conseguia me detalhar a identidade racial do acusado além da cor branca. Por fim ele me mostra uma foto. Não é estranho que as pessoas não estejam tão acostumadas a falar ou descrever fenotipicamente alguém, as vezes se restringindo a uma definição binária branco-negro. Eu, por exemplo, pude expandir as categorias raciais que utilizo no meu cotidiano somente com esta pesquisa. As pessoas, quando descrevem alguém não- branco, possuem diversas possibilidades de descrição, mesmo que ainda seja conflituoso, mas nesse contexto, possivelmente existam dificuldades em distinguir identidades brancas.

O branco no contexto racial brasileiro, mesmo que possa ser associado, em muitos casos, ao moreno, ou queimado de sol, ainda é localizado como distante do preto ou do negro. Assim como pode ser localizado como branco. Utilizo como exemplo o cantor Vitão91, que mesmo possuindo traços mestiços (pele mais queimada, cabelo bastante ondulado), pode ser reconhecido em seus clipes ou materiais visuais como um homem branco. Ele não é como o cantor Vitor Kley92, que possui fenótipo muito mais próximo do padrão europeu.

Nesse caso relatado, existe certa reflexão sobre alguns fatores como condições socioeconômicas do suspeito, e principalmente pelo conhecimento do indeferimento na comissão de heteroidentificação. Ele não comentou se alguém questionou a identidade racial do suspeito. O suspeito também não foi denunciado. Utilizo da contribuição da autora Daflon (2017) sobre “queixas de discriminação em uma delegacia especializada em crimes raciais”93:

91 Ressalto que não tenho informações sobre como ele se identifica racialmente. Estou analisando somente pelo material fotográfico disponível na internet e seus videoclipes. Assim como as comissões de heteroidentificação, a autodeclaração não é ignorada ou desconsiderada. Mas é relevante refletir como a imagem de artistas como este referido podem ser atingidas com o branqueamento. Este é um exemplo do fenômeno denominado “Whitewashing”, ou “Embranquecimento” na indústria cultural. Outros exemplos são quando determinado personagem com etnia não-branca é representado por atores ou atrizes brancas. Existem milhares de casos, desde os mais antigos, como a Cleópatra sendo interpretada por uma mulher branca, quanto asiáticos, latinos ou africanos serem interpretados por homens e mulheres brancos em filmes recentes.

92 Este cantor possui uma música denominada “morena”. Em que a estrela do clipe é uma mulher branca, de cabelos lisos pretos, e olhos azuis (cantora Gabriela Melim). Ou seja, a mulher desejada, e par romântico no clipe, é uma mulher branca de cabelos escuros – mesmo que seja chamada de morena. O que poderia se referir à uma modelo negra. O branqueamento atua no mercado cultural de forma a destacar o branco como belo, desejado e ideal. Não quer dizer que a identidade negra como valor positivo não tenha se expandido e ganhado mais espaço. Mas não se deve desconsiderar que ser branco ainda é o padrão estético hegemônico.

93 Ela analisa os dados da pesquisa de Antônio Sérgio Guimarães (1999). Ele afirma que entre aqueles que apresentaram tais queixas à delegacia, “89% das vítimas eram identificadas, pelo escrivão, como negras, e somente 6,6% como pardas”. (DAFLON, 2017, p. 89)

“(...) a linguagem do racismo no Brasil é binária, isto é, referida aos polos negro e branco e que os pardos sofrem discriminação por serem associados à negritude. Isso faz com que as manifestações explícitas de racismo contra os pardos consistam em ‘rebaixá-los’ à condição social dos ‘negros’. Carl Degler (1971) notou esse fenômeno, salientando que mesmo os mulatos que ascendiam socialmente experimentavam o medo permanente de serem ‘confundidos’ com os negros. (...) ‘Ambas as categorias [pretos e pardos] se distanciam do ideal de brancura, e isso as torna vítimas de preconceito racial’ (Osório, 2009, p. 90)” (DAFLON, 2017, p. 90-91).

Por causa dessa percepção binária na classificação de pessoas, é que a denúncia ou acusação de fraude, pode se restringir em localizar a fraude como “branca(o)”. A partir dessa reflexão, pode-se incluir a maioria das denúncias, aquelas pessoas que são reconhecidas simplesmente como brancas. Localizadas nessa cor de pele. Não necessariamente vão localizar a pessoa racialmente como branca e os privilégios que isso acarreta – mas eles estão ali.

Mesmo assim, outros elementos como escolaridade ou renda podem ser usados para reforçar a identificação como fraudadoras e brancas. Não exclui a percepção de privilégios, mas não necessariamente os de raça são ressaltados ou incluídos na reflexão.

Uma última possibilidade na identificação racial de suspeitos de fraude é localizar também a pessoa no grupo racial branco, a branquitude. Ou seja, o denunciante compreende, por diversos motivos possíveis, que o suspeito, é beneficiado pela sua raça no espaço universitário. Ou como denominam, a raça social: ser heteroidentificado como branco por terceiros. Assim, mesmo que inconscientemente muitas denúncias levem em conta os privilégios de ser branco no Brasil, esse grupo de denunciantes inclui suspeitos brancos com traços europeus mais evidentes ou aqueles com pele muito clara. Eles localizam a suspeita principalmente pelo privilégio de ser branco em oposição à discriminação que atinge corpos pardos, pretos e indígenas.

Contudo, a percepção de privilégios raciais de indivíduos brancos, seja no debate de fraude ou outras situações racistas não é um processo de conhecimento inalcançável por ninguém. Qualquer um interessado no assunto passa a compreender o racismo de forma mais complexa, e assim, entender que o “branco” é também “localização social”. O processo de letramento racial é essencial para inibir e identificar suspeitas de fraude. Existe ainda muita omissão e desinformação sobre o negro e o branco como grupos raciais em posições diferentes diante do racismo no Brasil.

A seguir, descrevo brevemente, como os denunciantes relatam a forma como identificam os suspeitos de fraude. O primeiro foi o que realizou várias denúncias durante o início do fenômeno, Felipe. Ele me explicou que usou do critério fenotípico como uma

segurança jurídica na forma de realizar denúncias. Ele utilizou os casos da UNIFAL e da