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Considerando a complexidade dos processos em que as construções de conhecimentos provocam ações de interação interpessoais que fazem mover a vida cotidiana no interior das sociedades através de um trânsito social e de múltiplas redes de convivências, busco nas suti- lezas e percepções de mundo feitas pelos sujeitos que atravessam o cotidiano em suas redes de comunicação, compreender uma realidade peculiar derivada de determinados contextos. Nes- sas redes de comunicação, além das interações provocadas pelos sujeitos que se comunicam, as aprendizagens vão ocupando lugar na dinâmica das práticas culturais.

Nesse sentido, o diálogo que faz mover um conhecimento, também, faz mover a pes- quisa no sentido de instrumentalizá-la politicamente para fortalecer as práticas sociais promo- vendo conhecimentos que colaboram para desmistificar realidades históricas (Freire, 1982). De tal modo, me aproximo das contribuições metodológicas críticas ligadas à educação popu- lar, no esforço de pensar as práticas culturais em sua dimensão educativa.

A metodologia dos estudos com o cotidiano é pensada aqui como uma perspectiva próxima da educação popular que só faz sentido se flexível. Assim, esse estudo se defronta

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com as múltiplas representações e representificações de realidades, de saberes e de olhares. Por esse motivo, considero que a prática social deve ser entendida como atividade construída nas inter-relações pessoais que auxilia a organização cotidiana. Uma vez que essas práticas são estabelecidas entre os sujeitos que protagonizam os diferentes usos da linguagem, sobre- tudo; das produções de círculos culturais, redes de criação/confecção de publicações e de aprendizados de domínio da palavra escrita como ferramenta de interação de conhecimentos. Visto que compreendo que essa perspectiva metodológica está disposta a partir dos desafios enfrentados pela vida cotidiana, pela complexidade da realidade e superação dos problemas reais de ordem econômica, social, política e afetiva para a plena realização subjetiva e objeti- va da vida humana consciente de si e do mundo.

Desse modo, entendo que o movimento da pesquisa se dá no diálogo com os sujeitos, com os conhecimentos, com os valores, com as culturas e perspectivas de aprendizagens po- pulares. Por este motivo, as falas dos sujeitos vão compor aqui um tecidos da compreensão de um tipo de concepção de educação que legitime a presença de um conhecimento popular que se constitui no diálogo e em contextos diversos.

Através do diálogo os sujeitos interagem relações múltiplas, criam coletivamente ou- tras relações, objetos e conhecimentos. E desse modo, entendo que as práticas culturais popu- lares podem se configurar como conjunto de práticas sociais articuladas na produção de subje- tividade e nas ações que intervém objetivamente nas relações sociais e afetivas. Visto que, na dinâmica da educação popular, essas práticas culturais podem ser assumidas pela opção polí- tica que se pauta no esforço de reflexão sobre a construção de novas relações e práticas trans- formadoras.

Nesse sentido, o diálogo com os sujeitos da pesquisa é entendido como processos de significação de um pensamento pedagógico de co-produção de conhecimento pelos sujeitos que se entrelaçam nas relações construídas (Garcia; Esteban, 2003), nas múltiplas linguagens do cotidiano e nas percepções e modos de ser. Por isso, compreendo ser importante estar aten- to as tessituras das conversas, das percepções, das convivências, das relações afetivas, do do- mínio das práticas laborais, dos anseios e modos de ser em que homens e mulheres estão imersos no cotidiano.

Na trajetória da pesquisa, me aproximo do conceito de estar à deriva, trazido por Ma- ria Teresa Esteban, tomando por base a elaboração de Maturana, que tem um elemento impor- tante quanto ao cuidado de não perder de vista os contornos que o evidente não nos deixa per- ceber. Estar à deriva, para compartilhar um sentido comum, é a maneira como o pescador se depara diante da incerteza de horizontes quando se perde na imensidão do mar. Ele espera,

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observa cada movimento das águas, do vento e dos peixes. Quando encontra uma ordem tota- lizante, busca uma saída ao encontro de seu destino. Uma ordem do seu lugar em que se cons- titui em permanente oscilação com as experiências vivenciadas.

Quando estive na função de professor alfabetizador em turma de jovens e adultos no Colégio de Pescadores do Município, em Macaé, Abimael, pescador dos mares do norte- fluminense do Estado do Rio de Janeiro, contava em uma conversas, do desfecho de ter se perdido no mar. Narrava ele, com certo ar de aflição e de domínio da solução que encontrara para entender o caminho de volta; se deixou levar pelas águas, deixou de se debater, pois afirmava que poderia ir pra mais longe do que imaginava que já estivesse. Dizia que ficava em silêncio, ouvindo o barulho do mar e observando o movimento dos ventos, das irregulari- dades até o firmamento. Dizia que tinha um GPS, mas não sabia como usá-lo. Por isso, teve de entender a natureza como havia aprendido. Compreender a direção do vento, da formação do tempo e saber para que lado deveria seguir em direção à margem costeira.

A partir desse relato, posso convergir na compreensão de que o conhecimento se arti- cula à metodologia tendo em vista a busca de uma resposta para questões que se impõem na prática cotidiana. De tal modo, que o conhecimento do território está na confluência dos sabe- res e compreensões de mundo dos sujeitos. Nessa assertiva, a escolha metodológica na pes- quisa requer a sensibilidade desses saberes e conhecimentos existentes na vida cotidiana para possibilitar, mesmo que provisoriamente, compreensões de como vão se constituindo as redes de relações afetivas, as interações culturais e seus processos educativos. Abre-se então, uma compreensão de lugar como conjunto de ações e interações sociais em que se articula a mate- rialidade e imaterialidade dos processos de conhecimento em interações diversas.

Nesse aspecto, me aproximo de relatos, conversas e produções literárias de poetas e escritores/as de bairros populares de Belford Roxo e Nova Iguaçu para tecer junto a palavra, os imaginários, as ideias, as experiências, os processos de aprendizagens, os saberes singula- res dos sujeitos da pesquisa para em diálogo dar o(s) contorno(s) do(s) caminho(s) que pro- pomos seguir. Nesse esforço, busco na(s) silhueta(s) metodológica(s) caminho que diminua os limites que separam a teoria e a prática que a visão científica baseada na racionalidade rígida impõe à pesquisa. Na subjetividade científica, o sujeito do conhecimento ocupa o lugar da centralidade de maneira que o objeto passa a compor-se de atributos e de premissas delinea- das unicamente pela sua teoria ou derivações de sua empiria.

O esforço dessa reflexão é o de fugir do sentido puramente gnosiológico para compor uma articulação entre o conhecer e o agir humano (Freire, 2015). Cabe também ressaltar o sentido ontológico da compreensão da “atividade humana sensível” de que fala o pensamento

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marxiano7, entendida na ideia da práxis, para compor as redes de relações e contextos dos sujeitos sociais como “complexos de complexos” de interação dos elementos interiores (Lukács, 2013). Uma vez que os processos históricos são múltiplos e nunca unilaterais, ten- dem a modificar-se “por interações e inter-relações reais de complexos sempre ativos” (idem, 2010, p.66). Esta consideração é tomada aqui como nos recomenda Fanon (1968), que ao abordar a temática colonial, as análises críticas “devem ser sempre ligeiramente distendidas cada vez que abordamos o problema colonial” (Idem, p.29).

Ressalto que, não pretendo percorrer um caminho para uma totalidade, nem muito me- nos atribuir à educação um caráter de reprodução dos conhecimentos acumulado nas socieda- des ao longo da sua história, ou mesmo o de conduzir a transformação da sociedade como um todo. Pois, entendo com Freire (2000), que a educação não transforma a sociedade sozinha, mas aos homens e mulheres que podem protagonizar tal transformação societária. Assim, per- corro algumas reflexões deixadas por Esteban (2003), em seu artigo Sujeitos singulares e

tramas complexas - desafios ao estudo e à pesquisa, sobre o movimento de ressignificações

provocadas nas inter-relações. Percebo que essas reflexões podem colaborar com o entendi- mento da pesquisa com o cotidiano que se veste de interesse nos processos que “buscam mu- dar o mundo”. Na assertiva de que a objetividade da pesquisa ganha sentido no estudo com o cotidiano “para ser percebido como um contexto relacional tecido por fios e movimentos que se mostram e se ocultam como parte de uma dinâmica também configurada pelo pesquisador” (idem, 129). A totalidade acima transcrita, passa a ter um sentido de re-significação como “totalidade integradora, constituída pelo diálogo entre conceitos que se opõem e expressão (...) da emergência de noções que ampliam o conhecimento” (idem). De tal modo, que o lugar passa ser produzido como o espaço de encontro, do acontecimento e das experiências entre- cruzadas. Dessa maneira o lugar torna-se o “quadro de uma referência pragmática ao mundo, do qual lhe vêm solicitações e ordens precisas de ações direcionadas” (Santos, 2010, p.593). Assim, penso que é na experiência vivida que a existência do mundo se faz sentida e a partir da dinâmica cotidiana que se realizam as práticas sociais.

Ao pensar os passos da pesquisa me deparo com as inquietações quanto à perspectiva metodológica a ser levada em consideração à compreensão das questões próprias da pesquisa com o cotidiano. Nesse sentido, é preciso cunhar o viés epistemológico em que essas metodo- logias se sustentarão. Tais questões surgem a partir dos seguintes pontos:

1. Como as práticas culturais se articulam aos processos de conhecimento?

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2. Como pensar os processos de conhecimentos no contexto das classes populares? 3. Que desdobramento esses processos possibilitam para pensar a dimensão educativa? 4. Que epistemologia/s pode/m colaborar na empreitada de tecer compreensões da

complexidade em que a vida cotidiana se produz?

Entender o cotidiano como território de complexidade é aceitar o desafio de “exercitar outra forma de olhar a realidade” (Pérez, 2003, p.97), não como luta vã das palavras, como nos diz o poeta Carlos Drummond de Andrade ao tentar capturar o tempo das manhãs, mas como experiência que se comunica em interação entre homens e mulheres.

Na cultura popular, como dimensão mais ampla da educação popular, os sujeitos se

reconstroem e revigoram as linhas dos saberes que colaboram nos enfrentamentos das cir-

cunstâncias que estão predispostos. Na compreensão dialógica, entendo que as experiências vividas pelos sujeitos se entrecruzam juntos aos valores, às culturas, aos saberes e práticas educativas, deixando marcas nas falas e nas palavras, de um movimento de representificações comunitárias e de um tecer compreensões da realidade de seus contextos. A experiência aqui, passa a compor um papel importante para pensar as práticas educativas e culturais enquanto saberes que se reconstroem sobre os laços afetivos-culturais, ressignificando a escrita para tomar a palavra como luta, seja no diálogo com alguns dos sujeitos que se apropriam da práti- ca da escrita, seja na composição da “textura de círculos literários produzidos na Baixada Fluminense como espaços de aprendizagens e reelaboração de estratégias pedagógicas” (ECKHARDT; SILVA, 2016) para fazer transitar a palavra escrita, as diferentes experiências, as percepções dos sentidos e a criação de novas ideias.

Dessa maneira, cabe ressaltar, que não pretendo aqui, traçar uma linha processual em que a organização de uma cultura vai representar na história brasileira, mas apresentar, a par- tir de alguns referenciais, um caminho que indique, junto com as diversas perspectivas dos sujeitos com quem dialogo, uma reflexão sobre a dimensão educativa que possibilita às clas- ses populares um aprimoramento de um fazer-pensar-fazer indissociável.