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“Não sei brincar de versos

Meus versos não colam em paredes Não despertam olhares

Não acendem paixões

Meus versos todos, escorregam-se Pelos esgotos, pelos bueiros

Pelos cantos negros do meu corpo, do teu corpo... Meu verso calou-se no beijo

Dado em qualquer calçada Meu verso no canto da boca Do riso estragado.”

(Meus Versos – Jorge Medeiros, Bagagem de mão, 2011) ...

O silêncio é uma resposta de múltiplas escolhas: É sim,

É não, É talvez.

(Silêncio – Lenne Butterfly, Zine Gambiarra Profana, 2013)

O filósofo Jean-Jacques Rousseau, em seu Ensaio Sobre a Origem das Línguas, fala dos movimentos que inspiram os primeiros gestos. As paixões para ele deram início as pri- meiras vozes, as primeiras palavras inventadas, aproximando os indivíduos e imprimindo às línguas formas cantantes “e apaixonadas antes de serem simples e metódicas” (1999, p.266). Assim, a linguagem humana seria uma invenção surgida a partir das paixões originadas como linguagem figurada, puramente poética, posteriormente racionalizada.

Com a linguagem foi possível aos homens e às mulheres utilizar a fala para expressar seus anseios, sentidos e comunicalidade. Embora eu parta da compreensão de que antes da constituição da linguagem há o pensamento associado à utilização de instrumento, considero importante a reflexão trazida pelo autor para situar em nosso contexto social um lugar presen- te de sonoridade das relações pessoais. Os sujeitos que se instituem na apreensão da leitu-

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ra/escrita acentuando as diferenças dos modos de ser e pensar, recriam-se novos sentidos in- timamente ligados ao reconhecimento do mundo que os cercam e das relações mais intensas vividas. Sob esse enfoque, a ideia que me parece importante ressaltar é a de que toda língua canta e libera no ar que se respira a dopamina que é preciso para sentir o que não se pode ver. Das vozes às articulações dos primeiros sons, a melodia dos territórios representa em conste- lações de palavras que se entrecruzam nas narrativas inter-relacionando um ritmo peculiar a cada lugar. Articulações e vozes, assim, compõem-se de sentidos próprio do(s) povo(s) ao mesmo tempo em que a simbologia de falar aos olhos compõe um complexo de percepções de mundo. Nesse sentido, a leitura de mundo tem a ver com sua reescrita confrontada na transfi- guração imprimível de novo elemento consonante.

Escrita e memória se relacionam. A escrita não representa a morte da memória, como quisera Platão, ao postular que a escrita “tornará os homens esquecidos, pois deixarão de cul- tivar a memória; confiando apenas nos livros escritos, só se lembrarão de um assunto exteri- ormente e por meio de sinais, e não em si mesmos” (2004, p.119). Por outro lado, ele mesmo toma para si a palavra escrita, imprimindo a forma do diálogo aos múltiplos personagens que fazem circular suas ideias (Borges, 2011). De tal modo, a escrita é uma continuidade da vida de um conhecimento que se estende a tempos distintos da experiência vivida como extensão de uma experiência vivida. Se entendo que a memória é o ato ou a duração da experiência ressignificada que possibilita produzir subjetividade e intersubjetividade, posso sugerir que quando conferida na escrita, potencializa as formas de narrativa, se reconstituindo como for- mas de comunica e compreensão da vida social. A este respeito, Adriano Nogueira e Paulo Freire em diálogo apontam que

“A narrativa é um exercício da memória, atenta no presente, desfi- ando pessoas a se apoderarem do que é oralmente narrado. As pes- soas desenvolvem à sua maneira uma posição diante do que é narra- do.

“Saber narrar é não apenas exercício de memória, mas é também es- timular a tomada de posição.” (Freire e Nogueira, 2002, p.28) No conjunto social, posso, com Maurice Halbwachs (1990), chamar de memória cole-

tiva a este movimento que se articula nas relações afetivas e subjetivas às demandas da vida

social. Assim, não basta que se tenha recordações dos indivíduos no grupo para que auxilie a memória, mas “é necessário que ela não tenha cessado de concordar com suas memórias e que haja bastante pontos de contato entre uma e as outras para que a lembrança que nos recordam possam ser reconstruídas sobre um fundamento comum” (p.34). Mais ainda, salienta Hal-

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bwachs, “é necessário que esta reconstrução se opere a partir de dados ou noções comuns que se encontram tanto no nosso espírito como no dos outros, porque ela passa incessantemente desses para aqueles e reciprocamente” (idem). Deste modo, a memória coletiva se reconfigu- ra na intensidade da experiência enquanto necessidade de uma comunidade afetiva.

Parece-nos correto afirmar que a memória individual não pode ser pensada de maneira isolada sem que haja co-valências de relações sociais que a sustente. Re-memorizar a vida cotidiana, não apenas, da forma individual como busca de compreensões, mas como forma coletiva da transformação da vida social e da subjetividade de cada sujeito que percebe. A memória coletiva e a memória individual que co-habitam essa singularidade do ato, também se configura como ato teleológico e de resultados causais. Porque (re)memória não é um “so- nho” vivido por um indivíduo a partir de sua compreensão do real buscando julgar. Ela é o resultado significante de experiência colaborativa e compreensiva que situa o sujeito à suas dimensões sociais, afetivas, epistêmicas, politicas, culturais, etc..

A memória é a representificação em sua forma consciente da realidade na procura das explicações e das aproximações da vida imediata e no tempo presente. O conceito de repre-

sentificação que utilizo é trazido por Paulo Menezes (2003) que se refere “a forma de experi-

mentação” de relações, “que provoca reação e que exige tomadas de posição valorativas”, favorável para investigar e compreender as tramas e desafios cotidianos. No intento de se afastar da mera representação, ele faz a reflexão da possibilidade ou impossibilidade da pes- quisa documental como registro e representação da realidade, visto que, o recorte na pesquisa é apenas um momento da realidade e que existe uma infinidade de atravessamentos, entrecru-

zamentos. Desse modo, representificação é “como algo que não apenas torna presente, mas

que também nos coloca em „presença de‟, relação que busca recuperar em sua relação com espectador” (2003, p.94) criando sempre um novo acontecimento, uma nova imagem e nova ação. Quanto mais se conhece os pontos da pesquisa, maior a compreensão do olhar e do lu- gar de onde parte a observação.

Nesse aspecto, a memória é o movimento de relações ente o passado e o presente constituídos na percepção do sujeito que rememora. Posto que, a memória individual tece fios das experiências vividas e das aprendizagens partilhadas, para tornar-se sentida no contexto e atualizada no processo. Assim, a memória tende sempre a ressignificar o seu relato para man- ter viva a tessitura das relações do presente que se explicam a partir do vivido experimentado individual e coletivamente na produção social da vida.

A re-memória marca a presença dos atravessamentos sociais na representação da vida do indivíduo na memória, não apenas como forma ativa, mas carregada de atualidade e atra-

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vessamentos, constituindo-se naquele presente com a nossa presença mais imediata. Por isso a importância do outro sujeito no ato de re-memorar é significativa na construção do diálogo e a formação do discurso. O que faz Freire (2003), no esforço de buscar na sua infância os ele- mentos constitutivos que ajudam a compreender a vida neste fazer-se com o/a outro/a na ex- periência do mundo que se apresentava a ele, é compreender a necessidade da relação de con- tinuidade de sentidos que o processo dialógico propicia no fazer-se com o mundo.

Assim, quando em 2005, em minhas aulas de alfabetização, propus à turma de jovens e adultos que buscasse na memória, a infância que ficou pra trás e contasse o que quando cri- ança impossibilitou o aprendizado da escrita, o resultado foi que eles revelavam suas histórias de vida sobre narrativas densas (Sarmento, 2003), descrevendo os lugares, os gostos, as amarguras e as sutilezas de subjetividades da compreensão das relações pessoais. Ainda lem- bro-me da fala amargurada de Jonas quando revelava a maneira que a geração de seus pais entendia a infância: “você pega uma criança, é como um passarinho, você pega e faz o que quer com ela, é assim que fizeram comigo, mas naquele tempo era assim”. Os elementos tra- zidos por Jonas para representificar sua experiência são carregados de novas significações e nos coloca a pensar na ideia de representação da imagem que faz a parte de um movimento contido na lembrança que sua memória traz. A imagem contida na lembrança é sempre móvel, flexível, aleatória e dinâmica. É imagem representificada na experiência de significações mais recentes. A rememoração possibilita a Jonas não apenas trazer de volta eventos passados, mas ressignificá-los sob outra lógica, outros valores e entraves, ponderando inclusive sobre os atos e os reconhecendo como momento histórico específico.

A memória é representificada nos território de troca de ideias, constituindo processos de aprendizagem e de saberes. Neste entendimento, o espaço está posto como linhas de atra- vessamento de pessoas que tomam para si sua imagem singular, refletida em modos e expres- sões diversas nos entrelaçamentos cotidianos. Assim, utilizando a expressão de Jonatan Magella, o “lugar inspira”, porque nele nos encontramos. Ao que ressalta na conversa que tece para falar dos processos de produção cultural, dizia ele que

“às vezes a gente está nesta praça aqui, e de repente você talvez, já escreveu uma poesia. Observando essa praça já escreveu uma crôni- ca, observando essa praça já escreveu um conto. É a mesma praça... A gente está olhando a praça... é aqui que a gente se encontra... as tuas, a estação de trem.”

Nas relações sociais, nos atravessamentos das singularidades, dos modos de perceber e sentir as coisas no mundo criam possibilidade de reinventar experiências. Experiência essa

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produzida a partir dos lugares de circulação dos sujeitos. Deste modo, as experiências e os lugares de articulação provocam mudanças e se configuram em novos signos em meios às tensões que são produzidas pela diversidade, contradições sociais e econômicas existentes. Contradições com tensões que são elucidadas no âmbito das produções de escrita, das produ- ções culturais diversas, dos espaços formadores de subjetividades e de reprodução social. Nesse contexto, há também a produção individual e coletiva. Na ação individual a voz se am- plifica vagarosamente convertendo-se em expressão significativa que move do lugar o sujeito da ação, mas esta voz amplifica-se de maneira mais intensa quando se dá em um contexto de coletividade. De modo que, o que anteriormente era invisibilidade revela-se visível ao contex- to a qual pertence. O contexto torna-se o território conhecido e descoberto nas experiências trazidas que se articulam e produzem interligações significativas a novas experiências sensiti- vas. O lugar torna-se o espaço de reconhecimento à medida que vão se constituindo novas relações, ao mesmo movimento em que se torna o lugar flexível da partilha da palavra e do trabalho coletivo, ainda que não haja a intencionalidade da ação política organizada e que se perceba mais facilmente a complexidade das relações sociais e interligações abstrusas e por vezes ambíguas.

Ainda muito incipiente, há essa ideia de que o espaço é sempre compartilhável e mar- ca o sentido dos encontros e das experiências que a memória guarda. Sendo o espaço um lugar do encontro compartilhado, é por sua vez distendido pelo tempo30 cujo significado é atenuado pela memória e sincronizado pela partilha.

30 Faço uma imagem de tempo a partir da referência a uma música embebida da voz de Roberto Ribeiro: “Mil exemplos têm o mundo / Sobre o tempo minha gente / No amor do dia-a-dia / Na saudade, no batente / Veja a fruta que é madura / Por processos não normais / Não tem a cor nem o cheiro / Nem sabor das naturais.” (Zé Luis e Nelson Rufino: “Tempo Ê”).

“Tempo ê” Espaços, memórias, experiências, saberes, processos de aprendizagens Memória coletiva Tempo y Sujeito B Memória Tempo x Sujeito A Memória

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O tempo é também, desse modo, uma experiência individual relativa. Neste ponto de vista, espaço-tempo confere aos entroncamentos das relações do possível aumento da percep- ção do sentir humano como organismo vivo e em conjugação com as interações dos agrupa- mentos sociais. O tempo como algo que se estica por múltiplos territórios sentidos pelos sujei- tos. Assim, na relação com a escrita, esse tempo é partilhado na dimensão afetiva e na percep- ção das experiências individuais.

Em fevereiro de 2016, em Heliópolis, na cidade de Belford Roxo, estive com Jonatan Magella, tecemos e alinhamos às conversas sobre as formas de fabricação e de reprodução independentes do livro e o processo de criação de escrita. Nossa conversa teve início debaixo de uma árvore, próxima à feira-livre de sábado, uma pastelaria improvisada que mediavam as pessoas que ali transitavam, alguns garotos que insistiam no futebol improvisado sob o sol em uma quadra gradeada cujo fundo era ornado por grafites e transcrições que eram incomunicá- veis aos olhos ligeiros, bem como o desfile de bicicletas entre carros estacionados à beira da rua. Jonatan trouxera seus livros que deram de imediato o fôlego dos assuntos que tratamos naquele fim de manhã. Eram dois livros intitulados Febril no Verão e Sismografia. Cada li- vro, amarrado ao contexto que se propunha, manifestava uma característica peculiar da sua intenção. O primeiro, uma reunião de contos e o segundo, além dos contos, trazia a confecção da capa o uso da isogravura31 como técnica de reprodução que tomara gosto. Contava-me comoreproduzia a imagem no isopor com o uso do estilete abrindo saliências às linhas para dar a base da forma como impressão. Dizia que sua produção de escrita só fazia sentido quan- do provocava reconhecimento e sensibilidade do participante na comunicação.

Figura 7 – Livros feitos à mão, costurados e colados, com capa em isogravura

_________________________________________________________________________________________ Fonte: Acervo de Jonatan Magella

31 A isogravura é uma técnica de reprodução de imagem usando principal elemento o isopor onde a imagem é

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Compreendo que o fazer sentido é o ato de estabelecer o encontro através das diferen- tes linguagens. E a escrita, como posse do lugar comum, é trânsito da experiência e da fala em interlocução.

O encontro e o prazer com a leitura e a descoberta da escrita só faz sentido quando partilham conhecimentos, acrescentam a compreensão de alguma coisa, estimulam os sentidos e quando são produzidos novos significados. Quando faltam o sentido e a descoberta, mais penoso é processo dos conhecimentos escolares, onde o tempo do aprender é substituído pelo “tempo escolar” marcado pela reprodução de conhecimentos, de currículos conduzidos na “preparação” da lida do mundo do trabalho e de costumes sem significação nos contextos vividos pelos sujeitos da relação do ensino/aprendizagem. Deste modo, quando a concepção de educação se assenta na lógica da pura reprodução, tornando dicotômica a relação do co- nhecimento com o mundo e justificando-se na manutenção das desigualdades (Freire, 2014), a escrita torna-se instrumental e a leitura empobrecida. Todavia, nos ensina Guimarães Rosa (2001) que “o mais importante e bonito, do mundo, é isto! que as pessoas não estão sempre iguais, ainda não foram terminadas - mas que elas vão sempre mudando. Afinam ou desafi- nam” (p.39). E são muitos os lugares em que experimentam conhecer, ressignificar os senti- dos da língua e comunicações das linguagens.

Encontrar o significado da palavra que comunica o que se vê e o que se sente da reali- dade é uma prerrogativa dos artifícios culturais, visto que, possibilita aos sujeitos em intera- ção colaborativa, a invenção de liberdade cotidianamente. Conforme a contribuição de Certe- au (1998), ao se referir as astúcias, de pensar a prática dos consumidores, ele diz:

“Habilitar, circular, falar, ler, ir às compras ou cozinhar, todas essas atividades parecem corresponder às características das astúcias e das surpresas táticas: gestos hábeis do „fraco‟ na ordem estabelecida pe- lo „forte‟, arte de dar golpes no campo do outro, astúcias de caçador, mobilidade nas manobras, operações polimórficas, achados alegres, poéticos e bélicos” (1998, p.103-4)

Discurso se molda nas práticas culturais, a língua se afetiva na empatia, as práticas se movimentam, as culturas interagem para se constituírem em algo novo, para haver ressignifi- cação do sentir. A liberdade como um fazer pedagógico, como prática de transformação da sociedade é um caminho para romper com os mecanismos que estão intimamente ligados a reprodução do capital Desse modo, o diálogo como “exigência existencial” (Freire, 2014), colabora a pensar uma educação que reitere as dimensões do ato de conhecer como prática coletiva.

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Existem imaginários impregnados nas narrativas que ajustam os passos de quem está no intento de caminhar junto. Essa noção, talvez ajude a compor uma explicação, ainda frágil, de como se inventam os meios de sobrevivência no meio do povo, de como se reinventam as experiências para resolução de problemas iminentes, de como se aprende a “fazer contas” (e fazer contas diferentes) na vida cotidiana, a mensurar os materiais necessários à realização de um trabalho no ofício ou na especificidade imediata das situações rotineiras.

Chego aqui com a ideia de que existem muitas formas de conhecer. A forma pontual como se aprende, às vezes, diz que há uma só forma válida de pensar. Mas as práticas cultu-

rais que os sujeitos realizam no contexto social, se ramificam, se reconfiguram, se ensinam,

se aprendem e se desfazem para reconstruírem-se como novas representificações. De tal modo que, possibilitam criar sentido naquilo que se produz e que, ao mesmo tempo só parece se completar no reconhecimento e no ato da partilha.

Há uma lembrança de um amigo poeta, que me entregava um livro toda vez que eu o encontrava, e dizia: -Você tem que ler! É preciso ler pra entender as coisas também! Eu era garoto quando ouvia, e hoje compreendo aquele movimento de querer que eu visse o que ele estava vendo na literatura. Esta requisição de encontrar um sentido confere-se como necessi- dade de ampliação de conhecimentos historicamente construídos, sem que se perca a ligação orgânica com os conhecimentos construídos com as nossas experiências. Àquele era o Cabral, militante que conheci. Nessa crítica, há um reconhecimento do processo de elaboração subje- tiva, bem como a ideia da apropriação e expropriação dos saberes. Se “corrijo” a fala do ou- tro, interessado exclusivamente na forma, me escapa tanto os sentidos quanto os saberes co- nhecer. A narrativa se limita aos usos formais da língua, as mensagens se resumem e o que se vivencia não experimenta o diálogo. Penso que a linguagem expressa configurações que o entendimento implica. Então se ouve: “nós vamo sim”, “„cadique‟ isso é assim; “o mermo de sempre”; “pega a sacola „plasrtica‟”; “ô, „mermão‟ isso é elásrtico”, entre outras. Há mais censura que continuidades nas marcas dessa oralidade. No ponto de vista da relação da forma e suas correções com o conteúdo há muitas explicações e justificativas, mas, do ponto de vista das lógicas do pensamento e das relações que se estabelecem na oralidade, entram em jogo as interações e modos de compreensões dos saberes e das práticas vividas nos agrupamentos sociais.

Entendo com Barthes, que “os falares diferem de grupos para grupos, e cada homem é prisioneiro de sua linguagem: fora da classe, a primeira palavra o aponta, o situa inteiramente e o expõe com toda sua história” (2004a, p.70). Ademais, a “nossa língua” é a língua do colo- nizador que diz com nossa voz o que deve ser ou não e se reproduz de forma inconsciente

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como pronúncia das formas e das normas, sobretudo quando reside à domesticação dos pro- cessos gnosiológicos significantes (Freire, 2003, p.81). Entretanto, é fundamental que se rea- firme aqui a urgência de expropriá-la diariamente ao modo que é próprio de cada um/a sem o medo de sentir, ver e criar. Expropriá-la pelo usufruto, pelo usucapião. Porque ao pensar e sentir com a língua se produz também, modos diferentes de se relacionar nos espaços sociais transitados, produzindo coisas e culturas hibridas. Culturas singulares e plurais que dobram a rigidez da forma fazendo com da (re)descoberta um quadro onde a língua é tingida com mais cores e mais nitidez de nossa alma permeável. E sobre as culturais que atravessam o território