• Nenhum resultado encontrado

O leitor que seguiu a vasta orquestração ascensional com a qual procuramos dar apenas um eco daquela que realmente vive e soa no infinito, ver-se-á ago- ra, gradativamente, conduzido ao mundo místico. Uma vez neste, teremos nos avizinhado do ponto culminante deste trabalho, para depois, novamente, des- cendo de grau em grau, atingirmos o seu termino. Ao vértice, o leitor será gui- ado por uma real experiência do autor. Essa, como aqui está exposta, represen- ta dele uma nova maturação, cujo trajeto preparatório está nesta obra delineado nos quatro capítulos que se seguem, do VI ao IX, em que se estabelece a base para o salto até o capítulo XI: “Ressurreição”, que conclui a fase. O capítulo XI pode ser considerada o ponto culminante deste volume.

Estes quatro capítulos foram sentidos e registrados na Quaresma do ano de 1947, em um lance instintivo que representava uma preparação à eclosão da Páscoa do mesmo ano, na “Ressurreição”, que se segue. Nos aproximaremos deste ponto ao entrar em mais detalhes à medida que avançarmos, atingindo a “Paixão”, que se apresenta como antecedente para uma elevação, assinalando o harmônico retorno do ritmo de uma vida. Estes quatro capítulos foram escri- tos para em opúsculo individualizado, cujo capítulo seria “A Comunhão Espi- ritual”, que deveria narrar completamente uma experiência mística, logicamen- te apresentada e enquadrada. Porém, não tendo sido possível encontrar um editor religioso que quisesse publicar o opúsculo sem antes obter o “imprima- tur” e visto, também, que este grupo de capítulos representava a fase espiritual vivida pelo autor a meio caminho da gênese do presente volume, ele foi inclu- ído aqui, neste ponto e neste momento, em seu lugar mais natural e lógico, como verdadeira exposição de estudos místicos vividos.

Todavia resta o fato que esses quatro capítulos, tendo sido escritos para um opúsculo separado, tiveram que ser refeitos nessa ocasião para adaptarem-se aos conceitos gerais, que deviam ser aqui escritos resumidamente, a fim de permitir um melhor entendimento ao leitor novo, mas que se tornam repetição supérflua para quem os acompanhou nos outros volumes. Não obstante, dado que se trate de poucas páginas, aqui nada alteramos da sua original esponta- neidade, seja porque qualquer alteração seria difícil hoje, em face do estado de alma superado e longínquo que os criou, seja porque somente de um texto as- sim, deixado íntegro, poder-se-á construir em seguida, para as almas devotas, um extrato autônomo completo em si, num opúsculo. O leitor que já conhece

os motivos gerais que nesses quatro capítulos aparecem como ponto de experi- ência para uso de um leitor novo, a quem era destinado o opúsculo, poderá facilmente dispensar a sua leitura. Mas, nem mesmo aqui, de resto, será com- pletamente inútil projetar aqueles conceitos complexos sob um ponto de vista diferente, isto é, de uma forma prática para as almas simples, mais como apli- cação vivida do que como teoria ou demonstração.

Pode saltar esses quatro capítulos o leitor que não aprecia a psicologia do tipo místico-religioso, para satisfazer-se com os de caráter filosófico, social, cientifi- co ou psicológico. Todavia deverá admitir que, em nome da imparcialidade e universalidade que aqui foram sempre profundas, não se pode excluir a priori nenhuma forma de pensamento e, por isso, nem mesmo a místico-religiosa, da- do que alguns estados de alma não se podem exprimir de outra maneira. Os as- pectos da verdade apresentados neste volume são variados, e cada um traz con- sigo a sua forma mental e a terminologia que lhe corresponde. Quanto menos formos universais, tanto mais nos encerraremos em um ponto de vista particular e tanto menos poderemos obter a visão conjunta do verdadeiro. Para compreen- der este, é preciso saber pensar nas mais díspares formas mentais e exprimir-se segundo as mais diversas psicologias e terminologias. Quem se fecha no seu particular aspecto do verdadeiro, escandalizando-se quando se lhe mostram ou- tros aspectos da questão, não pode compreender estes escritos, que são anima- dos pelo principio da mais imparcial universalidade.

Sob a orientação que aqui se segue, foi escrito: “A religião universal de Cris- to”. Acompanha-o quem vive na disciplina do espírito, tremenda porém livre, porque é consciente e convicta. Não há nisso nenhuma anarquia, mas sim uma ordem maior, porque, além de exterior, é também, e sobretudo, interior.

Só a universal religião do espírito, nas pegadas de Cristo, vivendo o evan- gelho, reunindo todos os justos da Terra, de qualquer religião, pode dar ao mundo uma unidade religiosa, que não se pode obter por imperialismos e im- posições morais, mas apenas por compreensão e confraternização.

Isto dito, quem escreve pode afirmar que tudo quanto segue, antes de ser exposto, foi por ele experimentalmente vivido, objetivamente estudado, cienti- ficamente compreendido. Não se trata, pois, de vagas aspirações, mas de reali- dades controladas com o método da observação e da experimentação, ainda que devamos nos referir a realidades imateriais que fogem à sensibilidade co- mum do homem atual. Se este as nega porque não as percebe e não as compre- ende, isto não obsta a que elas existam.

Quem aqui escreve deu-se conta das atuais e desastrosas condições espiri- tuais da maioria. Mas ele sabe que nesta babel infernal que é o mundo de hoje, existem também almas eleitas, ainda que em minoria, e que a estas está confi- ada a salvação e o futuro de todos. A nossa terra é reino ainda involuído, no qual ramificações provindas de baixo, da grande árvore do mal, animada por Satanás, se entrelaçam, frequentemente vitoriosas, com as ramificações desci- das do alto, da grande árvore do bem, animada por Deus. Em nosso plano ma- terial, onde reina a forma, Deus se manifesta através de Suas criaturas. É certo que toda criatura é um canal para as manifestações divinas, mas os bons cons- tituem o mais elevado, melhor e mais permeável meio pelo qual Deus pode exprimir-se com maior evidência. Assim eles representam o ponto de apoio do bem na Terra; constituem o canal através do qual a ação benéfica de Deus po- de melhor operar entre nós; são a única via aberta para que o mundo possa atingir a divina fonte da vida, que está no centro: Deus, e nutrir-se nela, esta- belecendo uma comunicação com o princípio afirmativo e construtivo do bem. Do outro lado, os malvados representam o ponto de apoio do mal na Terra; constituem o canal através do qual a ação das forças do mal pode se manifestar entre nós; são a via comunicante com o princípio negativo e destrutivo que personificamos em Satanás. Se aos malvados, pois, está confiado o encargo de tudo massacrar, espiritual e materialmente, aos bons está atribuída a incum- bência de tudo salvar e construir. O terreno de seu encontro e luta é o nosso mundo.

Estas páginas se dirigem imparcialmente a todos os bons, que representam na Terra a obra divina do bem. Os outros não podem compreender e, obede- cendo a outros impulsos e encargos, palmilham a sua estrada. Contudo quem compreendeu a vida sabe, com absoluta certeza, que só as vias do bem condu- zem à felicidade e que as forças do mal, prometendo-a, em verdade traem de- pois a promessa e, cedo ou tarde, acabam infalivelmente na dor. O escopo des- ta obra é de ajudar, ensinando os espíritos evoluídos a alçar-se sempre mais para o alto, de modo que a felicidade, que está no bem e com a qual Deus permanentemente nos quer inundar, contanto que saibamos e queiramos, pos- sa, por caminhos inteiramente independentes das coisas terrenas, alcançá-los e entrar neles, para aí permanecer, instaurando a sua paz interior. Ajudar as al- mas dispostas a alçar-se sempre mais para o alto tem, pois, também por escopo multiplicar os canais de comunicação com o divino, ampliar as estradas, au-

mentar os meios para que, mais rápida, ativa e abundante, por eles flua e possa descer a linfa vital do bem, único meio de salvação.

Como se vê, aqui se fala em termos de psicologia utilitária, pois sabemos bem que o homem não compreende e não se move senão em função de uma dada vantagem. E a vantagem neste caso, para cada um, é um estado de felici- dade dependente apenas de si mesmo, e não das condições do ambiente e da vontade alheia. Para o mundo, a vantagem está em receber a mais valiosa con- tribuição hoje possível para conseguir a sua salvação em uma hora histórica de tremenda gravidade.

O nosso mundo de hoje é materialista. Projeta-se pelas vias sensórias, que chama de objetivas, completamente para o exterior e só aí procura a solução dos seus problemas. Nós seguimos uma via oposta. Ao invés de agir sobre os efeitos, penetramos nas causas, na substância espiritual das coisas e dos pro- blemas, havendo antes bem compreendido como tudo funciona. Trata-se de compreender, para depois agir de maneira inteiramente diversa da habitual. As fontes do conhecimento e do poder, da riqueza e da saúde não estão, como a maioria crê, no mundo material, exterior a nós, mas no mundo espiritual. E tudo o que se realiza naquele não é mais do que uma consequência daquilo que primeiro se realizou neste. Tudo deriva de um centro do universo, que tudo rege e se chama Deus.

Colocar-se e manter-se por vias espirituais em contato com Deus, significa poder atingir tesouros guardados e alegrias desconhecidas. Nós somos livres e podemos, se quisermos, alcançar a felicidade. Mas tudo provém do interior, e nada poderá andar bem no exterior, se antes não estiver bem marcado em nosso interior. Só nos mudando para melhor é que poderemos transformar para melhor toda a nossa vida. Não se pode pretender que negócios, saúde e os acontecimen- tos se tornem nossos amigos ao invés de inimigos, se antes não tivermos estabe- lecido a ordem dentro de nós, em harmonia com Deus e a Sua lei.

Quando as coisas vão mal, ninguém quer admitir ter sido ele próprio a cau- sa disso. Não compreende que atribuir isto ao próximo de nada serve, que este desafogo a que tantos recorrem na dor não só não a elimina, como, pelo con- trário, agrava-a pelo novo mal que se lhe acresce, pois quem faz o mal aos outros o faz a si mesmo e, para fazer o bem a si mesmo, necessário se torna praticá-lo em primeiro lugar com outros. A vida provém de Deus e é irradiada desse centro em forma universal. Para que ela possa ser fecunda de alegria, tudo deve circular livremente com espírito fraterno. O egoísmo atualmente

dominante, com o seu separatismo, é antivital. Ele obstrui os canais da linfa vital, opondo desta maneira barreiras que produzem congestões e estagnações; aqui, superabundância inútil; ali, dolorosa miséria, e, por toda a parte, tristes diferenças e penosos desequilíbrios de todo o gênero: econômicos, demográfi- cos, orgânicos, espirituais.

Aqui, buscamos orientar-nos de maneira diversa; procuramos não só com- preender que a vida funciona de modo inteiramente diferente daquilo que se crê e que se segue, mas também entender que a maior parte das nossas desven- turas depende de não sabermos comportar-nos. Procuramos a felicidade onde ela verdadeiramente está e a encontraremos se soubermos pensar e agir. Pode- rão, desta maneira, começar a formar-se, no oceano das dores humanas, ilhas de felicidade e, no espinheiro universal, tufos floridos. Na tempestade do mundo, algumas almas poderão, desta maneira, formar em derredor de si uma atmosfera de bondade e de paz e nela repousar. Nesses castelos, protegidos por forças espirituais, ainda mesmo que, a princípio, isolados no inferno terrestre, poder-se-á ter, aqui e ali, uma antecipação do paraíso. Deste estado de ordem e harmonia interior, não pode deixar de derivar, espontaneamente, um símile estado de ordem e, por conseguinte, de bem-estar nas próprias coisas terrenas também.

Cada um desses indivíduos, reequilibrados dentro de si, não poderá deixar de irradiar em torno de si mesmo equilíbrio e paz, carregando consigo, para onde quer que vá, a sua atmosfera de harmonia, e poderá assim saturar com ela tudo que ele tocar, sanando o mal e a dor ao seu redor, depois de havê-lo sana- do dentro de si mesmo. Formar-se-ão, desta maneira, na desordem geral do mal, núcleos de atração de bem, do Alto para a Terra, e de irradiação deste para o bem de todos. Isto permitirá a formação de correntes benéficas e salva- doras, uma gradual reordenação do caos, uma progressiva transformação da infernal dissonância terrena na música divina do paraíso. A vida poderá então, cada vez mais, expandir-se pelas largas estradas do amor. A vida tem necessida- de, para prosperar, não das barreiras do egoísmo, mas dos canais abertos do al- truísmo. E da lei de Deus que, nestes canais, ela se atire triunfante, apenas eles se formem, para levar nutrição vital onde existe mal, amor onde domine o ódio, paz onde predomine a guerra, alegria onde reine a dor. É a bondade de Deus que faz pressão para verter-se nestes canais e por eles circular. São as forças do bem que por eles querem descer até nós para, entre nós, contrapor-se às do mal e

vencê-las, espargindo a felicidade. As graças divinas procuram as portas abertas e requerem almas dispostas para poder chegar até nós e nos salvar.

É a estas almas que aqui nos dirigimos, a fim de que atinjam o centro divi- no e sirvam de canal à Terra e, desta maneira, não só conquistem a felicidade para si mesmas, mas também a irradiem em derredor de si, cumprindo a sua missão, que é de receber do Alto e irradiar embaixo. Elas formarão uma rede de correntes benéficas que envolverão o mundo e – vencendo as influências maléficas, que, funcionando em sentido contrário, querem transtorná-lo – sal- vá-lo-ão dos cataclismos que hoje o ameaçam.