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Continuemos a passar em resenha os erros modernos.

Uma das maiores conquistas do nosso tempo foi, sem dúvida, a ciência. Mas, se bem que mostrasse uma atitude agnóstica, que queria ser filosófica e religiosamente imparcial, esta ciência, sem filosofia e religião, visto que a al- ma humana não pode fazer nada sem uma orientação qualquer, na realidade possuía a sua: o materialismo. O seu absenteísmo no campo ético, campo que é impressionantemente conexo à vida, significaria, efetivamente, negação dos valores morais. O maior dos erros modernos é, pois, o erro moral, que orientou e utilizou mal uma ciência de per si benéfica. Erro profundo este, porque fez das conquistas da técnica um meio de destruição material; erro grave, porque, no espírito das massas, que, mal sabendo pensar por si, sempre seguem a ori- entação da classe culta dirigente, resultou em espírito de revolta, desordem e destruição. Em nosso século acreditou-se, em nome da ciência, ser possível libertar-se dos tradicionais conceitos de Deus e de Sua lei, que regulam toda a vida, até o campo ético humano. Isto pareceu uma conquista e uma libertação. Podia sê-lo com respeito às concepções filosóficas e religiosas que, tendo sido vividas e havendo dado seus frutos, requeriam uma superação. Mas superação quer dizer atingir um conceito superior de Deus e de Sua lei, e não a destruição desse conceito. É certo que muitas ideias haviam envelhecido e não corres- pondiam mais às novas formas mentais. Mas é perigoso destruir sem recons- truir, produzindo apenas ruínas; perigoso sobretudo no campo ético e ideal, onde se encontram as diretivas das nossas ações. O orgulho humano exagerou na destruição; alçou a bandeira do ateísmo e da desordem moral enquanto a incumbência estava em progredir no relativo e, ansioso pela autoafirmação, substituiu ao velho dogmatismo por um novo, demonstrando, com o mesmo espírito parcial, que o homem não muda. A verdadeira ciência continuou, com os seus gênios e os seus heróis, o trabalho tenaz, rígido e objetivo, que produ- ziu as maravilhas que contemplamos. Mas um fruto tão belo caiu em um mun- do negador de Deus e de Sua lei, que fez péssimo uso daquele fruto. Arcou então com a culpa a ciência, que em si mesma, no entanto, é inocente, tanto que hoje, continuando seu tenaz caminho, progredindo sempre, é justamente ela, que no princípio se tornara um estandarte do materialismo, que acabou por nos indicar o espírito e nos levar de novo a Deus e à Sua lei.

Quantas coisas esta ciência ainda nos demonstrará é impossível suspeitar! Mas é certo que os séculos futuros, bem mais evoluídos, demolirão muitos erros do nosso tempo, que são muitos, consequentes da orientação supramen- cionada, cujos efeitos práticos ainda se farão sentir. Esses erros foram graves, e o mundo de hoje lhes paga as acerbas consequências. À lei de Deus, que guia o universo, não se pode destruir. Hoje, o homem é ainda tão criança, que acre- dita poder, com o seu arbítrio e vontade, substituir-se a ela. Mas só os jovens, os ignorantes e os inconscientes são em geral presunçosos. Os evoluídos são sábios. O grande pecado do homem presente é o pecado de Lúcifer: o orgulho. O mundo atual é todo um tremendo grito de rebelião a Deus e à Sua lei. Tentada a substituição de comando, de consequências terríveis, que vemos tanto na paz como na guerra? Tal mundo se desfaz. Por que? Porque o orgulho cega, faz per- der a límpida visão das coisas, destrói o poder diretor e, assim, acumula erros; porque o orgulho, afirmação do eu, é negativo perante Deus, logo o é perante a vida, de cujas fontes o homem, desta maneira, afasta-se. Resulta disso uma ação desequilibrada, contraditória, descendente ao invés de ascendente. O que é con- tra Deus e a Sua lei só pode operar destruição. Então o espírito rebelde à ordem divina volta-se para a forma, com sensualidade e avareza, e se perde no relativo do particular. Eis o mundo de hoje, feito de avidez mórbida, de rivalidade san- guinária, de mente destruidora e caótica, caindo sempre, até atingir o fundo. Todo sistema possui uma lógica de proposições em cadeia, a qual, uma vez ini- ciada, deve desenvolver-se elo por elo, até às últimas consequências.

O homem, acreditando poder desorganizar a lei de Deus, pelo menos na Terra, para depois refazê-la a seu modo, com esse orgulho, não desorganizou senão a si mesmo e ao próprio mundo. A causa não está em Deus, mas no ho- mem. A Lei é perfeita, é ordem e não falha. Ao homem, operário de Deus, foi confiado, à imagem e semelhança da obra do Criador, um trabalho de criação na Terra. A Lei o deixa livre de errar, mas depois o constringe a pagar na mesma proporção do erro, para que possa compreender. A dor e o mal não estão em Deus, mas na ignorância, na vontade, no erro do homem, e são elimi- nados através da sua dura experiência. Assim, pois, tudo isto diz respeito ao homem e é relativo à sua atual fase de evolução. O mal não está em Deus e na Sua lei, que não se altera de modo algum, apesar de todos os erros humanos. Pelo contrário, tudo orienta maravilhosamente, não obstante eles. Então vê-se como o homem é guiado pela sabedoria divina e protegido pela divina bonda- de, mesmo quando se rebela e, cego, arrisca-se a perder-se. Enquanto o ho-

mem, abusando da sua liberdade, tenta, na própria insipiência, transtornar tu- do, a lei de Deus está sempre intimamente presente e ativa na reconstrução. A destruição age do exterior, a reconstrução do interior. A primeira é explosiva, desordenada cega e violenta; a segunda é tenaz, metódica, sábia e boa, sempre atenta a reparar as faltas. Desta maneira, o homem, sempre sofrendo, deve aprender, como ser livre e consciente e, por conseguinte, responsável, a saber usar com prudência o poder que Deus lhe concedeu. Mas hoje, dada a ordem do universo e visto que, nesta ordem, o homem age e pensa devidamente, a sua dor é lógica e plenamente justificada. Justificada não só como consequência punitiva mas também como condição providencial, porque, com a dor, apren- de-se a eliminar o erro e, assim, com a dor de hoje diminuirá a dor de amanhã, isto é, com a dor se elimina a dor, visto que com ela se evolui.

Esses princípios gerais e sintéticos estão presentes nas suas consequências até nas menores coisas de nossa vida contingente, dizendo-nos respeito muito de perto. Esta, em todos os seus particulares, está saturada de soluções falsas, que, por conseguinte, produzem o mal e a dor. Não sabemos agir ordenada e harmoniosamente e, por isso, através de pensamento e ação errados, semeamos em cada dia a nossa pena. Na procura tresloucada de gozo e liberdade, torna- mo-nos cada vez mais escravizados de mil necessidades artificiais. Sofre com isso a nossa saúde, os nossos interesses, a nossa paz. Para elevar nosso nível econômico, nos empobrecemos cada vez mais em substância. A supressão da disciplina moral não é, como se acredita, liberdade, mas escravidão. Pode-se rir dos emancipados, mas as eternas leis da vida não se alteram, e nela a ordem de elevação moral constitui a base do poder. O poder é conquistado harmoni- camente, evolvendo, e não desequilibrando com a violência, que tende a ree- quilibrar-se retomando o mal, excitando uma proporcionada reação oponente. O hodierno grito satânico contra Deus, expresso pelo orgulho do ser e pela adoração da força e da matéria, é servidão do espírito livre para com esses senhores. Na realidade, o homem perde todo o poder de autodomínio, e quem não for senhor de si não pode ser senhor das coisas; quem não possui discipli- na em si não pode determinar senão o caos em derredor de si. Para obter feli- cidade e prosperidade, não basta, como se supõe, apenas a posse das coisas. Se nos aproximamos delas animados de egoísmo e avidez, elas virão a nós enve- nenadas e, por isso, nos envenenarão. Desta forma, ao invés de obtermos o gozo, do qual a condição precípua é a paz, chegaremos à violência, à guerra e, consequentemente, à miséria e à dor.

Todavia a vida está imersa em um oceano de substância, e nós, com tais ati- tudes, impedimos que esta nos alcance. Esta substância nutritiva, esta atmosfe- ra vitalizadora em que o homem se move, é inexaurível em toda parte, pois é a onipotente divindade de que tudo nasce. A sua vitalidade e fecundidade são dadas pela circulação, pelas trocas, pela comunicação e pela fraterna comu- nhão entre os seres. Quando, egoisticamente, contemos o seu livre fluxo, pro- curando o entesouramento exclusivista, erguemos barreiras que a tornam inerte e estagnante, então a sua potência dinamizante se extingue, Deus se nega e o homem é afastado da fonte vital. Não se enriquece, pois, com a avareza, mas com a ilimitada e benéfica generosidade. Como o mundo faz o contrário, natu- ralmente empobrece. A lei de Deus colocou uma riqueza inexaurível à livre disposição dos sábios, que dela sabem fazer uso, mas a exclui dos estultos, que agem em contrário à Sua ordem. Efetivamente, não vemos nós o mundo torna- do miserável justamente em razão da doida procura da riqueza, enfraquecido pela loucura do poder, escravo do desejo absurdo de domínio egoísta e, como consequência, da procura da mais indisciplinada liberdade? A vida possui leis muita sabias, que favorecem o prudente e frustram o tolo, para que aprenda.

Mesmo a prosperidade material tem as suas leis, mas quem as segue? Elas são continuamente violadas. A consequente e contínua constatação da carência geral enraíza nas almas o terror da falta do necessário, estabelecendo-se então uma psicose e angústia perpétuas. Desta maneira, nos acreditamos escravos do trabalho, sem o qual não se vive, e fazemos dele uma condenação na vida. Mas o trabalho é um ato criador, que nos põe na condição de operários de Deus, colaboradores da Sua obra de criação! Ele exprime o nosso eu nas formas que Deus plasma consoante a Sua vontade e potência. Ele representa a nossa reali- zação, constitui o meio pelo qual adquirimos experiência para evoluir, é o sinal de fraternidade entre os seres. A potência do trabalho está na cooperação, que exprime a harmonia e a ordem do universo. Em vez disso, hoje temos um tra- balho rancoroso, rebelde, rival do capital em vez de seu colaborador; um traba- lho desagregante e feito de atritos, mais destinado a destruir do que a criar. Ao contrário, a força está na colaboração, e não na desordenada concorrência. Como todas as coisas, também o trabalho, para ser fecundo e criador, deve estar saturado de amor. Ele deve, assim, ser executado não para produzir de qualquer forma, seja qual for a consequência, uma vantagem egoísta, pouco importando o interesse alheio, mas sim para ser verdadeiramente útil ao pró- ximo e, de tal sorte, que seja executado da melhor maneira possível. A tendên-

cia moderna, contrariamente, é executá-lo mal, cabendo a palma da vitória a quem melhor tenha sabido utilizar o próximo em seu benefício. Não se basei- am sobre tais princípios a propaganda e os métodos de tanta produção moder- na? O objetivo não é, de fato, criar uma legião de consumidores, orientando as massas neste sentido, considerando-as um meio de ganho, onde se usufrui do homem, fingindo-se servi-lo ? Ora, sejam quais forem a meta e a astúcia, quem viola o princípio moral, fraudando um serviço, deve colher o que semeou.

O mundo econômico e comercial não pode fugir à atuação da lei universal segundo a qual quem faz o bem o faz a si mesmo e quem faz o mal é quem principalmente o recebe. Uma economia agnóstica, que prescinde dos fatores morais é outro dos erros modernos. A lei moral está acima de todas as outras leis humanas e, por conseguinte, domina-as e penetra-as todas. O mundo de hoje não avalia quais sejam as verdadeiras fontes do bem-estar, mesmo as ma- teriais, nem ao menos supõe que este derive de íntimos equilíbrios espirituais em relação à lei de Deus.

A nossa economia moderna se baseia inteiramente sobre o “do ut des”. Mas a lei do dar e receber é mais ampla na economia da vida e não se limita apenas a recompensar quem nos deu e na medida em que nos deu. Na divina atmosfe- ra alimentadora de tudo, as trocas são vastas e infinitas, e não nos devemos preocupar se não recebemos de quem foi por nós beneficiado e na proporção do benefício. Dá e te será dado. A compensação não se sabe de quem, nem como nem quando virá, mas virá. É necessário compreender que a divina eco- nomia do universo é vasta, sempre comunicante, automática e inevitavelmente compensadora. O benefício realizado por nós a um anônimo, que não se verá mais depois, tanto circulará pelas vias da vida, que deverá voltar a nós. Se nós, contudo, não nos enriquecermos com tais créditos, mas, pelo contrário, acumu- larmos débitos em face aos equilíbrios da lei de Deus, o que então pretendere- mos obter de retorno?

Eis de que maneira é movido o mecanismo da assim chamada Providência. Sem mérito, como poderemos esperá-la? Então não nos resta senão a escassez de meios e a contínua preocupação, que, como se vê, não se elimina de modo algum, antes aumenta por se ter procurado acumular riquezas.

Por tudo isto compreende-se como existe um mundo imenso que está além do nosso e que rege e penetra a nossa realidade contingente. Em nossa peque- na vida cotidiana, vivemos o infinito, sem suspeitá-lo. No relativo, vivemos o absoluto; no átomo, a eternidade; nas pequenas alternativas de cada hora,

cumprimos o nosso destino, já por nós preparado no passado, enquanto forja- mos um novo, pois, ainda que não o saibamos, estamos em comunhão com Deus. Bem-aventurados os que sabem disso e a sentem. Esses são os domina- dores, que ultrapassam a ilusão humana, onde a maioria se conduz. Estes últi- mos permanecem encerrados na prisão da miséria feita pela própria natureza; afligidos pela necessidade em meio a uma riqueza infinita; ansiosos por tudo, onde Deus tudo provê com superabundância; escravos da matéria, quando o homem é feito para ser livre e senhor dela. Mas que imenso mundo se abre a quem sabe sair de tal prisão. Trata-se de imponderáveis que também possuem peso decisivo e podem mudar a vida. Trata-se de sentir essa contínua presença de Deus, alimentadora de tudo. Se, de fato, num extremo, Deus é de tal modo transcendente, que nos foge para o superconcebível – tanto que não é possível definir, ou seja, encerrar no finito tal infinito sem mutilá-lo, de tal forma que a Sua definição é um absurdo – ao mesmo tempo, na outra extremidade do ser, Ele está tão imanente, que se encontra presente e ativamente criador em cada momento particular da Sua manifestação, que é o universo. É verdade que nós vivemos na caducidade da forma, no relativo e periférico. Mas esta zona exte- rior da manifestação está sempre em comunicação com a substância eterna, com o absoluto central, fonte vital de que tudo deriva e permanentemente flo- resce, sem a qual tudo se extinguiria. A ciência se encaminha hoje para tam- bém compreender isto e amanhã o demonstrará. O orgulho e a revolta contra o divino princípio que tudo rege, não importando a imagem que cada um, se- gundo o seu poder intelectual, pode fazer de Deus, constituem o mais grave erro moderno, pois traz como consequência para o mundo o seu isolamento das fontes da vida, o que significa praticar o suicídio. Mas a sabedoria de Deus supera a ignorância do homem e o salvará a despeito dele, através de uma dor proporcionada, a fim de que o bem triunfe.