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Em 1998, quando concorreu pela primeira vez à Presidência da República, Chávez já era conhecido pela tentativa de golpe de 1992. Depois de uma pena de prisão de dois anos, Chávez foi anistiado pelo então presidente Rafael Caldera (Copei), em 1994.

Após a sua libertação, Chávez reconstitui o MBR-200109 como o Movimento Quinta República (MVR), transformando-o num partido político. Maringoni explica a nova designação:

Chávez lembra que a Venezuela teve quatro repúblicas em sua história. A primeira foi formada logo após a independência, em 1811. A segunda teria lugar dois anos depois. Em 1819, quando Bolíver tentava formar a Grande Colômbia, uma terceria República surgiria. E a quarta República, que vigorava até então, fora fundada por José Antonio Páez, em 1830. O novo nome do partido embutia a ideia de que a mudança de rumos deveria ser drástica. Era preciso criar uma república diferente. (MARINGONI, 2009, p. 109).

108Após quase três décadas, o Brasil elege seu primeiro presidente civil em 1989. Fernando Collor de Mello assume o poder em março do ano seguinte, com a meta de reduzir a inflação de 80% ao mês. Além de demitir funcionários públicos e reduzir ministérios, ele bloqueia as contas correntes e poupanças por 18 meses. Consegue diminuir a inflação para 20% ao mês, mas gera desemprego e insatisfação popular. Em 1991, surgem denúncias de desvio de verbas públicas e operações ilegais

envolvendo pessoas próximas a ele. A sociedade civil reage e a Câmara dos Deputados instala uma Comissão Parlamentar de Inquérito, que conclui que o presidente sabia do esquema de corrupção. A Câmara aprova seu impeachment em 29 de setembro de 1992. Collor é afastado em 2 de outubro. (Revista Aventuras da História. Disponível em: http://historia.abril.com.br/politica/impeachment- collor-435681.shtml)

109 O Movimento Bolivariano Revolucionário 200 (MBR 200) foi um movimento subversivo fundado por Hugo Chávez em 1982, como uma evolução do Exército Bolivariano Revolucionário 200 (EBR 200), criado em 1977, por ocasião dos 200 anos do nascimento de Simón Bolívar. O MBR envolvia apenas oficiais do exército e foi responsável pelas duas tentativas de golpe do governo Carlos Andrés Pérez, em 1992.

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Mas havia outra razão para o nome, como o autor relembra. O MBR se tornara muito conhecido, em função das tentativas de golpe. Como a legislação não permitia que partidos usassem símbolos nacionais, a nova sigla não poderia fazer menção a Bolívar. A solução foi o uso de um trocadilho: como a pronúncia de “B” e “V” são quase idênticas em castelhano, a pronúncia de MVR é igual à de MBV e não esbarra na limitação legal.

Ao trabalhar para ganhar a confiança dos eleitores, Chávez elabora uma agenda que se apoia fortemente na ideologia do bolivarianismo. Descreve o seu objetivo de “lançar as bases de uma nova república”, classificando a existente como sendo a de um “partido dominado”, e propondo a substituição da Constituição vigente, considerada não mais do que a “personificação jurídica-política de puntofijismo”, o tradicional sistema de clientelismo dois partidos (AD e Copei).

Na campanha110, Chávez se valeu de seu extravagante estilo, conhecido pela abundância de expressões coloquiais, para ganhar a confiança especialmente dos pobres e trabalhadores. Em maio de 1998, o apoio de Chávez havia subido para 30% nas pesquisas, e em agosto ele registrava 39%. Chávez ganhou a eleição presidencial 6 de dezembro de 1998, com 56% dos votos.

Naquela ocasião, sua então mulher, a jornalista e publicitária Maria Isabel de Chávez, esteve muito presente na campanha. Várias peças veiculadas na televisão contam com sua presença e declaração explícita: “Eu, como mulher e mãe, tenho medo da insegurança, dos hospitais e escolas desmantelados, da especulação e do desemprego”. Ainda que com qualidade técnica pobre, se comparada à campanha brasileira (não há cenário de fundo, imagens, música ou qualquer outro recurso audiovisual), a peça se apoia na credibilidade da conhecida jornalista, jovem, loira de olhos verdes, presença exuberante e personalidade forte111. A vinheta que encerra a peça diz: “Chavez é a solução para os problemas”.

110 As peças de campanha analisadas estão disponíveis no YouTube, mediante busca pelo termo “Propaganda Chávez 1998”. As buscas também se deram pelos nomes dos concorrentes e respectivos pleitos (2000 e 2006). Algumas dessas peças estão reproduzidas no DVD 1, do Anexo F.

111 Após a separação do casal, em 2003, ela aparece em várias entrevistas comentando a personalidade “volátil” e até mesmo acusando-o de ser um pai ausente. Mas nunca questiona as decisões políticas do ex-marido. Sua figura é muito usada pela oposição, em peças de baixo nível que circulam na internet. Um exemplo é uma entrevista em que sua voz é substituída por locução falsa, em que diz que se separou do marido por ser impotente sexual.

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A estratégia comunicativa também se vale de depoimentos de populares, como a de uma integrante da AD que pede voto independente do partido: “Votemos com a consciência livre, para salvar a democracia”. Aqui, a vinheta é: “Chávez, presidente, um sentimento nacional”.

Outra peça recorre integramente ao recurso da animação gráfica. Nela, Chávez aparece falando a uma multidão, que vibra, diante de seu inflamado discurso: “Na Venezuela, agora é a hora do povo”. Em seguida, aparece um personagem em desenho animado, que ensina a votar no “laranja” (cor do MVR): “Vote laranja, um voto patriótico”.

Seus adversários também usaram a “mudança” como valor eufórico, para construir um país forte e seguro. Mas apostam mais na importância da segurança de um candidato experiente para fazer a “mudança radical” rumo ao progresso com saúde, educação, trabalho, paz e um futuro sem violência. Recorrem à emoção, com o uso de imagens de populares e crianças, mas não apresentam nenhuma proposta que de fato simbolizasse a mudança desejada.

O discurso de Chávez, pautado no patriotismo exarcebado e na retomada do herói nacional Simón Bolívar para a construção de uma sociedade mais justa, encontra maior apelo nos corações e mentes venezuelanos. Ele ainda não fala em revolução socialista, mas consegue canalizar o sentimento antineoliberalismo. Como afirma Toni Saunois, “sua vitória eleitoral foi um sub-produto de uma rejeição de massas ao neoliberalismo e de uma demanda pelo fim das corruptas oligarquias dos dois partidos que governaram a Venezuela durante décadas” (SAUNOIS, 2007).