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Democracia, revolução e contrarrevolução

Até o golpe militar de 1973, que tirou Salvador Allende do poder e instituiu uma ferrenha ditadura militar sob domínio do general Augusto Pinochet, o Chile era considerado um exemplo democracia, com eleições presidenciais realizadas desde 1830, só interrompidas durante o período da guerra civil. Foi o primeiro país latino-americano a ter um congresso, antes de vários países europeus, salvo Inglaterra e Noruega, e a ter eleições diretas desde 1925 (Cf. MANCINI, 2010, p. 24 e 57).

Após um período de República Parlamentar (1891-1924), em que o congresso domina a cena política e os poderes presidenciais são reduzidos, o Chile volta a ser uma República Presidencialista, com eleições regulares, mas não por isso estável. Durante toda a primeira metade do século XX, há várias manifestações populares de insatisfação e surgem os

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movimentos comunista e anarquista. Em 1932, Juan Esteban Montero é eleito e logo em seguida é deposto por um golpe que institui a República Socialista do Chile, que dura apenas 12 dias, mas dá origem ao Partido Socialista Chileno, criado em 1933, que tem como marca uma mistura de socialismo e populismo, como indica Winn:

Uma heterogeneidade ideológica e social em um partido que absorveu anarquistas e trotskistas, mutualistas e social-democratas, e integrou números crescentes de trabalhadores e camponeses em um partido com uma liderança e base social predominantemente de classe média. O Partido Socialista enfatizaria seu nacionalismo versus o internacionalismo dos comunistas (WINN, 2010, p. 47).

O socialismo chega ao poder no Chile pelo voto direto com Salvador Allende, em 1970, pela Unidade Popular, uma frente constituída por socialistas, comunistas, socialdemocratas e esquerdistas cristãos. Allende implanta, quase que de imediato, quatro importantes mudanças estruturais: “recuperação das riquezas minerais do país, nacionalização dos bancos, reforma agrária profunda e socialização das principais empresas de produção e distribuição chilenas” (idem, p. 78), que fundamentam o programa da “via chilena para o socialismo”, o caminho de uma revolução socialista “vinda de cima”, ou seja, realizada pelas vias legais governistas.

Promove uma profunda redistribuição de renda (destina 10% do capital para o trabalho) e implanta programas no campo da saúde, educação, habitação e alimentação, que proporcionam melhorias significativas na qualidade de vida da população mais pobre, tornando o país “uma das sociedades mais igualitárias da América Latina” (idem, p. 18). Entretanto, suas medidas encontram dura resistência tanto interna quanto externamente.

Internamente, eclodem inúmeras manifestações populares que buscam acelerar a “revolução vinda de baixo”130. Além disso, a classe média, fundamental na coalizão da Unidade Popular, sofre com o desabastecimento de produtos, ocasionado pelo boicote da

130Segundo Winn, “a disseminação da revolução rural vinda de baixo criou um conjunto de problemas

econômicos, sociais e políticos que se reforçavam mutuamente. Do ponto de vista econômico, a reforma agrária da significou custos de transição mais elevados num período de déficits orçamentários, e um declínio maior da produção durante o período de transição, em uma época em que a elevação das rendas chilenas estava aumentando a demanda por alimentos, obrigando o governo a usar suas limitadas reservas cambiais para importá-los. Do ponto de vista social, a revolução rural vinda de baixo ameaçava a estratégia básica de aliança de classe da via chilena. (...) O resultado disso foi a expropriação pelas ocupações de muitas fazendas de porte médio, impelindo seus proprietários a se engajar na contrarrevolução, e criando ansiedade até mesmo entre os pequenos fazendeiros (...). Politicamente, isso significava que a divisão política em um Chile polarizado podia chegar a um ponto muito baixo na escada social para consolidar uma maioria para o socialismo.” (WINN, 2010, p. 98).

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classe empresarial, na Greve de Outubro (1972), que desestabiliza a economia e dissemina o caos social. O governo perde o apoio da Democracia Cristã, que deixa a Unidade Popular e une-se ao Partido Nacional, de oposição ao governo.

No plano internacional, o Chile enfrente forte oposição dos Estados Unidos, que desejam bloquear a revolução democrática, seja negando empréstimos seja promovendo a articulação das elites e dos militares para uma contrarrevolução:

Pouco a pouco, as instituições chilenas foram politizadas e polarizadas por esse conflito, até que as Forças Armadas foram atraídas para o turbilhão político. No Chile, houve não apenas um processo revolucionário, mas também um processo contrarrevolucionário. (WINN, 2010, p. 21).

Em 11 de setembro de 1973, um golpe militar liderado por Augusto Pinochet põe um fim violento à pacífica revolução socialista chilena. Começa um período de terror direitista, com a prisão de milhares de pessoas e o “desaparecimento” de mais de três mil chilenos.

Na ditadura de Pinochet, o Chile continua sendo um líder regional, mas agora como exemplo de terrorismo de Estado e repressão social. Como destaca Winn, um dos marcos desse período é a Operação Condor, “uma rede de terror de Estado que uniu os regimes militares direitistas do Cone Sul – Chile, Brasil, Argentina, Uruguai e Paraguai –, e sua inteligência militar e a polícia política em uma guerra velada contra os esquerdistas refugiados em qualquer um dos países da região” (idem, p. 22).

O regime de Pinochet reverte a maioria das mudanças introduzidas por Allende, com a privatização das empresas nacionalizadas e a repressão de movimentos populares, partidos e sindicatos. A contrarrevolução institui o capitalismo liberal, com o comando da economia ficando a cargo dos Chicago Boys, economistas da Universidade de Chicago, seguidores do liberal Milton Friedman131. Essa política conduz o Chile, no início da década de 1980, à sua pior crise econômica, atingindo um índice de pobreza de quase 45%132.

131 O economista americano Milton Friedman (31 de julho de 1912 - 16 de novembro de 2006), Prêmio Nobel em Ciências Econômicas em 1976, foi conselheiro econômico do presidente americano Ronald Reagan e defensor de uma filosofia política que exalta as virtudes do sistema econômico de mercado livre, com pouca intervenção do Estado. É considerado um dos “pais” do neoliberalismo.

132 Loureiro divide em quatro fases o processo de liberalização chileno: “a) 1973-1976, momento inicial de implementação das transformações liberalizantes pelo governo militar de Augusto Pinochet, caracterizado por estagflação; b) 1977-1981, interregno de aprofundamento das políticas neoliberais e

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A recuperação econômica viria nos anos 80, com uma versão “modificada e mais pragmática” (idem, p. 23) das políticas neoliberais, que proporcionou o “milagre chileno”, um período com alto crescimento econômico, baixa inflação e baixo desemprego.

A despeito de todo esse otimismo, é fundamental perceber os limites da recuperação em estudo. O crescimento do interregno 1977-1981, em vários aspectos, não foi capaz de colocar a economia chilena nos mesmos patamares do período pré-golpe. (LOUREIRO, 2006, p. 9)

Ou seja, o crescimento econômico do período nada mais é do que uma compensação da enorme queda do produto doméstico ocorrido nos anos 70, como afirma Loureiro:

A euforia do “milagre chileno”, porém, manter-se-ia grande enquanto os fluxos de capitais internacionais continuassem a migrar em quantidades consideráveis para a periferia do sistema capitalista. Sabe-se, entretanto, que tais condições deixaram de acontecer no começo da década de 1980. Com isso, o “milagre” neoliberal esfacelou-se com enorme facilidade. (idem, p. 10).

O Chile vive um período de profunda depressão econômica e recessão interna, que contribui para o enfraquecimento político de Pinochet. A recuperação de fato só acontece com a restauração da democracia nos anos 1990. Em 1988, pressionado pela sociedade, Pinochet convoca um plebiscito para consultar o povo se permanece ou não no poder. Perde e novas eleições são convocadas para o ano seguinte. O democrata cristão Patricio Alwyn vence o candidato oficial de Pinochet, com o apoio da coalizão de Concertación de Partidos por La Democracia, que desde então governa o Chile.